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O modelo Hélice Tripla (Figura 2), desenvolvido por Etzkowitz e Leydesdorff (1997), baseia-se na relação entre universidade e sociedade, a partir do momento em que a universidade passa a ser entendida como um ator no desenvolvimento econômico, por meio de relações com o setor produtivo e o governo, visando a produção de novos conhecimentos científicos e tecnológicos e, consequentemente, a inovação (BRUNEEL; D'ESTE; SALTER, 2010; RODRIGUES; GAVA, 2016). A inovação seria resultado de um processo dinâmico de atividades relacionadas à ciência, à tecnologia, à pesquisa e ao desenvolvimento acadêmico, de um lado, e indústria e governo em outras duas pontas, em uma espiral de “transições sem fim”, chamada de hélice tripla (CANTÙ, 2010; ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 1997).

A hélice, que apresenta a interação universidade-indústria-governo, tem sido cada vez mais reconhecida como a fonte de inovação regional que impulsiona a transformação dos resultados científicos e tecnológicos nos resultados econômicos (ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 1997; FROMHOLD-EISEBITH; WERKER, 2013;

KIM; KIM; YANG, 2012). As intervenções governamentais são necessárias como medidas de apoio para diminuir as barreiras e fomentar setores específicos da economia na colaboração universidade-indústria (FROMHOLD-EISEBITH; WERKER, 2013). Mais esforço é necessário das autoridades locais, regionais e nacionais para coordenar o processo de geração de novos empreendimentos e estimular a inovação empresarial (ŠVARC; DABIĆ, 2019).

Figura 2 – Hélice tripla

Fonte: Adaptado de Etzkowitz e Leydesdorff (1997)

O eixo principal do modelo de hélice tripla é a presença de uma universidade empreendedora em uma dada região. Etzkowitz (2013) acredita que a existência de instituições deste tipo é fundamental para gerar inovação, facilitando a criação de novas empresas, por meio da geração e do compartilhamento de conhecimento e tecnologia. A universidade empreendedora faz transferência de tecnologia e forma novas empresas, contribuindo para o desenvolvimento econômico regional (ETZKOWITZ, 2013; ŠVARC; DABIĆ, 2019). A nova missão de inovação da universidade se expandiu a partir de uma estreita preocupação em proteger e comercializar os direitos de propriedade intelectual para fornecer tecnologia formal e informal às empresas locais (ALEXANDER; MARTIN, 2013; BAYCAN; STOUGH, 2013; MILLER; McADAM; McADAM, 2014). Isto acontece quando a universidade utiliza a região como um laboratório vivo para suas pesquisas (KEMPTON, 2018).

No modelo de hélice tripla, a universidade empreendedora interage com a indústria e o governo (Quadro 1), apresentando papel proativo na inovação, por

intermédio de compartilhamento de conhecimento e engajamento em atividades de empreendedorismo (BAYCAN; STOUGH, 2013; MILLER; McADAM; McADAM, 2014).

Quadro 1 – Atividades baseadas no modelo de universidade empreendedora

Atividades

Ensino, pesquisa, disseminação de conhecimento, proporcionar mão de obra qualificada, educação empreendedora, desenvolvimento de propriedade intelectual, de spin-offs, de licenças e de criação de novos empreendimentos

Estrutura

Registro acadêmico, admissões, diretoria de pesquisa, departamentos das faculdades/cursos específicas(os), escritórios de transferência de tecnologia (TTOs) ou NITs, equipe de ligação com a indústria, procedimentos/mecanismos de transferência de tecnologia, incubadoras, parques científicos

Governança

- Universidade (acadêmicos / pesquisadores, servidores do NIT, pessoal de ligação da indústria, pessoal administrativo, pessoal estratégico);

- Governo (agências regionais de desenvolvimento, governo nacional); - Indústria

Fonte: Adaptado de Miller, McAdam e McAdam (2014, p. 267)

Uma das estruturas é a incubadora, ferramenta para auxiliar o desenvolvimento de spin-offs dentro do ambiente acadêmico e o parque científico, ambiente favorável para o empreendedorismo inovador e de base tecnológica e que funciona de elo entre a universidade e as empresas presentes no parque, conforme já apontado por Krama (2014). Conviver em ambientes de cultura empreendedora, como as incubadoras e parques científicos e tecnológicos, "pode ser bastante vantajoso para o empreendedor, que encontra pessoas com o mesmo espírito e características, possibilitando interações promissoras para seus projetos." (DO NASCIMENTO; LABIAK JUNIOR, 2011, p. 83).

O entrelaçamento das hélices inicia-se, portanto, a partir do movimento entre os três agentes, os quais, apesar de manterem suas características individuais, influenciam e interagem uns com os outros (ETZKOWITZ, 2013). Quando existe este alto grau de interação entre o Estado, as indústrias e a universidade, apesar da independência de cada um desses atores, a universidade é considerada empreendedora, pois ela tem capacidade de definir sua própria direção estratégica e atuar de forma autônoma, podendo cumprir suas três missões simultaneamente, quais sejam, ensino, pesquisa e desenvolvimento econômico ou vinculação, sem entrar em conflito (ETZKOWITZ, 2013; FROMHOLD-EISEBITH; WERKER, 2013).

