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3 ORQUESTRANDO A CIRANDA DO PROCESSO INCLUSIVO EM FORMAÇÃO DE PROFESSORES: CONCEITOS E TERMOS

3.1 O RESSOAR DO SILÊNCIO QUE SILENCIA

A linguagem metafórica de Manoel de Barros (2007, p. 15) ressoa como ecos que se propagam na multiplicidade de sentidos, impulsionando o desvelar do viver pulsante e singular em olhar a Educação Inclusiva fecundar-se na “poética da ciência”, que faça florescer o “delírio do verbo”, ouvindo, escutando e sentindo os diferentes nascimentos, num acontecer encharcado de significações, sem molduras nem formas que determinem o jeito certo do ressoar; o jeito certo de ser, de fazer, de viver, de pensar, de aprender, de falar e, na conjugação dessa multiplicidade, fazer realçar o tom da complexidade que abarca o sentido inclusivo da educação, enquanto uma experiência humana, uma práxis pedagógica aberta, onde fios do saber, do sentir, do conhecer, do viver, do fazer, entrelaçam-se num encontro fecundo de

possibilidades.

Nessa perspectiva, pensar o sentido inclusivo em formação de professor é visualizar o ser humano nas suas possibilidades, nos seus desejos, nas suas buscas, percebendo a deficiência como uma condição humana, que não define o ser na deficiência, mas define a especificidade da mediação fundante para eliminar barreiras. Pensar, pensando a pessoa com deficiência, enquanto pessoa na sua totalidade de ser pessoa. Nesse sentido, a condição da deficiência deve ser estudada, pesquisada, compreendida, respeitada e não confundida como

sendo “diferença”, esta requer ser compreendida como o movimento próprio que vai ao longo da história se fazendo, e cada um vai se revelando no seu jeito diferente de ser, tenha a pessoa, deficiência ou não.

Desse modo, pensar o sentido inclusivo em formação é pensar em processos de formação implicados numa perspectiva prospectiva do vir-a-ser, aberto às possibilidades do acontecer, sem previsibilidade dos limites do possível, nesse acontecimento; na perspectiva do olhar desafiante, na escuta de si e do outro, onde o surpreender-se e o surpreender seja a norma; que o imprevisível nutra o desejo do ir além, e que a incompletude, a incerteza do conhecimento e da vida, mobilize os professores a fazerem o verbo delirar e florescer “o desejo de ser além da reta ou curva um simples contorno que possa envolver a alma do ser humano” como poetisa Vasconcelos e Sales (2006, p.11). Acredito que seja o sentido humano de ser que, ao revelar de si, ao mostrar-se presente na sua presença, embeleze no seu jeito de ser, de pensar, de conhecer, de aprender, de dialogar; crie alma e dê evolução à harmonia dessa ciranda, aberta a todos, cirandar nutrindo o desejo de ir além da reta, do muro, da forma, dos limites que aprisionam e silenciam!

Para tanto, o sentido prospectivo do vir-a-ser em formação puxa da sua história e experiência o já vivido, o aprendido, o silenciado, o dito e o não dito, na perspectiva de que seja mobilizada e projetada a compreensão de si e do conhecimento em formação. Essa escuta de si fica justificada na consideração de que a formação não existe no vazio, e se constitui, constituindo a teia retratada na significação do modo de existir, de ser e se fazer em formação e na vida em formação. Os professores, enquanto fios dessa teia tecem e são tecidos na constituição das inquietações, dos silêncios, das mudanças, do aprisionamento, dos preconceitos, dos compassos e descompassos da legislação, implicados na tecedura histórica dos diferentes momentos da educação especial, que deram significação à formação de professores, entrelaçada nas diferentes concepções, as quais se definiam no olhar segregativo. Assim, o processo inclusivo em formação de professores é desafiador e precisa ser compreendido na teia desta constituição e do que ficou em cada professor e professora, sintetizado nos sentidos e significados, ditos e/ou não ditos, velados e/ou a desvelar. Concordo com Miranda (2008, p.02) e trago para esta ciranda o que ela contempla do que defende, a esse respeito Moita

Ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe troca, experiência, interações sociais, aprendizagem, um sem fim de relações. Ter acesso ao modo como cada pessoa se forma é ter em conta a singularidade da sua história e, sobretudo, o modo singular como age, reage e interage com os seus

contextos. Um percurso de vida é assim um percurso de formação, no sentido em que é um processo de formação.

Assim sendo, não posso pensar na perspectiva do processo inclusivo em formação contínua de professores numa teia, onde o conhecimento seja tecido e fundado numa lógica disjuntiva, excludente, limitando-se à objetividade linear do conhecimento e negando outras formas de fazer, de ser e de conhecimento. Insatisfação essa percebida, inclusive na fala de Nóvoa (2000, p. 18), “a atualização contemporânea das abordagens (auto) biográficas é fruto da insatisfação das ciências sociais em relação ao tipo de saber produzido e da necessidade de uma renovação dos modos de conhecimento científico”, razão pela qual tem sido criada uma grande efervescência na pesquisa-formação na busca de novas perspectivas de processos em formação.

