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Governança filantrópica nas redes estaduais de ensino : a sociedade civil organizada e a política de educação integral

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Educação

CAROLINA MACHADO D´AVILA

GOVERNANÇA FILANTRÓPICA NAS REDES ESTADUAIS

DE ENSINO: A SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA E A

POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL

CAMPINAS 2020

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CAROLINA MACHADO D´AVILA

GOVERNANÇA FILANTRÓPICA NAS REDES ESTADUAIS

DE ENSINO: A SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA E A

POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientadora: Prof.ª Drª Debora Cristina Jeffrey

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE

DEFENDIDA PELA ALUNA CAROLINA MACHADO D´AVILA E ORIENTADA PELA PROFª. DRª. DEBORA CRISTINA JEFFREY

CAMPINAS 2020

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Educação

TESE DE DOUTORADO

GOVERNANÇA FILANTRÓPICA NAS REDES ESTADUAIS

DE ENSINO: A SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA E A

POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL

AUTORA: CAROLINA MACHADO D´AVILA

COMISSÃO JULGADORA

Prof.ª Drª Debora Cristina Jeffrey

Prof. Dr. Adolfo Ramos Lamar

Prof.ª Drª Alice Casimiro Lopes

Prof. Dr. Ivan Claudio Pereira Siqueira

Prof.ª Drª Maria Inês de Freitas Petrucci dos Santos Rosa

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Osmir e Virgínia, pela vida, pelo incentivo, pelos exemplos e, principalmente, à minha mãe, pelas conversas enriquecedoras nesta reta final e pedidos de ajuda nas planilhas das “entidades”, que muito contribuíram para a proposta e finalização desta pesquisa.

Ao meu esposo Eleusis, por me incentivar e me apoiar muito, pelos passeios de moto para relaxar, pela companhia e por entender minhas (muitas) ausências, choros e crises de stress.

À minha irmã Camila, pelo incentivo e torcida e ao Rafael, que juntos trouxeram a possibilidade de renovar as esperanças com a chegada da Lara, meu mais novo amor.

À minha orientadora, prof. Dr.ª Debora, pela orientação precisa, pela paciência, pelos passeios campineiros e cariocas, pelas risadas, pelas oportunidades de estágio docente, por acreditar mais em mim do que eu mesma e por toda ajuda e incentivo nestes últimos anos.

À Capes-Procad, através do edital 071/2013, pela possibilidade de intercâmbio em Santarém-PA, com os colegas da Ufopa, através dos professores Dr.ª Lilia Colares e Dr. Anselmo Colares, que me acolheram tão carinhosamente. E, claro, à Prof.ª Ms. Eli, prof. Dr. Albino, Estela e Clara, por me receberem tão bem, com um amor tão grande que jamais retribuirei à altura, e por me apresentarem um pouco da cultura e dos sabores desta terra tão linda. Voltarei!

À Asociación Universitaria Iberoamericana de Postgrado, pela concessão da bolsa e à prof.ª Dr.ª Dora Maria Ramos Fonseca, da Universidade de Aveiro, Portugal, pela acolhida, orientação, ensinamentos e dicas de passeios.

Às amigas e amigos do Gepale, pelo apoio e trabalho em conjunto, demonstrando o funcionamento de uma grande rede na prática e, especialmente, à Jaqueline,

Suelen, Claudiane e Mariane, pela ajuda no levantamento e pesquisas que embasaram muitos dados deste trabalho, e ao Robson, pelo incentivo e apoio, principalmente na defesa!

Aos professores do programa de pós-graduação em educação, pelas aulas e conversas de cantina que, literalmente, mudaram minha visão de mundo.

Às professoras Dr.ª Alice Casimiro Lopes, Dr.ª Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis e ao professor Dr. Antonio Olmedo, pela leitura atenta e carinho com que fizeram os apontamentos precisos na qualificação e à professora Dr.ª Theresa Adrião, pela supervisão do estágio docente e pelas tantas aulas, sugestões e incentivo. Aos meus amigos e amigas do IF, da dança, da vida, da família, pelo incentivo, apoio, conversas, ideias, cafés e vinhos que me tiraram uns momentos da caverna e salvaram alguns dias do isolamento que uma pesquisa traz.

Enfim, às forças superiores, que nos criaram e nos permitem este movimento constante de evolução.

