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As universidades são geradoras de conhecimento e de tecnologia, conforme apontado pelos modelos da hélice tripla e do sistema de inovação que colocam a universidade com um papel importante no desenvolvimento de pesquisa aplicada relevante para o mercado (DALMARCO et al., 2011; LUNDVALL, 2001), conforme já citado. A China, já mencionada como o terceiro maior depositante de patentes mundial, possui universidades que estão continuamente desenvolvendo e fornecendo P&D aplicada (KROLL; SCHILLER, 2010).

Uma primeira interação entre atores da hélice tripla pode ser motivada, por exemplo, pelo fato de a universidade perceber que uma importante descoberta feita dentro de sua estrutura, que poderia ter sido patenteada e transferida, perdeu-se por falta de apoio externo. Também, o envolvimento pode vir a pedido de uma empresa local, associação industrial ou do governo, solicitando assistência na solução de um problema de produção ou governança (ETZKOWITZ, 2013).

Historicamente, as empresas de alta tecnologia, como química, eletrônica e instrumentação; ou empresas de grande porte como a automobilística e de engenharia mecânica, são as que mais interagem com universidades de forma regular, (LUNDVALL, 2001). Conforme Closs e Ferreira (2012), isto se confirma no caso das universidades paulistas, uma vez que os seus pedidos de patentes estão voltados

principalmente aos setores da química fina e farmácia, procedimento químico de base metalúrgica e instrumentação. Neste sentido, de acordo com Santos e Torkomian (2013), universidades que possuem cursos de graduação e pós-graduação, linhas e grupos de pesquisa nestas áreas são mais propensas a serem utilizadas pelas empresas como fonte de conhecimento e como parceiros para P&D cooperativa, que é a principal fonte de transferência de tecnologia. Porém, para que possa ocorrer a cooperação universidade-empresa, as pesquisas devem estar minimamente alinhadas com a necessidade do mercado (DALMARCO et al., 2011).

Neste contexto, as universidades precisariam investir mais em divulgação das suas competências a fim de efetivar parcerias entre os agentes de inovação (CZELUSNIAK, 2015; GONZÁLEZ, 2019; MATEI et al., 2012; PIRES, 2018). Matei et al. (2012, p. 41), por exemplo, sugeriram ao NIT da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) "viabilizar uma ferramenta que possa identificar as demandas do setor empresarial e associá-las com as competências da instituição e assim estimular a interação entre a Universidade e as empresas". Estas solicitações provêm geralmente dos setores citados acima, por serem mais demandantes de tecnologia e, portanto, mais propensos a utilizar a universidade como fonte de conhecimento. Sobre o assunto, Pires (2018, p. 174) propõe:

Dentre as soluções que podem ser destacadas, cita-se: a criação e divulgação portfolios das tecnologias apropriadas pelas universidades; a elaboração de vitrines tecnológicas com destaque para a utilidade e o estágio de maturidade da tecnologia e; a participação em feiras e rodadas de negociação, com apresentação das tecnologias apropriadas pela universidade.

Embora a empresa seja o lócus da inovação, há interações e feedbacks que cercam a inovação e sua difusão, dando origem a uma rede de inovação sistêmica e cooperação entre instituições de ensino e pesquisa e empresas (BASTOS; FRENKEL, 2017). Várias universidades tradicionais americanas e inglesas, principalmente, já fazem isso, como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Stanford, Oxford e Cambridge, e outras menores, e com menos recursos, como as universidades de Utah e do Estado do Arizona (ETZKOWITZ, 2013). Neste aspecto, Rolim (2018, p. 217) afirma que “a universidade brasileira está pouco sintonizada com grande parte das universidades estrangeiras, as quais demonstram acentuada preocupação em dar respostas concretas ao desenvolvimento das regiões em que estão inseridas”.

Este modelo interativo gera interação ao fazer com que a pesquisa básica surja a partir de problemas práticos, concebendo desenvolvimento de tecnologia, que pode ser transferido à sociedade (ETZKOWITZ, 2013; ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, 2013; SOARES, 2018). O ideal seria um projeto de pesquisa acadêmico que produza descobertas que possam ser traduzidas em publicações e patentes, com a natureza do conhecimento polivalente, tanto teórico quanto prático, atendendo simultaneamente ao avanço da fronteira do conhecimento e a resultados práticos e comerciais (ETZKOWITZ, 2013; LAWSON, 2013). Sobre esse assunto, complementa Silva (2018, p. 185):

É interessante que agentes de execução voltados à construção do conhecimento, tais como as universidades públicas, estejam atentos às demandas e inseridos ao contexto de aplicação, atuando em conjunto com o setor produtivo.

Uma das atividades realizadas recentemente nessa área no Brasil é a criação do doutorado acadêmico para inovação (DAI). O DAI foi lançado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) há quatro anos, com experiência piloto na Universidade Federal do ABC e com resultados positivos já identificados, passando por aprimoramento e consolidação. O objetivo é desenvolver projetos de doutorado em programas de pós-graduação das instituições em parceria com empresas. Isso certamente amplia a interação universidade-empresa e contribui para aprimorar a pesquisa acadêmica e incrementar o processo de inovação. A primeira chamada Pública do CNPq abertas às ICTs foi em 2018, que selecionou 38 instituições9 que receberam cotas de bolsas do programa, estimulando a criação de

redes de parcerias entre ICT e empresas para a execução de projetos de pesquisa e de tecnologias inovadoras (CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO, 2018).

