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5 A UTILIZAÇÃO DE BIOMASSA PARA A PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS

5.2 UTILIZAÇÃO DE BIOMASSA PARA A PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS

5.2.1 A problemática das fronteiras agrícolas

A princípio destaca-se que as atividades realizadas para a produção de bens alimentícios e de matérias-primas provenientes do cultivo de plantas necessitam de espaços territoriais destinados a viabilizar o desenvolvimento da agricultura. E diante da perspectiva de utilização dos recursos ambientais para atividades econômicas lucrativas surge a exigência de utilização sustentável dos recursos naturais disponíveis no país468.

As atividades aqui realizadas deverão explorar o ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e os processos ecológicos, e preservando a biodiversidade e as demais características ecológicas, de forma socialmente justa, economicamente viável, e em respeito às necessidades das gerações presentes e futuras, em face da necessidade de observação da função social da propriedade, respeitando os demais usos do solo e do subsolo, e a necessidade de produzir os demais insumos imprescindíveis para a população brasileira no século XXI469.

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Não aguardou, dessa forma, o prazo inicialmente fixado no artigo 2º, §1º, da Lei 11.097, de 13 de janeiro de 2005, que tornaria obrigatório o percentual de 5% somente no ano 2013.

467 BRASIL. Lei nº 9.478, de 06 de agosto de 1997. Brasília, 1997. Art. 1º, XXII.

468 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Curso de Direito da Energia: tutela jurídica da água, do petróleo, do biocombustível, dos combustíveis nucleares e do vento. 2 ed. São Paulo:

Saraiva, 2010. p. 232-235.

De modo que a produção de biocombustíveis em escala industrial pelo Brasil põe em evidência questões acerca dos riscos que a ampliação da plantação das oleaginosas poderá trazer para o desenvolvimento das demais culturas agrícolas, para a pecuária e também para importantes biomas brasileiros, como a floresta amazônica, o cerrado e o pantanal mato- grossense470.

Não se pode permitir que a expansão do cultivo da cana-de-açúcar e das oleaginosas destinadas à produção de biocombustíveis exija a formação de novas fronteiras agrícolas no país que ameacem a produção de alimentos. Assim, deve-se propiciar que as culturas básicas continuem sendo desenvolvidas no mercado interno, por meio de políticas públicas que garantam a estabilidade do preço das culturas e o suprimento da produção destas para toda a população mundial.

Tal questionamento mostra-se essencial na medida em que a prioridade no uso dos recursos hídricos em casos de escassez é direcionada para o abastecimento humano e para a dessedentação de animais471. De maneira que, com a expansão desordenada das áreas destinadas à produção de biocombustíveis, e a consequente necessidade da irrigação dessas áreas, seja demandado um volume indisponível de água para esses fins. Além disso, com a degradação de importantes biomas brasileiros, será ainda mais difícil que os mananciais hídricos superficiais e subterrâneos desenvolvam normalmente os seus necessários processos de recarga e de purificação.

Na tentativa de solucionar a questão, defende-se que a expansão das áreas para o cultivo de biocombustíveis deverá acontecer em áreas disponíveis, degradadas ou já desflorestadas, o que eliminaria em tese a problemática em questão. Ocorre que em grande parte dos casos são necessários vultosos investimentos para recuperação e adaptação do solo para o plantio. De acordo com as estimativas fornecidas pela Embrapa, para a recuperação dos solos para o cultivo do biodiesel serão necessários recursos da ordem de 40 bilhões de reais472. Ademais, é conveniente lembrar que o uso desenfreado de agrotóxicos poderá

470 A expansão do uso da soja desponta como uma das principais causas do desmatamento das florestas do estado

do Mato Grosso, sendo responsável pelo desmatamento de cerca de 26.130 quilômetros da Amazônia entre agosto de 2003 e agosto de 2004. Na Amazônia, mais de 1 milhão de hectares de floresta foram transformadas em campos de soja. Além disso, surgem problemas ambientais: a princípio, a fragilidade do solo amazônico não permite que o cultivo da soja ocorra por muito tempo; assim como, pelo fato de os lençóis freáticos de algumas regiões da Amazônia possuírem baixa profundidade, são incrementados os riscos de contaminação dos mananciais hídricos pelo uso de agrotóxicos por esses encontrarem-se mais facilmente expostos (BERMANN, Célio. Crise Ambiental e as Energias Renováveis. Disponível em:

<http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v60n3/a10v60n3.pdf>. Acesso em: 28 de junho de 2012. p. 23).

471 Em conformidade com o que determina a Lei nº 9.433/1997 em seu art. 1º, III. 472 BERMANN, Célio. Crise Ambiental e as Energias Renováveis. Op. cit, p. 23.

ocasionar a contaminação dos lençóis freáticos, bem como o uso de fertilizantes agrícolas poderá causar a erosão dos solos, externalidades negativas que também devem ser observadas. Deste modo, verifica-se que não é possível tratar o assunto de maneira superficial, tendo em vista a complexidade que apresenta, fato que requer, por conseguinte, uma investigação ordenada das questões tecnológicas, econômicas, ambientais e sociais envolvidas para a expansão da produção das fontes de biomassa utilizadas na produção de biocombustíveis.

Nesse caso, é esperado que os órgãos ambientais atuem no sentido de criar resoluções capazes de garantir a expansão adequada das culturas utilizadas para produção de biocombustíveis, promovendo concomitantemente a adequada gestão dos recursos hídricos indispensáveis para irrigação de tais áreas, propiciando, assim, o uso múltiplo dessas águas.

Além disso, desponta a necessidade de ser promovida a efetiva fiscalização desses processos, garantindo que os benefícios ambientais decorrentes da adoção dos biocombustíveis não sejam suprimidos pela forma que se desenvolveu sua produção. Quanto à atuação da ANP, deverá ser estimulado o seu papel de agente fiscalizador do setor, evitando, portanto, que os combustíveis utilizados fiquem fora das especificações determinadas e sem o controle devido do nível das emissões.

A necessidade de estimular o investimento em pesquisa e desenvolvimento tecnológico para tornar os biocombustíveis produzidos no Brasil, tanto o etanol quanto o biodiesel, mais competitivos, por meio do surgimento de novas tecnologias capazes de aumentar a produção de biocombustíveis sem a necessidade de aumentar à área plantada. O que minimizaria com as discussões acerca da necessidade de criação de novas fronteiras agrícolas no território brasileiro e da consequente necessidade de água para promover a irrigação dessas áreas.