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RESUMO

Neste trabalho fizemos uma análise dos discursos produzidos pelas instituições que representam a sociedade civil organizada, sua atuação em rede política – heterarquia e governança, na concepção e definição das políticas de educação integral, entre os anos de 2010 e 2017. Abordamos as influências políticas internas e externas, as parcerias público-privadas e as características que essas parcerias assumem. Considerando tais aspectos, o objetivo da pesquisa foi analisar os discursos produzidos pelas instituições filantrópicas, com ou sem fins lucrativos que se tornam hegemônicos na definição de políticas de educação integral, mediante a constituição de uma rede política que se articula neste processo. Inicialmente, nos baseamos na metodologia das redes políticas propostas por Jessop (2003, 2016), Ball (2014) e Olmedo (2013, 2016), destacando o Gife - Grupo de Institutos Fundações e Empresas como elemento articulador e indutor de discursos e práticas entre essas instituições. A fim de analisar tais discursos, em especial aqueles relacionados à qualidade da educação integral e pública, utilizou-se a teoria do discurso de Laclau e Mouffe (2015). Entendendo o processo de produção do texto político enquanto um processo dinâmico e marcado por contínuas disputas de significados, buscamos, nos textos selecionados, os significantes privilegiados, seus pontos de articulação e a disputa por significados nas cadeias de significantes, através de uma interpretação empírica dos textos analisados, de forma a identificar os significantes que possibilitaram que a educação integral se tornasse um ponto nodal neste início de século. Percebemos, nesta busca, que os textos produzidos pelas instituições filantrópicas apresentam significados diversos justificar a educação integral, os quais se alteram de acordo com o momento político por que passa o Brasil ao longo dos anos de efetivação da política desta modalidade de ensino.

Palavras-chave: Educação integral. Governança filantrópica. Filantrocapitalismo.

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ABSTRACT

In this research, we made an analysis of the speeches produced by the institutions that represent organized civil society and their performance in the policy network - heterarchy and governance, in the conception and definition of integral education policies, between 2010 and 2017. We analyzed both internal and external political influences, public-private partnerships and the characteristics they assume. Considering these aspects, the objective of the research was to analyze the speeches produced by philanthropic institutions, profit or non-profit, which become hegemonic in the definition of integral education policies, through the constitution of a political network that is articulated in this process. Initially, we have based the research on the methodology of political networks proposed by Jessop (2003, 2016), Ball (2014) and Olmedo (2013, 2016), highlighting Gife - Group of Institutes Foundations and Companies as an articulating element and inducer of discourses and practices among these institutions. In order to analyze such speeches, especially those related to the quality of integral and public education, the theory of speech by Laclau and Mouffe (2015) was used. Understanding the political text production process as a dynamic process marked by continuous disputes of meanings, we searched, in the selected texts, the privileged signifiers, their points of articulation and the dispute for meanings in the chains of signifiers, through an empirical interpretation of the analyzed texts, in order to identify the signifiers that enabled integral education to become a nodal point at the beginning of this century. We noticed, in this search, that the texts produced by philanthropic institutions have different meanings to justify integral education, which change according to the political moment that Brazil is going through over the years of the effectiveness of the policy of this type of teaching.

Keywords: Integral education. Philanthropic governance. Philanthrocapitalism. Policy

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – reportagem do Jornal Folha de São Paulo, destacando o crescimento do

número de instituições sem fins lucrativos no Brasil em 2008 ... 78

Figura 2 – matéria sobre filantropia e investimento de impacto no Brasil ... 79

Figura 3 – matéria sobre a importância do terceiro setor ... 83

Figura 4 – campanha de sustentabilidade da Natura ... 84

Figura 5 – matéria sobre atuação do terceiro setor na educação ... 94

Figura 6 – matéria publicada pela folha de São Paulo ... 95

Figura 7 – notícia sobre a implementação da educação integral na Secretaria de Estado de Educação de PE ... 102

Figura 8 – matéria sobre atuação de empresas na área da educação ... 105

Figura 9 – rede de atuação das instituições junto às secretarias estaduais de educação em 2017 ... 108

Figura 10 – matéria sobre a qualidade da educação ... 110

Figura 11 – matéria sobre educação integral como forma de melhorar a qualidade da educação ... 115

