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2. EDUCAÇÃO INTEGRAL

2.3. A INFLUÊNCIA EXTERNA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA E A EDUCAÇÃO

2.3.1. Destaques legais da Educação Integral

A publicação da Constituição de 1988 deixa explícito, pela primeira vez na história do Brasil, que a educação é um direito social32. Para Oliveira (2007a), outros

dois pontos também merecem destaque: o Art. 205, que reafirma o dever do Estado em oferecer uma educação que busque o pleno desenvolvimento da pessoa e exercício da cidadania, afastando polêmicas, principalmente em relação ao ensino médio, sobre formar exclusivamente para o trabalho; e o Art. 206 que, ao prever igualdade de condições de acesso e permanência, toca em um ponto delicado, a exclusão que ocorre dentro da própria escola, seja por reprovações ou por progressão sem a garantia do aprendizado.

32 O quadro completo com a legislação sobre educação integral e os dispositivos específicos desta

Logo após a promulgação da Constituição Federal, a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente33 - ECA (regulamentando o artigo 22734 da CF)

traz um novo paradigma e concepção sobre crianças e adolescentes, afirmando, no Art. 3º que

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 1990).

E no Art. 4º o ECA aponta, novamente, que é dever do Poder Público e da sociedade, em geral, assegurar a efetivação dos direitos, entre os quais, a educação. Substituindo o antigo Código de Menores, que disciplinava legalmente a relação com os “menores” excluídos, o ECA trata de todas as crianças e adolescentes, mudando o enfoque: é um estatuto que tem a preocupação de “incluir”, de acordo com Oliveira (2007a).

A rapidez da expansão do sistema educacional, alcançando 97% de matrículas líquidas no ensino fundamental – crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos, no final dos anos 1990 (OLIVEIRA, 2007a), alinhada aos baixos investimentos e à falta de planejamento adequado para as políticas educacionais trouxeram críticas à educação pública, que passou a ser considerada ineficiente e de baixa qualidade. No entanto, de acordo com Cavaliere (2009) se a chegada das camadas populares foi um grande desafio às instituições, por outro lado, a grande demanda pela escola demonstrou um anseio da sociedade e uma expectativa da população em torno da aquisição do conhecimento, especialmente daqueles que não tiveram acesso em décadas anteriores.

A publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 1996 explicitou o direito à educação previsto na Constituição Federal de 1988, detalhando e elucidando diversos aspectos, especialmente em relação à educação integral e ao repasse de recursos. Em relação à educação integral, a utilização do termo em diferentes contextos permite inferir que a legislação entende “integral” tanto do ponto

33 Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990.

34 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao

jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

de vista da formação (“Art. 29 A educação infantil [...] tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança [...]”) como da ampliação do tempo de permanência na escola (“Art. 34 O ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral [...]”). O mesmo acontece nos Planos Nacionais de Educação35, que relacionam tanto a formação integral como a ampliação da

permanência na escola.

Os artigos 74 a 76 da LDB n.º 9.394/96 indicam que a União estabelecerá um padrão de qualidade na educação, baseado no cálculo do custo mínimo por aluno, cuja fonte de recursos seria resultante de uma ação supletiva e redistributiva da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A partir dessa premissa, foi criado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério — Fundef36 substituído, posteriormente, pelo Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb37, que também pode ser considerado como fator decisivo para as

políticas de educação em tempo integral, ao prever a destinação de mais recursos para os alunos desta modalidade de ensino. Apesar da importância dos Fundos em relação à redução das desigualdades educacionais entre os estados brasileiros, a legislação, em vez de partir do padrão de qualidade para verificar qual seria o custo do aluno, fez o caminho oposto, partindo do recurso disponível para definir o custo por aluno e colocando em risco a qualidade prevista, conforme salientou Oliveira (2007b). A Constituição Federal de 1988, embora destaque e aponte importância da educação pública, contempla os interesses dos setores confessionais e admite uma diferenciação entre as instituições privadas – com ou sem fins lucrativos, com direito

35 Lei n.º 10.172, de 9 de janeiro de 2001, revogada, e lei n.º 13.005, de 25 de junho de 2014, atualmente

em vigor.

36 O Fundef foi criado para garantir uma subvinculação dos recursos da educação para o Ensino

Fundamental, bem como para assegurar melhor distribuição desses recursos. Com este fundo de natureza contábil, cada Estado e cada município recebe o equivalente ao número de alunos matriculados na sua rede pública do Ensino Fundamental. Além disso, é definido um valor mínimo nacional por aluno/ano, diferenciado para os alunos de 1ª à 4ª série e para os da 5ª à 8ª série e Educação Especial Fundamental. Foi criado pela Emenda Constitucional n.º 14/96, regulamentado pela Lei n.º 9.424/96 e pelo Decreto n.º 2.264/97 e implantado automaticamente em janeiro de 1998 em todo o País. Fonte: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/prof.pdf. Acesso em 15 jun. 2018.