O desenvolvimento econômico, vinculação, transferência, valorização ou extensão tecnológica, refere-se às atividades de compartilhamento do conhecimento, como comercialização de P&D, patenteamento e licenciamento e formação de empresas, modelo frequentemente utilizado pelas universidades americanas desde

os anos 80 e em muitos países europeus a partir de meados de 90 (BAYCAN; STROUGH, 2013; GALÁN-MUROS; PLEWA, 2016).

Porém, este conceito de desenvolvimento econômico é um tanto ambíguo. Além do compartilhamento do conhecimento, refere-se a diversas atividades não abrangidas pelas missões de ensino e pela pesquisa, como inovação e transferência de tecnologia, educação continuada e engajamento social na forma de acesso público a palestras e bens culturais, trabalho voluntário, consultorias. Nessa perspectiva, o termo "contribuição social" é um sinônimo útil para descrever a noção central dessas atividades (TRENCHER et al., 2014).

Nas universidades latino-americanas, o engajamento social é a atividade mais emblemática e marcante da transferência de tecnologia, sendo essa interação em geral para atender as múltiplas demandas e necessidades da sociedade (KEMPTON, 2018). Porém, esse “terceiro papel” vai além do que é denominado, no Brasil, de extensão universitária. “As respostas às novas demandas exigem novos tipos de recursos e novas formas de gerenciamento, que permitam que as universidades ofereçam uma contribuição dinâmica ao processo de desenvolvimento regional” (ROLIM, 2018, p. 217).

Para o sucesso da transferência de tecnologia nas universidades, segundo Lundvall (2008), deve-se levar em consideração não somente a oferta, mas também o lado da demanda. Esse autor ressalta, por exemplo, que empresas sem funcionários graduados em universidades dificilmente irão cooperar, pois não estão preparadas para interagir com instituições de ensino superior (LUNDVALL, 2008).

São quatro as características da universidade empreendedora focada na transferência de tecnologia (ETZKOWITZ, 2013): 1) interação, não sendo isolada da sociedade, pois é vinculada diretamente ao governo e empresas; 2) independência, possuindo autonomia sem depender de outra esfera institucional; 3) hibridização e; 4) reciprocidade. A hibridização provém justamente dos princípios de interação e independência, ao mesmo tempo em que ela deve possuir autonomia para realizar suas missões, deve interagir estrategicamente para o desenvolvimento regional e econômico, portanto, de forma híbrida. A reciprocidade tem a ver com as relações com os outros atores, tanto a universidade, quanto empresas e governo devem estar atentos às mudanças e se renovarem continuadamente (ETZKOWITZ, 2013; SILVA, 2018). Uma das formas de atuação governamental, por exemplo, seria a de fornecer subsídios a empresas que contratam funcionários com nível superior, o que facilitaria,

de acordo com o Lundvall (2008), a cooperação U-E ou subsídios diretamente para quem realiza pesquisa colaborativa (BODAS FREITAS; VERSPAGEN, 2017).

A cooperação universidade-empresa (U-E), de acordo com o modelo de hélice tripla, pode acontecer de diferentes formas, entre elas a mobilidade de pessoal, as consultorias, os projetos de pesquisas conjuntos, os contatos informais, as publicações conjuntas, o patenteamento conjunto (cotitularidades) e as spin-offs (CESARONI; PICCALUGA, 2016; CONFRARIA; VARGAS, 2019; GALÁN-MUROS; DAVEY, 2019; GALÁN-MUROS; PLEWA, 2016; GIUNTA; PERICOLI; PIERUCCI, 2016).

Porém, resultados de pesquisa de D'Este e Perkmann (2011) no Reino Unido sugerem que a visão da universidade empreendedora não capta nitidamente a natureza complexa das interações dos pesquisadores acadêmicos com a indústria, pelo menos dentro das Engenharias e da Física, áreas abarcadas pelo estudo. Em vez de uma ordem híbrida na qual as universidades e a indústria convergem para se tornarem condutores comuns do desenvolvimento tecnológico e econômico, a maioria dos pesquisadores acadêmicos deseja preservar sua autonomia assegurando que o trabalho colaborativo com a indústria seja propício - ou pelo menos compatível com sua atividade de pesquisa (D'ESTE; PERKMANN, 2011).

Uma crítica é que o modelo da universidade empreendedora se baseia em incentivos para a comercialização de pesquisa que, muitas vezes, não pode ser exportado para lugares com diferentes sistemas de ensino superior e de políticas de inovação (KEMPTON, 2018).

Dessa forma, outros autores, como Farinha, Ferreira e Gouveia (2016), tomam o modelo de hélice e o expandem para análises ainda mais específicas (Figura 3). Esses autores incluem na equação elementos como competitividade regional, opções políticas, capital produtivo, capital humano e financeiro, cooperação em rede, fundamentos éticos, processos de treinamento e ensino e a forma de trabalho dos departamentos de P&D. Galán-Muros e Davey (2019) apontam que os recursos iniciais necessários para a cooperação entre universidades e empresa, como o capital humano, são frequentemente negligenciados pela pesquisa.