Figura 12 – matéria sobre a importância da educação integral para as famílias .... 117

Figura 13 – matéria sobre o efeito cascata promovido pela educação integral ... 122

Figura 14 – matéria destacando a importância da educação integral para o desenvolvimento econômico ... 126

Figura 15 – trechos da entrevista com a diretora de educação do Banco Mundial . 131 Figura 16 – matéria sobre o Gestão em Foco ... 136

Figura 17 – matéria da presidente do Instituto Ayrton Senna ... 139

Figura 18 – matéria sobre cortes de verbas para a educação integral ... 143

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - levantamento das pesquisas realizadas sobre educação integral. ... 20 Quadro 2 – marco legal das Organizações Sociais e parcerias público-privadas ... 62 Quadro 3 – distribuição dos associados Gife por perfil e área de atuação. ... 90 Quadro 4 – instituições filantrópicas que atuavam nas secretarias estaduais de educação em 2017... 97 Quadro 5 – distribuição das instituições filantrópicas que atuavam junto às Secretarias estaduais de educação em 2017, separadas por regiões administrativas. ... 98 Quadro 6 – principais documentos utilizados nesta seção, publicados pelo Gife entre 1999 e 2009 e os destaques sobre as cadeias discursivas em disputa ... 113 Quadro 7 – significantes em disputa identificados nesta seção ... 118 Quadro 8 – principais documentos utilizados nesta seção, publicados pelo Gife entre 2010 e 2013 e os destaques sobre as cadeias discursivas em disputa ... 119 Quadro 9 – significante em disputa identificado nesta seção ... 127 Quadro 10 – principais documentos utilizados nesta seção, publicados pelo Gife entre 2013 e 2016 e os destaques sobre as cadeias discursivas em disputa ... 127 Quadro 11 – significantes em disputa identificados nesta seção ... 136 Quadro 12 – principais documentos utilizados nesta seção, publicados pelo Gife entre 2013 e 2017 e os destaques sobre as cadeias discursivas em disputa ... 137 Quadro 13 – significante em disputa identificado nesta seção ... 142

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – número total de matrículas no ensino médio, no Brasil ... 15

Gráfico 2 – evolução do percentual de matrículas em tempo integral no ensino médio entre 2010 e 2017 ... 16

Gráfico 4 – evolução do número de instituições sem fins lucrativos no Brasil ... 77

Gráfico 5 – volume de recursos investidos pelos associados ... 87

Gráfico 6 – fonte de recursos ... 88

Gráfico 7 – distribuição por área de atuação dos associados Gife ... 90

Gráfico 8 – ações desenvolvidas pelos associados Gife ... 91

Gráfico 9 – estratégias mais utilizadas pelas instituições associadas ... 91

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – distribuição, por Estado, das instituições filantrópicas que atuavam junto às Secretarias Estaduais de Educação no ano de 2017 ... 99

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABONG Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais

ADE Arranjos de Desenvolvimento da Educação

AEE Atendimento Educacional Especializado

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BNCC Base Nacional Comum Curricular

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEB Câmara de Educação Básica

CEBAS Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social

CF Constituição Federal

CIEP Centros Integrados de Educação Pública

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social

CNE Conselho Nacional de Educação

CNSS Conselho Nacional de Serviço Social

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério

GEPALE Grupo de Estudos e Pesquisas em Política e Avaliação Educacional

GIFE Grupo de Institutos, Fundações e Empresas

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IDIS Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social.

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

ISP Investimento Social Privado

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

ONG Organização Não-Governamental

OS Organização Social

OSC Organização da Sociedade Civil

OSCIP Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público

PDE Plano de Desenvolvimento da Educação

PDRAE Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado

PIB Produto Interno Bruto

PNE Plano Nacional de Educação

UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a

Cultura, o Banco Mundial

UNESP Universidade Estadual Paulista

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas UNISINOS Universidade do Vale do Rio dos Sinos USP Universidade de São Paulo