Para isso, é necessária a ajuda do capital humano das IES e dos institutos de pesquisa. Os pesquisadores podem fornecer seu conhecimento científico, experiência em comercialização e ajudar a atrair financiamento privado para a geração de P&D (GALÁN-MUROS; DAVEY, 2019). Porém, em estudo realizado por D'Este e Perkmann (2011), chegou-se à conclusão que a comercialização é a motivação menos

9 Entre as 38 instituições, encontram-se a PUC-PR, UEM, UFPR, Unioeste e UTFPR como representantes das ICTs paranaenses contempladas com bolsas do DAI em 2018.

importante para que os pesquisadores se envolvam com a indústria, enquanto as razões relacionadas à pesquisa dominam. Assim, parece que os pesquisadores se envolvem com a indústria principalmente para apoiar suas atividades de pesquisa acadêmica e para progressão funcional (O'KANE et al., 2015). Sobre o assunto Pires (2018, p. 174) comenta que:

É fundamental que os pesquisadores estejam preparados para identificar tendências do desenvolvimento tecnológico no segmento empresarial e estejam conscientes da importância de utilizar dos serviços do NIT para elaborar pesquisas científicas e de desenvolvimento tecnológico que acompanhe as tendências observadas.

Lawson (2013), em estudo baseado em uma amostra de pesquisadores do Reino Unido, mostra que os pesquisadores que recebem financiamento da indústria são mais propensos a produzir patentes. Provavelmente estes parceiros industriais tenham um forte interesse em incentivar os professores à comercialização a fim de recuperar seus investimentos em pesquisa ou são mais propensos a patrocinar pesquisas para aplicação comercial. Dessa forma, a transferência pode ser realizada para empresas já existentes (muitas vezes as próprias indústrias financiadoras) ou a empresas nascentes, startups, que podem ser criadas no âmbito universitário com a liderança do professor pesquisador e/ou dos estudantes envolvidos ou interessados em empreendedorismo acadêmico, de acordo com Etzkowitz (2013), Hsu et al. (2015) e Swamidass (2013). As startups são um veículo de comercialização eficaz para tecnologias incertas e um veículo, igualmente, eficaz para encorajar o envolvimento dos investidores, sendo, portanto, um mecanismo eficiente para a transferência de tecnologia (BAYCAN; STOUGH, 2013).

Conforme conclui Etzkowitz (2013), em seu estudo sobre a universidade empreendedora, conduzir atividades separadamente em pesquisa básica, em pesquisa aplicada ou em desenvolvimento de novos produtos e tecnologias não é tão produtivo. É mais produtivo ver a inovação como não-linear, em que os problemas básicos de pesquisa podem surgir de questões práticas, bem como problemas em uma disciplina. Por exemplo, resolver problemas que ocorrem no desenvolvimento de tecnologia pode levar a atividades de pesquisa de acompanhamento, assuntos de novas pesquisas acadêmicas e, em alguns casos, até levar a novas disciplinas científicas (D'ESTE; PERKMANN, 2011).

equipes multidisciplinares que envolvem todo o capital humano acadêmico, não só pesquisadores, mas também estudantes de graduação e pós-graduação, técnicos e especialistas. Esta equipe deve ter experiência e tempo disponível para cumprir prazos e atingir objetivos. Os estudantes agem como condutores do conhecimento e enriquecedores de habilidades para a indústria na forma de estagiários ou funcionários; trazem motivação, habilidades e novas ideias, aprimorando também suas habilidades e chance de empregabilidade (GALÁN-MUROS; DAVEY, 2019). Os técnicos ou especialistas equivalem à figura colocada por Zammar (2017) do Técnico de Laboratório com Doutorado, com objetivos e metas focados na interação universidade-indústria.

Porém, estas grandes equipes formadas por diferentes departamentos dentro da universidade tornam-se difíceis de serem administradas no ambiente burocrático acadêmico e interdepartamental, onde uma solução é a criação de centros de pesquisa cooperativa, estrategicamente organizados para resolverem problemas complexos (BOARDMAN; GRAY, 2010). Esses centros de pesquisa têm como característica uma atuação de acordo com o modelo de hélice tripla, com a interação do governo e das universidades para pesquisa focada no problema das indústrias e recebem grande importância nos últimos anos. Estes centros existem no Japão, Alemanha, Europa Ocidental e Ásia, apoiados pelo governo e independente da universidade, conforma apontam Boardman e Gray (2010) em seu artigo sobre o assunto. Apesar da independência, geralmente é uma estrutura formada a partir da universidade a fim de fomentar projetos de pesquisa colaborativa com a indústria, utilizando atividades estratégicas para aumentar a proximidade geográfica, social, cognitiva e organizacional a fim de tornar as colaborações mais eficientes (VILLANI; RASMUSSEN; GRIMALDI, 2017). Os centros de pesquisa podem facilitar a interação entre os atores, sendo o porta-voz da rede da hélice tripla, gerando mais transferência de tecnologia e inovação (VILLANI; RASMUSSEN; GRIMALDI, 2017).