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3 ORQUESTRANDO A CIRANDA DO PROCESSO INCLUSIVO EM FORMAÇÃO DE PROFESSORES: CONCEITOS E TERMOS

3.2 DESFIANDO E FIANDO CONCEITOS, TERMOS, ACORDES E TONS EM FORMAÇÃO

E o poeta emergindo da significação humana de ser, contemplando as palavras, sob suas mil faces secretas, pergunta: trouxeste a chave? A ciranda pára, reconhecendo a voz de Drummond, que em vida, se sensibilizava com a musicalidade de Cartola, o poeta da vida, que cantando “as rosas não falam simplesmente exalam o perfume que rouba de ti!”16 poetizava no perfume, a essência das rosas! Reconheço o encontrar-se dos poetas na vontade de potência, em sentir e compreender a alma humana! E no silêncio da escuta encontro a chave, e dou a primeira volta (que sem se objetivar, dá a primeira volta) e a ciranda compreende que a essência da chave está nas voltas que a ciranda precisa dar para compreender o porquê do sentido que evidencia Reeves, (2002, p.18), “o mundo da ciência é estrangeiro ao mundo dos valores [...] o sentido e os valores lhe são estranhos. Ela está efetivamente fora do campo de o que convém fazer”. Mas, o mundo dos valores retrata a significação do sentido humano de ser, e sua exclusão do mundo da ciência dá mostras da exclusão do sentido humano. Então, como pensar em processo inclusivo em formação de professores com o sentido humano excluído do conhecimento que substancia a formação?!

Na singularidade desse cirandar fui dando eco a pontos e contrapontos dessa tematização, interrogando-me: estaria nessa significação o alerta ao sentido da escuta à multiplicidade de vozes, de ecos, das experiências, dos estudos e das pesquisas que evidenciam os limites da ciência a qual, se fazendo neutra e objetiva, impôs uma hegemonia no pensar, no fazer e no ser, na constituição do processo em formação de professor? Estaria nas faces secretas das palavras a razão da não conjugação do delírio do verbo, na diversidade, na linguagem, no pensar, no desejo, no modo de aprender e produzir conhecimento?! E, dentre tantas outras vozes escuto o cantar de Nelson Sargento que ultrapassando os muros da academia e desvelando a dor da exclusão humana de ser, entra nesta ciranda e dá o seu tom.

A ciência no seu mundo estrangeiro aos valores, teimando em desconsiderar o sentido do conhecimento na significação do sentido da vida, fazendo-se de ensurdecida, nunca escutaria o saber do poder que fez Nelson Sargento, mesmo sem o referencial acadêmico, musicalizar na leitura da realidade vivida, a ideologia do encapsulamento, quando se refere à exclusão sofrida pelo samba do morro, “a fidalguia do salão te abraçou, te envolveu”. E, cantando entristecido esse

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A música “As rosas não falam” Cartola fez, segundo sua esposa dona Zica, quando ela olhando para as rosas, lá no morro da mangueira, falou para ele “essas rosas não sei o que aconteceu com elas”. Daí nasceu essa sinfonia na resposta de Cartola “as rosas não falam simplesmente exalam o perfume que roubam de ti...”

processo de inclusão, simbolizando a exclusão de si na exclusão do samba, ele entoa “Mudaram toda a

sua estrutura. Te impuseram outra cultura. E você nem percebeu”17, desvelando no seu cantar a face secreta das palavras na ocultação simbólica dos mecanismos ideológicos do silenciamento e os efeitos desse silenciar, sofrido pelo poder da hegemonia. Entontecida de tantas voltas que a chave me fazia dar nesta ciranda compreendo o quanto nesse cantar Nelson Sargento desvela a impotência da hegemonia em destituir a capacidade humana de pensar, de sentir e, cantando numa linguagem poética, desvela o comum pertencimento da condição excludente.

A riqueza da interpretação a partir da compreensão da essência existencial de ser, acredito que seria entendida por Serpa (2004, p. 21) como uma “vivencia do processo”. Sem dúvida, uma aprendizagem implicada na historicidade do viver que a educação nega por se fundar na idéia da ciência moderna, que defende “uma separação total entre o indivíduo conhecedor e a Realidade, tida como completamente independente do individuo que a observa”, conforme pontua Nicolescu (1999, p. 19), esclarecendo a razão pela qual a neutralidade e a objetividade excluíram cientificamente o sentido de si, no conhecimento. Ele puxa da física clássica, o principio de identidade A=A, e desvela o encapsulamento, tendo em vista que esse princípio dá sustentação científica à hegemonia, a qual tem por base a igualdade a si, definidora do processo de identidade; quem está fora dessa igualdade configura-se excluído. Além do que, ao objetivar esse conhecimento e todos os processos para generalização do conhecimento resultante de forma objetiva, considera apenas uma realidade, a realidade objetiva, desconsiderando então, toda e qualquer subjetividade.