(13)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 15

1.1. PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO ... 20

2. EDUCAÇÃO INTEGRAL ... 35

2.1. CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO INTEGRAL NOS IDEAIS ANARQUISTA, SOCIALISTA E LIBERAL ... 36

2.2. O MANIFESTO DE 1932 E O INÍCIO DA EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL ... 38

2.3. A INFLUÊNCIA EXTERNA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA E A EDUCAÇÃO INTEGRAL ... 43

2.3.1. Destaques legais da Educação Integral ... 47

3. HETERARQUIA E GOVERNANÇA ... 52

3.1. GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO ... 55

3.2. ASSOCIAÇÃO, FUNDAÇÃO OU INSTITUTO? DEFINIÇÕES LEGAIS ... 59

3.3. PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS E ARRANJOS DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO ... 61

4. FILANTROCAPITALISMO E SUA INFLUÊNCIA NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL BRASILEIRA ... 70

4.1. TERCEIRO SETOR ... 71

4.2. A ROUPA NOVA DO TERCEIRO SETOR: O FILANTROCAPITALISMO ... 75

4.3. DE FILANTROPIA A INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO: O PAPEL DO GIFE ... 84

4.3.1. O investimento social privado ... 84

4.3.2. O Gife ... 86

4.4. GOVERNANÇA FILANTRÓPICA NAS REDES ESTADUAIS DE ENSINO ... 93

5. REDES POLÍTICAS E A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO DA QUALIDADE NA EDUCAÇÃO ... 101

5.1. A REDE GIFE E A EDUCAÇÃO INTEGRAL EM ESTADOS BRASILEIROS .... ... 108

5.2. QUALIDADE DA EDUCAÇÃO ... 110

5.2.1. Qualidade da educação através da ampliação do tempo de permanência na escola e formação social – da LDB ao Programa Mais Educação... 113

(14)

5.2.2. Qualidade da educação e educação integral em territórios educativos – o Programa Mais Educação ... 119 5.2.3. (Falta de) Qualidade da educação e a necessidade de capacitação dos gestores públicos ... 127 5.2.4. Educação integral para melhores resultados nas avaliações – o Programa Novo Mais Educação ... 137 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 144 BIBLIOGRAFIA ... 148 Anexo I – RELAÇÃO DE DOCUMENTOS PESQUISADOS NA BIBLIOTECA VIRTUAL SINAPSE ... 173 Anexo II – DESTAQUES LEGAIS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL ... 178 Anexo III – DESTAQUES DA MÍDIA ... 187

(15)

1. INTRODUÇÃO

A necessidade de implementar um modelo de educação integral nas escolas aparece em documentos legais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação1 e os Planos Nacional de Educação 2001-20112, e 2014-20243, embora não

seja um projeto recente — já mencionado no Manifesto dos Pioneiros da Educação em 1932 (BUARQUE, 2014; MOLL, LEITE, 2015).

Adotando como recorte temporal deste trabalho o período entre 2010 e 2017, anos de execução do Programa Mais Educação, verificamos, no gráfico 1, que a matrícula de alunos em cursos de jornada ampliada aumentou significativamente, apesar da diminuição do número de matrículas nesta etapa escolar como um todo, fato que pode ser verificado no gráfico 2.

Gráfico 1 – número total de matrículas no ensino médio, no Brasil

Fonte: Instituto nacional de estudos e pesquisas educacionais Anísio Teixeira (2010; 2011; 2012; 2013;

2014; 2015; 2016; 2017). Elaborado pela autora.

1 Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: [...] III.

atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para o turno parcial e de 7 (sete) horas para a jornada integral; Art. 34 A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola. §2º O ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino.

2 Lei n.º 10.172/2001. Meta 21. Ampliar, progressivamente a jornada escolar visando expandir a escola

de tempo integral, que abranja um período de pelo menos sete horas diárias, com previsão de professores e funcionários em número suficiente.

3 Lei 13.005/2014. Meta 6: oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por

cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica.

7.600.000 7.700.000 7.800.000 7.900.000 8.000.000 8.100.000 8.200.000 8.300.000 8.400.000 8.500.000 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

(16)

Gráfico 2 – evolução do percentual de matrículas em tempo integral no ensino médio entre 2010 e

2017

Fonte: Instituto... (2010; 2011; 2012; 2013; 2014; 2015; 2016; 2017). Elaborado pela autora.

Para garantir a oferta da educação integral, Secretarias Estaduais e Municipais de educação têm recorrido às parcerias público-privadas com instituições filantrópicas com ou sem fins lucrativos, o que Olmedo (2013; 2016) e Ball (2014) denominam por governança filantrópica.