Verifica-se, assim, a amplitude deste modelo, ao possibilitar a observação e a compreensão objetiva de um fenômeno aparentemente um tanto subjetivo, que é a inovação, a partir de seu desmembramento em aspectos funcionalmente essenciais,

gerando ao final desenvolvimento da economia, da sociedade e do meio ambiente por meio destas interações e redes, conforme se observa na Figura 3.

Figura 3 – Hélice Tripla expandida

Fonte: Adaptado de Farinha, Ferreira e Gouveia (2016, p. 264)

E assim, para que ocorra um fluxo de conhecimento entre todos os atores da hélice, quer a análise recaia sobre os fatores macro ou sobre os mais específicos, deve haver um diferencial de potencial de conhecimento. Um dos fatores é a proximidade: quanto mais próximos estiverem os atores, mais facilmente ocorrerá a interação. Por isso, estruturas como incubadoras, centros de pesquisa colaborativa, parques científicos (KRAMA, 2014) e até mesmo os NITs são importantes na aproximação entre os agentes da rede. Outro fator é a interação anterior – quanto maior o número de experiências anteriores exitosas, maior a probabilidade de interagirem novamente (GIUNTA; PERICOLI; PIERUSSI, 2016).

Normalmente, existe a necessidade de integrar pequenas iniciativas, encorajando a colaboração. Com a evolução de iniciativas, elas acabam por englobar os elementos da hélice tripla em um processo geralmente lento e de longo prazo. Muitas vezes, não existe na região um ator governamental que assuma a liderança,

sendo inevitável que outro elemento assuma um papel organizador, com o propósito de criar iniciativas inovadoras – entre estes atores, surge a universidade, que em vários casos pode liderar um processo de desenvolvimento regional (ABRAMO;

D'ANGELO; DI COSTA, 2011; ETZKOWITZ, 2013). O modelo hélice tripla apresenta, portanto, uma visão geral sobre o impacto geográfico de uma universidade, conforme apontam Fromhold-Eisebith e Werker (2013) em seu estudo sobre o papel da universidade no compartilhamento do conhecimento.

Pode-se comparar a hélice tripla com as noções de ator-rede, que propõe a existência de vários atores autossuficientes que se inter-relacionam nas dinâmicas globais de forma simplificada, com um mesmo objetivo (CALLON, 1986). Para este comprometimento, há necessidade de um porta-voz, uma entidade principal capaz de coordenar seus entes heterogêneos, com a finalidade de formar uma rede durável.

Essa coordenação em rede é um dos tipos de coordenação socioeconômica que ordena e equilibra as ações da interação entre as ciências e o mercado. Os outros modelos de coordenação existentes são os de mercado e hierarquia, porém os dois ignoram os mecanismos informais que caracterizam uma rede de elementos sociais relativamente independentes (POWELL, 1990). As coordenações em rede são moldadas pela confiança, com atores engajados em ações recíprocas e interdependentes (DO NASCIMENTO; LABIAK JUNIOR, 2011).

Assim, como se depreende do modelo de hélice tripla e do modelo dos sistemas de inovação, não se trata de um processo simples e linear de pesquisa para o mercado e vice-versa. Também não se trata de um processo cujo desenvolvimento ocorra de forma autônoma – é indispensável a colaboração, a interação e a coordenação em redes entre agentes heterogêneos para que a ciência e as decorrentes tecnologias geradas atendam aos anseios sociais, sendo assim construídas para todos (ABRAMO; D'ANGELO; DI COSTA, 2011; D’ESTE et al., 2018; POWELL, 1990).

Dessa forma, modelos como o do sistema de inovação e o da hélice tripla, por facilitarem a compreensão das forças em jogo, além de auxiliarem no desenvolvimento econômico regional, focam também no desenvolvimento social, pois a geração de conhecimento deve ser baseada na cultura local e nos anseios da sociedade, para que seja capaz de beneficiar a população das regiões onde esses sistemas estão inseridos. Para a rede funcionar, há a necessidade de alinhar interesses, os quais devem ser traduzidos em aspectos palpáveis, de modo a manter uma boa relação entre todos os elementos da rede, muito para além das relações de

poder, pois cada elemento da cadeia garante o correto funcionamento da rede como um todo (CALLON, 1986; D’ESTE et al., 2018; DO NASCIMENTO; LABIAK JUNIOR, 2011). Isso acontece, por exemplo, na geração de conhecimento tecnológico: deve haver congruência de interesses e proximidade geográfica, não somente por parte da universidade, como fonte do conhecimento, mas também das empresas, que são uma peça fundamental da rede para a inovação tecnológica – afinal, sem elas, não há inovação e crescimento econômico (ABRAMO; D'ANGELO; DI COSTA, 2011; DO NASCIMENTO; LABIAK JUNIOR, 2011; FROMHOLD-EISEBITH; WERKER, 2013; PIRES, 2018).

O conhecimento é fundamental para a geração de riquezas. Para isso, é preciso que haja uma aproximação entre os atores da Hélice Tripla, com vistas ao pleno desenvolvimento da economia contemporânea.