Nessa perspectiva, sob os acordes da ética, abri esta ciranda à conjugação do verbo, num estado delirante, dando sonoridade ao esgarçar dos véus dos credos que encapsulam o “ser” na deficiência e o “pensar do professor” na compreensão das verdades absolutas, inflexíveis e inquestionáveis, as quais ainda ressoam no processo de formação, regular ou especial, silenciando e perfilando o professor, o especialista. Segundo Freire (1996, p.14), com um “ar de observador imparcial, objetivo, seguro dos fatos e dos acontecimentos”, sem ter consciência, como afirma o autor, de que “o erro na verdade não é ter um ponto de vista, mas absolutizá-lo e desconhecer que mesmo do acerto do seu ponto de vista é possível que a razão ética nem sempre esteja com ele”. Inclusive, porque a negação da ética está no conhecimento que por se absolutizar nega outras formas de conhecimento.

Assim, sintonizada com o tom harmônico próprio da ciranda, fui afinando a tecedura de novos processos, acordes, cores e tons dos conceitos, termos e formas de conhecimento a serem orquestrados nesta investigação. O primeiro acorde no esgarçar dos véus veio do ressoar da voz de Rousseau: “há alguma relação entre a ciência e a virtude? Contribuirá a ciência para diminuir o fosso crescente na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, o saber dizer e o saber fazer, entre a teoria e a prática?” Santos (2002, p.7-9) dando um tom agudo, fortalece esse acorde, questionando, como a ciência teima em desconsiderar o conhecimento que dá sentido a nossa vida vivida, nos convocando a perguntar “pelo papel de todo o conhecimento científico acumulado no enriquecimento ou no empobrecimento prático das nossas vidas, ou seja, pelo contributo positivo ou negativo da ciência para nossa felicidade”.

A ciranda silencia! E um entoar ressoa deste silêncio, dando o eco a minha reflexão a respeito do contributo da ciência que aprisiona o ser na deficiência, desconsiderando que “a ação humana não é apenas biologicamente determinada, mas se dá principalmente pela incorporação das experiências e conhecimentos produzidos e transmitidos de geração a geração” (ANDERY,1988, p.12). Que ganhos o estigma da deficiência trouxe para esse ser, que deixou de ser visto, enquanto ser humano, nas suas experiências e conhecimento, nas suas potencialidades e diferenças, para ser atendido, visto e educado, sob o olhar da deficiência? Sabendo que, na construção da sociedade humana o trabalho define o homem como uma espécie diferenciada, que papel a educação especial, sob o suporte epistemológico desta ciência, tem garantido a este ser, ao priorizar o acesso à significação do conhecimento, pela especificidade da deficiência? Este aprisionamento da pessoa com deficiência, na e pela deficiência, não legitima a lógica excludente do processo de ensino regular e, conseqüentemente, a lógica excludente do trabalho?

Aqui, uma escuta aos estudos de Vygotsky a respeito da compreensão do homem, se faz necessária, considerando que, na fala de Oliveira (1993, p.28), ele toma “o trabalho, como sendo o processo básico que vai marcar o homem como espécie diferenciada. É o trabalho que pela ação transformadora do homem sobre a natureza, une homem e natureza e cria a cultura e a história humana”. Em direção oposta, a formação de professor vem, historicamente, assistindo a ciência e a sociedade negarem à pessoa com deficiência sua condição de homem enquanto uma espécie diferenciada, uma vez que, ao ser excluída do trabalho, a pessoa com deficiência deixa de exercer a ação transformadora sobre si e sobre o mundo, ficando à margem da participação na construção da cultura e da história humana. No que pese à existência de uma legislação educacional que garante a educação para todos (Lei n° 9.394/96) e a chamada Lei das Cotas (Lei n° 8.213/91) que determina contratação de pessoas com deficiência, pelas empresas, na realidade o estado brasileiro parece ignorar o cumprimento dessas leis, que ele mesmo legitimou. Nesse sentido, discutindo sobre a política de educação inclusiva, Góes e Laplane (2004, p. 2) chama atenção para a disparidade entre as intenções e a prática de educação inclusiva, afirmando: “Por um lado, o sistema escolar alinha-se com a legislação internacional e com as posturas mais avançadas em relação aos direitos sociais, mas, por outro, sua ação é limitada no sentido de viabilizar concretamente políticas inclusivas.”