Ao observar a formação da rede de governança filantrópica, nos questionamos: quais são os discursos a respeito de educação integral produzidos pelas instituições que representam a sociedade civil organizada e de que forma eles influenciam a política desta modalidade de ensino nas redes estaduais de educação do Brasil?

Assim, o objetivo da presente pesquisa é analisar os textos produzidos pelas instituições filantrópicas com ou sem fins lucrativos, que se tornam hegemônicos na definição das políticas de educação integral, no âmbito das Secretarias Estaduais de Educação, através da rede política constituída. Para tanto, temos como objetivos específicos caracterizar as pessoas jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos e seus discursos, através de textos institucionais e publicação em seus respectivos portais, analisando se as propostas das instituições para a educação atendem ao princípio do direito à educação, previsto do Art. 205 da Constituição Federal de 1988, especificamente no que tange ao desenvolvimento pleno da pessoa e a preparação para o exercício da cidadania.

0 100.000 200.000 300.000 400.000 500.000 600.000 700.000 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Número de matrículas em tempo integral - total

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No Brasil, as reformas neoliberais realizadas ao final da década de 1990 e início dos anos 2000 apresentaram impactos efetivos na educação, tais como: a descentralização, a autonomia escolar e a gestão democrática na escola. No entanto, em vez de representarem um avanço e definirem o caráter democrático das instituições, trazem um viés de desresponsabilização do Estado em relação à efetivação das políticas públicas. (ADRIÃO; PERONI, 2009).

Ainda nessa onda neoliberal Adrião e Peroni (2009) afirmam que duas tendências de gestão se tornam alternativas ao Estado burocrático, considerado lento e ineficiente. Por um lado, o Estado deixa de ser executor e se torna financiador e avaliador das políticas públicas sociais, que passam a ser executadas por organizações privadas, “[...] o que tem sido identificado como a propriedade pública não-estatal.” (ADRIÃO; PERONI, 2009, p. 109).

De outro lado, apesar dos serviços continuarem, oficialmente, como públicos, sua gestão incorpora a lógica do mercado, ou “quase-mercado”. Para Souza e Oliveira (2003, p. 876) a noção de “quase-mercado” tanto do ponto de vista conceitual como operativo aparece como uma alternativa para superar a dicotomia entre a gestão pública “[...] ‘estatal-centralizada-burocrática-ineficiente’ de um lado, ‘mercado-concorrencial-perfeito’ de outro”, ou seja, as instituições públicas incorporam aspectos do mercado como competitividade, redução de custos, metas, como ações supostamente indutoras de melhoria dos serviços oferecidos.

Apesar dos serviços continuarem, oficialmente, como públicos, sua gestão incorpora a lógica da regulação, a qual, para Barroso (2005) tem como característica a flexibilidade na definição dos processos e a rigidez na avaliação dos resultados. Ainda de acordo com o autor, o termo aparece como uma forma de reforçar a imagem de um Estado menos prescritivo e regulamentador, baseado não só na definição de normas, mas preocupado com os resultados, sendo entendida como o processo constitutivo de um sistema, cujo objetivo é não só assegurar o equilíbrio e a coerência, mas também sua transformação. Portanto, regulação não é só a produção de normas, mas o (re)ajustamento das ações dos atores (BARROSO, 2005).

Em países que adotaram políticas sociais e econômicas de características neoliberais, na análise de Barroso (2005) essa oposição entre regulação/desregulação

[...] não é uma simples alteração dos modos de regulação pelo Estado, mas a substituição parcial da regulação estatal por uma regulação de iniciativa

(18)

privada [...] Neste sentido, a “regulação” (entendida como a intervenção das autoridades governamentais na prestação de um serviço público) é vista como um “movimento” oposto à “privatização” (entendida como a transferência para autoridades não-governamentais, com fins ou sem fins lucrativos, do controlo e prestação desses mesmos serviços). (BARROSO, 2005, p. 732-733).

A influência das instituições filantrópicas — geralmente ligadas a grandes empresas, muda o paradigma da relação entre governo e sociedade civil, uma vez que as concepções de formação de professores, currículo e formas de gestão, entre outros, passam a ser direcionadas pelas ideias produzidas e disseminadas por este grupo. Para Olmedo (2016) esse modelo de gestão educacional confere uma nova atribuição aos profissionais da educação, a de empreendedor social, responsável pelo sucesso da escola4.