37 O Fundeb, instituído pela Emenda Constitucional n.º 53, de 19 de dezembro de 2006 e regulamentado

pela Medida Provisória n.º 339, de 28 de dezembro do mesmo ano, convertida na Lei n.º 11.494, de 20 de junho de 2007 e pelos Decretos n.º 6.253 e 6.278, de 13 e 29 de novembro de 2007, respectivamente, é um fundo, de natureza contábil e de âmbito estadual, formado com recursos provenientes de impostos e transferências dos Estados, além de uma complementação feita pelo governo federal. Fonte: https://www.fnde.gov.br/index.php/financiamento/fundeb/sobre-o-plano-ou- programa/sobre-o-fundeb. Acesso em 15 jun. 2018.

a receber recursos e financiamento públicos. (PIRES, 2013). A LDB n.º 9.394/96 complementa o Artigo 213 da Constituição Federal de 1988, que prevê isenção fiscal ou destinação de recursos públicos para as escolas que não tenham lucro em suas atividades (Art. 20, que define as escolas privadas comunitárias, confessionais e filantrópicas e o Art. 77, que regulamenta a distribuição de recursos públicos para essas instituições).

A possibilidade de efetivação da oferta da educação em tempo integral, em todo o Brasil, se concretiza a partir da criação do “Programa Mais Educação”, instituído pela Portaria Normativa Interministerial n.º 17. No mesmo dia, em 24 de abril de 2007 é publicado o Decreto n.º 6.094, que dispõe sobre a implementação do “Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação”, sendo regulamentado pelo Decreto n.º 7.083, de 2010. Para Gigante (2016, p. 10) a Educação integral se apresenta como um discurso de melhoria da qualidade da educação e, tanto “educação integral” como “qualidade” apresentam um esvaziamento de sentidos, por se constituírem por diferentes cadeias significativas em disputa, representando a “articulação de múltiplas e diferentes demandas, dependendo de sua contextualização”, as quais serão discutidas na terceira parte deste trabalho.

Para nortear a implementação do Programa Mais Educação o Governo Federal, a partir de 2006, elaborou e publicou uma série de documentos, contendo os princípios e fundamentos orientadores da construção do projeto político-pedagógico da escola, que passou a ter funções não propriamente educativas, mas de proteção, aprofundando a ideia de educação compensatória; da proposta curricular, a qual passou a assumir a pedagogia das competências, se afirmando como responsável apenas pela formação das novas gerações para a empregabilidade e não para a efetiva transformação da sociedade; e do modelo de gestão, com adoção da “visão sistêmica” de gestão, um modelo orientador dos processos de reengenharia de empresas privadas, mostrando a influência dos “negócios” na educação. (SILVA; SILVA, 2014).

Para suprir essas demandas e garantir a formação integral, o documento Educação integral coloca o Estado, através do Ministério da Educação como principal indutor da efetivação da política, atuando na elaboração dos pilares fundamentais que auxiliem as escolas no processo de implementação das políticas de educação integral. Ainda de acordo com o referido documento, o Poder Público deve participar na “[...] na orquestração das ações de diferentes áreas sociais em que cabe, ao Estado, o

planejamento, a coordenação da implementação, o monitoramento e a avaliação das ações pedagógicas [...]” (BRASIL, 2009, p. 43) realizadas tanto dentro quanto fora do espaço escolar.

A fim de garantir tais aspectos, o documento Educação integral afirma a necessidade de intensificação dos “[...] processos de territorialização das políticas sociais, articuladas a partir dos espaços escolares, por meio do diálogo intragovernamental e com as comunidades locais [...] (BRASIL, 2009, p. 9). Essa territorialização tem sido efetivada por meio dos Arranjos de Desenvolvimento da Educação, um novo tipo de cooperação federativa – horizontal, de acordo com Argollo e Motta (2015), que permite a participação de entes públicos e privados. Esse processo de regulamentação do regime de colaboração vem sendo apresentado como condição para o desenvolvimento da “suposta” qualidade de ensino na educação básica (ARGOLLO; MOTTA, 2015) e será detalhado adiante.

De acordo com Libâneo (2016) o conceito de territorialização tem sido usado em documentos governamentais e de agências internacionais como forma de redefinir o papel do Estado em sua articulação com a sociedade civil. A questão, novamente, é sobre a necessidade de redução do Estado e, ao mesmo tempo, sobre a melhoria da qualidade da educação pública.

A disputa entre esses dois argumentos tendeu a resolver-se no discursos de terceira via, por meio de uma acomodação entre a crítica do intervencionismo estatal e a adoção de políticas sociais focalizadas (por exemplo, nos mais pobres dentre os pobres), compensatórias, cheias de condicionalidades e crescentemente focadas no indivíduo ou na família. (BURITY, 2006, p. 43).

Ao possibilitar a participação de instituições da sociedade civil organizada na definição de políticas educacionais o Estado configura-se em um modelo de heterarquia e governança. Ball (2014) afirma que se trata de um processo de resolução de problemas que é compartilhado com um número maior de atores do que anteriormente, uma vez que os governos estão catalisando todos os setores – público, privado e voluntário formando uma rede de governança. Ao utilizar a governança em rede, o Estado perde poder em algumas áreas de atividade, enquanto ganha em outras.