Será que a realidade brasileira, nutrida e nutrindo na educação e na cultura experiências, conhecimento e condições de trabalho, as quais deixem à margem a pessoa com deficiência

não contribuiu, ao longo da história da sociedade, para que a pessoa com deficiência fosse sendo considerada como um não homem, um não cidadão? Será que o contributo da ciência à educação, entrelaçada à psicologia, foi resgatar a sua condição de homem, com a denominação “especial”? E o contributo à sociedade seria ficar garantida às pessoas com deficiência, a negação do seu movimento próprio, dentro das suas condições, dos direitos humanos, dos seus direitos de cidadão? Aqui se torna fundante às reflexões de Skliar especificamente sobre o sentido da forma, de se entender e produzir, o especial, da educação, afirmando que,

Ou se tem falado de especial porque parte do princípio de que os sujeitos educativos – especiais, no sentido de deficientes –impõem uma restrição, um corte particular da educação, ou se tem falado de especial referindo-se ao fato de que as instituições escolares são particulares quanto a sua ideologia e arquitetura educativas- portanto, diferentes da educação geral – ou, finalmente, tem-se falado de especial como sinônimo de educação menor, irrelevante e incompleta no duplo sentido possível, isto é, fazendo menção ao menor e especial tanto do sujeito como das instituições.

Acredito que parte dessas respostas esteja nos acordes desafinados das Universidades Brasileiras, visto que ao priorizar na hegemonia do conhecimento, a racionalidade científica, essencialmente vem elegendo a objetivação, a padronização, a homogeneidade, a monologia, firmando a constituição de um pensar excludente, determinista que, historicamente mascarava sua omissão, desconsiderando o estudo sobre a (da) deficiência nos seus diferentes cursos de formação profissional. Essa omissão das IES na formação de professores, creio que tenha sido o terreno fecundo para o aligeiramento e imediatismo da praticidade dos cursos de educação especial, tendo em vista que, em decorrência dessa omissão, praticamente as Secretarias de Educação tiveram que oferecer cursos de atualização e aperfeiçoamento, para a atender às necessidades urgentes de professores capacitados na área, na rede estadual.

A verdade é que, após a instalação do Fórum das Universidades Brasileiras, em 1996, e as determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394 20 de dezembro de 1996), a discussão sobre a formação de professor veio ganhando espaço nas diversas IES e na sociedade, respaldada, inclusive pelo previsto no seu art. 59, inciso III, que assegura aos educandos com necessidades especiais “professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns” e no caput seu art.58, que esclarece: “Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos

portadores de necessidades especiais.”. A propositura da legislação na discussão da formação na educação inclusiva não deixou de ser um avanço, ao mesmo tempo em que deixa evidências da histórica dificuldade na superação da lógica homogeneizadora, separando, formando grupos aprisionados e nomeados pela linguagem segregativa.

Possivelmente essa dificuldade seja reflexo do paradoxo da ciência na modernidade, visível no descompasso retratado entre as possibilidades geradas pelo aprofundamento das pesquisas no conhecimento específico da deficiência e nos avanços das descobertas tecnológicas, favorecendo a pessoa com deficiência a acessibilidade à diversidade de possibilidades e, nesse reverso, sua contundente busca das marcas da anormalidade, consoante o que afirma Veiga-Neto (2001, p.107), fossem diagnosticadas “em cada corpo para que, depois, a cada corpo se atribua um lugar nas intricadas grades das classificações dos desvios, das patologias, das deficiências, das qualidades, das virtudes, dos vícios”. Nesse descompasso, a ciência teimando em desconsiderar o conhecimento que dá sentido à vida vivida, seguiu dando sustentação política e social, ao papel da educação na modernidade, que ensurdecida, não ouvia o sentido das palavras de Lispector (1991, p. 133): “eu reduzida a uma palavra? Porém qual palavra me representa?”.

No entanto, a educação especial, autorizada pela cientificidade, finalizava, classificando as pessoas com deficiência como: deficiente e/ou excepcional, e mascarando a força do sentido excludente, traz na discussão da inclusão o “portador” de necessidade especial ou da deficiência. Fazendo o verbo delirar, às avessas! Nesse movimento o conhecimento da Educação Especial por olhar a pessoa com deficiência, através da deficiência, não via a particularidade, a singularidade do ser e muitas capacidades, habilidades foram silenciadas pela palavra que lhe reduzia à “deficiência”. O desdobramento deste movimento na formação de professores não o desafiava a ir além da reta ou da curva como um contorno, omitindo desse modo o “ser” que pulsava em si e nos seus alunos.

A cumplicidade da significação do delírio as avessa fica compreendido no argumento de Gadotti (2004, p.311), “a escola moderna, uniformizadora, não foi capaz de construir o universal a partir do particular. Tentou inverter o processo, impondo valores e conteúdos, universais sem partir da prática social e cultural do aluno, sem levar em conta a sua identidade e diferença”. Por isso, o contributo para a formação de professor foi seguir, sendo e se fazendo num terreno fertilizador de um conhecimento, implicado num “não saber” lidar com aqueles que constroem de forma não padronizada, seus significados do mundo, das coisas e da vida!

3.2 DESFIANDO E FIANDO CONCEITOS, TERMOS, ACORDES E TONS