No Brasil, de acordo com informações do Grupo de Institutos Fundações e Empresas – Gife, em censo próprio publicado em 20165, 31% dos associados

trabalham com “produção de conhecimento para auxiliar a elaboração de políticas ou a gestão pública”; 41% promovem o “desenvolvimento de metodologias e tecnologias sociais com o objetivo de serem incorporadas às políticas públicas”; e 25% promovem a “articulação e mobilização de atores para elaboração, execução e monitoramento de políticas públicas” (SAEZ; SANTIAGO; ZACCHI, 2017, p. 206), dentre outras ações, as quais serão apresentadas e analisadas nas seções seguintes.

Diante de tais aspectos, esta pesquisa justifica-se pela presença não somente pelo aumento considerável de instituições não governamentais, com ou sem fins lucrativos, em arenas de definição política como saúde, assistência social e educação, mas pela mudança na maneira como essa atuação se faz presente, caracterizando o que Ball e Olmedo (2011) denominaram de governança filantrópica. A governança filantrópica, conceito apresentado por Ball e Olmedo (2011), refere-se à forma como as ações de instituições filantrópicas têm atuado para induzir

4 Como exemplos pode-se citar a “Avaliação 360º” implementada pela Secretaria de Educação do

Estado de São Paulo, a qual prevê a avaliação de desempenho de professores e gestores das escolas que participam do projeto de Educação Integral. Esta avaliação é “[...] é, a exemplo das empresas privadas, focalizada em competências observadas, via comportamento dos profissionais no cotidiano do seu trabalho, por meio da construção de um mapa de competências. Ou seja, tal medida explicita haver uma permanente acompanhamento e análise de condutas que extrapolam o conhecimento acadêmico [...]” (VENCO; MATTOS, 2019, p. 381), implicando, inclusive, em desligamento da equipe da escola em caso de resultados diferentes do esperado.

5 O Censo Gife é uma “pesquisa bienal quantitativa, autodeclaratória e voluntária” que o Gife propões,

de forma a verificar os recursos, as formas e estratégias de atuação de seus associados. (GIFE, 2020, s/p).

(19)

novos significados, exercer pressão ou mesmo direcionar políticas e está cada vez mais presente na sociedade atual, apoiada, principalmente, na crítica ao estado burocrático e na lentidão do serviço público. Nesse contexto, com a justificativa de agilizar o atendimento ao cidadão e melhorar a qualidade dos serviços oferecidos, o Estado transfere alguns de seus serviços para entidades não governamentais. Para Jessop (2003) a importância das pesquisas sobre governança se deve ao aumento dos questionamentos sobre os “fracassos” dos Estado, além do acelerado processo de globalização.

Para Ball et al. (2013, p. 12) o neoliberalismo, entendido como um “[...] conjunto de noções e práticas de governança que estendem o modelo das relações de mercado para áreas anteriormente reguladas por outras racionalidades” torna a escola, principalmente, um espaço bastante suscetível e permeável a medidas baseadas em resultados, autoresponsabilização e um “novo individualismo”.

Instituições privadas com ou sem fins lucrativos e, principalmente, aquelas vinculadas a grandes empresas têm influenciado nas políticas de educação integral desenvolvidas pelas secretarias estaduais de educação e, em alguns casos, de forma não oficializada. Algumas instituições atuam através de organizações parceiras, não sendo possível identificar, em uma análise mais superficial quem, de fato, está definindo as propostas da educação integral, formando uma rede política de apoio aos governos, influenciando a elaboração e implementação de políticas.