Vivenciando o prazer, sendo e se fazendo compositor, Nelson Sargento sentia e percebia a realidade pela emoção, a linguagem mais rica do seu humano. É inclusive com muita emoção que ainda canta essa sua canção, e creio que Serpa teria o prazer de convidá-lo para embelezar a discussão acadêmica e, nesse momento, possibilitar e vivenciar a articulação da percepção refletida pela emoção da coisa vivida, com a emoção da coisa pensada pela cientificidade. Na impossibilidade deste encontro, trago as relevantes considerações que Serpa (2004, p.234) faz a respeito de como se processa o paradoxo exclusão x inclusão, na hegemonia do conhecimento,

O referencial hegemônico traz à tona a questão da inclusão. Sabe-se que essa questão tem subjacente dois tipos de exclusão: a exclusão material, quando não somos incluídos no referencial hegemônico e a exclusão simbólica, pela assimilação ao referencial hegemônico, com a conseqüente renúncia ao seu referencial originário.

Nessa perspectiva a “inclusão” no conhecimento hegemônico vivido em formação de professores, além de se processar pela exclusão material, processa-se também pela exclusão simbólica, pela renúncia involuntária exigida ao professor na assimilação do conhecimento hegemônico. Daí se deduz o entendimento de que o sentido inclusivo vivido nessa formação, a qual silencia a escuta de si, está implicado nos mecanismos políticos e ideológicos vividos nas estratégias pedagógicas, substanciadas epistemologicamente pelo paradigma simplificador, que se referencia no 1º postulado fundamental da ciência moderna, o qual define a “exigência de leis universais”, esclarecido a partir do que explica Morin (2005, p.59), “a ordem se reduz a uma lei, a um princípio. A simplicidade vê o uno ou o múltiplo, mas não consegue ver que o uno pode ser ao mesmo tempo múltiplo. Ou o princípio da simplicidade separa o que está ligado (disjunção) ou unifica o que é diverso (redução)” dando evidências do quanto, neste sentido, o paradigma simplificador exerceu, inclusive, a função de ocultação do paradoxo exclusão x inclusão.

Os reflexos dessa ocultação vivida no paradigma simplificador pode ser percebida no processo de desarticulação da formação de professor, no sentido colocado por Macedo (2005, p. 162), quando pontua a relevância da estrutura organizacional das licenciaturas, como sendo “predominantemente concebidas e vividas como uma colagem disciplinar em blocos desconectados, longe de qualquer possibilidade relacional onde preparação para o ensino e os conteúdos ditos ‘não-pedagógicos’ restam cristalizados e separados.” Essa problemática desarticulatória na formação de professor está presente também na fala de Dominicé (1988, p 133), quando, ao tentar articular os contextos educativos e o processo de formação, enfatizava que, “tropeçamos de igual modo na inexistência de um significado preciso dos conceitos mais usados. Por outras palavras, constatamos que as noções-chaves nas quais se baseiam as ciências da educação são, antes de mais nada, definidas pelo uso organizacional ou disciplinar.”

Nessa compreensão, fica visível como o paradoxo da inclusão x exclusão foi silenciado e camuflado no regulamento, nas normas e regras da burocracia da organização da estrutura do sistema educacional, o que vem esclarecer por que tanto esta ocultação passava despercebida, como a desarticulação do processo de formação, nessa estrutura, se constituía desobrigando o pensar a questionar os conceitos, termos e significados na e da formação. Na verdade, o vivenciar de um processo que fragmenta e reduz o conhecimento, oculta nos cursos de formação, o quanto a subjetividade do professor vai se impregnando dos valores e

significados do conhecimento hegemônico e nessa intencionalidade sua idiossincrasia vá sendo silenciada, e com ela também, a subjetivação, constituída com base do seu referencial original, bem como a singularidade no perceber e do perceber-se, neste referencial, que lhe particulariza, lhe localiza e lhe constitui.

Como suporte para a compreensão desse silenciamento, trago uma análise que Rey (2003) faz dos diferentes contextos sócio-histórico-culturais, revelando que esse processo não é mérito apenas da sociedade capitalista e, nesse sentido, vai analisar a subjetividade em uma perspectiva ontológica, mostrando que, para Guatarri, a subjetividade, tanto na sociedade capitalista como na socialista, se caracteriza pela supressão dos processos de singularização. No capitalismo, por sua tecnologia mais sofisticada e a abertura de mecanismos de competição e de consumo, esses processos implicam o sujeito de uma forma obsessiva e perversa que este se sente no extremo de sua alienação um triunfador, que se torna cada vez mais competitivo, isolando-se de uma produção autêntica de afeto nas relações com os outros. No socialismo, também, por se exercer um controle direto sobre o homem que, de forma constante, invade as várias esferas de sua intimidade pessoal. O sujeito aparece mais como sujeito de ação, integrado a um tecido coletivo que impede sua singularidade.