Em levantamento de pesquisas já realizadas sobre governança filantrópica, filantropia, terceiro setor e governança feito nos portais “www.ibict.br”, “catalogodeteses.capes.gov.br”, nos repositórios digitais dos cursos de pós-graduação em educação avaliados com conceito 7 da Capes: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), além das estaduais paulistas: Universidade de São Paulo (Usp), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Estadual Paulista (Unesp) com os termos: “governança filantrópica”, “filantropia”, “terceiro setor” e “governança”, foram encontrados os seguintes resultados:

(20)

Quadro 1 - levantamento das pesquisas realizadas sobre educação integral. Termos

pesquisados

Governança

filantrópica Filantropia Terceiro setor Governança

Instituições Total* Filtro** Total Filtro Total Filtro Total Filtro

Capes 0 0 278 d. 76 t. 18 d. 6 t. 1188 d. 271 t. 77 d. 25 t. 4497 d. 1745 t. 66 d. 41 t. UFMG*** 0 0 6 **** 26 **** 91 **** UERJ*** 0 0 6 **** 12 **** 66 **** Unisinos*** 0 0 7 1 21 0 172 1 Unicamp 0 0 2 d. 6 t. 0 d. 2 t. 21 d. 18 t. 12 d. 5 t. 39 d. 62 t. 3 d. 2 t. Usp 0 0 9 d. 7 t. 0 d. 1 t. 64 d. 32 t. 4 d. 2 t. 237 d. 208 t. 2 d. 3 t. Unesp 0 0 393 d. 228 t. 23 d. 23 t. 17646 d. 9482 t. 598 d. 238 t. 911 d. 514 t. 77 d. 87 t. * Total de ocorrências

** Com aplicação do filtro por área de conhecimento “educação”. *** Dados unificados para teses e dissertações

**** Não foi possível aplicar o filtro

Fonte: sites das universidades, Capes e IBiCT. Elaborado pela autora.

Neste levantamento, quando selecionadas as áreas de educação ou ciências sociais, a grande maioria dos trabalhos encontrados refere-se a políticas de educação integral no âmbito de Secretarias Municipais de Educação modalidades como inclusão ou ensino técnico. Desta forma, pretendemos, com esta pesquisa, colaborar com a área de estudos de política pública, através da análise das redes que atuam junto às Secretarias Estaduais de Educação, na produção de discursos que influenciam na formulação das políticas de educação integral.

1.1. PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO

Em um contexto político de desafios à educação pública, buscamos compreender os discursos produzidos pelas instituições filantrópicas, que se tornaram hegemônicos nas políticas de educação integral em estados brasileiros.

Embora o termo política seja mais comumente utilizado para referir-se às práticas e ações definidas pelo o Estado, conforme assinala Colebatch (2009) há uma influência considerável dos “policy-makers” (fazedores de políticas, em tradução

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literal), quais sejam: pessoas, grupos de interesses, instituições, organizações, entre outros, que atuam direta ou indiretamente na indução de definição de políticas, direcionando a ação do Estado.

Uma característica deste modelo de governança é que as networks (redes), ou “reunião amorfa de atores6” passam a dominar a política pública no lugar das

instâncias formais de governo. (PETERS; PIERRE, 1998, p. 225, tradução minha). Jessop (2003), Ball e Olmedo (2011) e Ball (2014) identificam essa nova forma de governança em rede, com a participação crescente de empresas, “empreendedores sociais” e instituições filantrópicas como heterarquia ou governança filantrópica.

Para Olmedo (2013) as redes políticas devem ser analisadas tanto em relação ao que acontece no estabelecimento dos elos como na interrelação destas. Por isso, a metodologia de análise de redes, segundo Olmedo (2013), pode ser definida como: a) uma técnica de análise com a finalidade de olhar a estrutura das comunidades políticas e como elas se relacionam entre si e; b) um conceito para representar as rápidas mudanças que acontecem na governança.

No entendimento de Ball (2014) a metodologia de pesquisa em rede surge em um momento em que se percebe a diminuição do interesse de pesquisas em estruturas sociais e a crescente ênfase nos fluxos e mobilidades das políticas, sendo parte um amplo conjunto de mudanças epistemológicas e ontológicas na ciência política e sociologia.

Redes políticas são um tipo de “social” novo, envolvendo tipos específicos de relações sociais, de fluxos e de movimentos. Elas constituem comunidades de políticas, geralmente baseadas em concepções compartilhadas de problemas sociais e suas soluções. [...] Por meio delas é dado espaço a novas vozes dentro do discurso da política. Novas narrativas sobre o que conta como uma “boa” política são articuladas e validadas. [...] As pessoas movem-se por tais comunidades e dentro delas, e há novos tipos de carreiras em política e governança que podem ser construídas [...]. (BALL, 2014, p. 29).