Nesse compreender, o processo de dessubjetivação na formação de professores se ramificando sob diferentes formas e tomando diferentes significações, nos diferentes sistemas sociais, vai reafirmar no silenciamento, o sentido da normalidade desse processo, tendo em vista a exigência determinada pelo estado de inclusão na hegemonia, seja do conhecimento, do capital ou do mundo socialmente aprovado. Nesse sentido, aprofundando essa discussão, entrelaço fios e meadas dos estudos desenvolvidos a respeito da formação de professores para educação inclusiva, destaco a relevância das reflexões de Glat (2002, p.23), quando afirma:

A escola pública, criada a partir dos ideais da Revolução Francesa como veículo de inclusão e ascensão social, vem sendo em nosso país inexoravelmente um espaço de exclusão – não só dos deficientes, mas de todos aqueles que não se enquadram dentro do padrão imaginário do aluno “normal”. As classes especiais, por sua vez, se tornaram verdadeiros depósitos de todos aqueles que, por uma razão ou outra, não se enquadram no sistema escolar.

No aprofundar das suas reflexões, a autora possibilita a compreensão do quanto a perspectiva padronizada, fechada, impessoal, gerenciada na formação de professor, “trouxe como corolário a existência de uma metodologia de ensino “universal”, que seria comum a todas as épocas e a todas as sociedades” (23). Dialogando com estas questões Marques (2001,

p. 96), com base na sua pesquisa a respeito de concepções e práticas pedagógicas, acrescenta que, “no geral, a formação dos professores de alunos com deficiência é de má-qualidade e calcada na reprodução do conhecimento”. Isso tem um maior realce se lembrarmos dos históricos cursos aligeirados, desenvolvidos para atender à necessidade imediata da educação especial. Deveras, não posso deixar de compreender que a base de sustentação da problemática política, social e pedagógica da formação de professor seja uma teia onde se entrelaçam fios do modo simplificador do conhecimento o qual se dimensiona inclusive no que a autora nomeia de “metodologia do ensino universal”.

Essas questões deixam claro o quanto a busca do sentido inclusivo na formação não se alcança só com uma nova legislação, com novas definições; na verdade elas mobilizam a compreensão do quanto, todo e qualquer movimento de pesquisa, deva reconhecer, que historicamente a educação regular ou especial, sob o olhar hegemônico, sempre tomou como universal um perfil de normalidade, excluindo quem não pertencia a esse universo. E sob esse olhar, constituído dentro dos padrões da racionalidade científica, se firmou na formação de professor a compreensão das verdades absolutas, inflexíveis e inquestionáveis, o “determinismo escolar” como sintetiza Coimbra (2003, p. 201) evidenciando que,

esse determinismo, que traduz uma visão unilateral e reducionista acerca do conhecimento, reflete, sobretudo, a prevalecência do valor da homogeneidade sobre a singularidade; da uniformização sobre a pluralidade; da objetividade e do individualismo sobre a subjetividade e a intersubjetividade; do domínio cognitivo sobre o afetivo; do produto sobre o processo; da estabilidade e certeza sobre a instabilidade e a incerteza; da fragmentação sobre a visão de totalidade; da reprodução sobre a auto- organização.

Quero crer que seja visível o entendimento do quanto à formação na perspectiva da educação inclusiva, provoca na política de formação de professor, um momento de efervescência, de dúvidas, incertezas e, por que não apostar, de transitoriedade, como esclarece Miranda (1999, p. 14): “a Educação Especial, como todo produto da atividade humana, também traz as marcas do seu tempo: paradigmas contestados, certezas abaladas, verdades desacreditadas”. Verdadeiramente, é provável que em decorrência desse estado de transformação sejam gerados ou mantidos valores, idéias e/ou insegurança, a ponto de haver ainda profissionais que continuem discutindo a culpabilidade do professor, formas e estratégias de inclusão no ensino regular, como se a problemática da exclusão de si não existisse e não fosse fundante, para se pensar a autonomia no processo inclusivo em formação

de professor. No entanto, é verdade também que outros profissionais estejam se desafiando na produção do conhecimento sobre formação de professores, revelando inclusive, muitas inquietações transversalizadas pelo silenciar, pelo excluir-se, pela não compreensão de si, vivenciada no processo do incluir-se no conhecimento hegemônico.

O processo inclusivo precisa sim do abre alas da ciência à narrativa, e o conhecimento precisa ser sempre revisitado sem que seja, no entanto, tomado como absoluto, inflexível e inquestionável! É preciso sim, descobrir como fazer o reverso do movimento em