Ainda de acordo com Ball (2014, p. 28) a rede tornou-se um dispositivo analítico chave nesta reorientação das estruturas sociais, dando a possibilidade de se analisar alguma durabilidade nas novas formas “distantes e fugazes de interação social [de] sistemas circulatórios [globais] que conectam e interpenetram o local.” Ainda de acordo com Ball (2014) a participação dos atores é multifacetada e as formas

6 “amorphous collections of actors”. No desenvolvimento da pesquisa, optei por deixar a tradução no

corpo do texto e colocar o original em nota de rodapé, para que o leitor ou a leitora possa ter acesso ao trecho original.

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de relacionamento são diferenciadas. Portanto, a metodologia de rede deve identificar os atores nas redes, seus poderes, sua capacidade e a forma pela qual exercem seu poder.

O termo rede, nesse caso, pode ser entendido com duplo sentido, de acordo com Olmedo (2013): como uma técnica de análise para caracterizar a estrutura e as relações das comunidades políticas ou como um “dispositivo conceitual” para representar o conjunto de mudanças na forma de conduzir a educação.

Segundo Mizruchi (2006, p. 73) a análise de redes é um tipo de sociologia estrutural que se baseia em uma noção clara dos efeitos das relações sociais sobre o comportamento individual e grupal. Para o autor, “o princípio básico da análise de redes é que a estrutura das relações sociais determina o conteúdo dessas relações.” A discussão sugere que a análise de redes é promissora no que se refere ao tratamento das questões de cultura e comportamento humanos que não se encaixam na sociologia estrutural.

A análise de redes também pode ser entendida como a representação “real” das mudanças nas formas de governança em educação, tanto global como localmente. (BALL, 2014). Essas redes de políticas globais formariam um conjunto de “dominação, exploração e poder” (OLMEDO, 2013, p. 489), mostrando como a elite é hegemônica no mundo atual. O autor afirma que as elites influenciam os governos devido ao consumo que elas geram e o espaço que ocupam, especialmente na filantropia. Mantendo contatos de maneira física ou virtual, com estreitamento de laços em seminários, simpósios, conferências, enfim, patrocinados pelas próprias entidades filantrópicas a que elas pertencem, estendem os ramos, laços e ações da rede em nível mundial, (BALL, 2014), principalmente através da produção e disseminação de discursos que poderiam influenciar outras pessoas e instituições.

A esse respeito, Laclau e Mouffe (2015, p. 223, grifos no original) consideram que o “[...] ponto importante é que toda forma de poder é construída de uma maneira pragmática e internamente ao social, através das lógicas opostas da equivalência e da diferença; o poder nunca é fundacional.”

Olmedo (2013) afirma que essas novas formas de governabilidade têm fortes características políticas e econômicas do neoliberalismo. Jessop (1998) afirma que a expansão das redes acontece em detrimento de mercados e hierarquias. “[...] É importante que nós não subestimemos os poderes do Estado, mas é também importante, no abstrato, não superestimá-lo, nem tratar o Estado como um todo

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indiferenciado.” (BALL, 2014, p. 31). O que acontece é um deslocamento do centro de gravidade do ciclo de políticas, ou seja, as diferentes fases do ciclo de política passam a ser influenciadas de várias maneiras por setores da sociedade civil, alterando seu fluxo. (JESSOP, 1998).

Para Jessop (2016) definir e caracterizar governança é um processo difícil, entendendo-a como uma maneira de coordenar relações sociais, num contexto amplo, não apenas econômico, que envolve a sociedade em geral, caracterizada por interdependência complexa e recíproca. Uma das formas de organização da governança é a heterarquia, que o autor chama de “auto-organização reflexiva” e envolve solidariedade e trabalho de negociação constante, através da formação de redes de governança. Marsh e Smith (2000, p. 6, tradução minha) afirmam que a governança em rede é a “[...] institucionalização das relações de poder dentro da rede e entre ela o contexto político e socioeconômico mais amplo [...].7

Para Ball (2014) embora o termo governança em rede seja usado de forma variada, pode se referir também às respostas para problemas sociais de maneira gerencialista. Ainda segundo o autor, trata-se de um processo de resolução de problemas que é compartilhado com um número maior de atores do que anteriormente, em que os governos catalisam todos os setores – público, privado e voluntário para solucionar seus problemas.

O Estado, portanto, ao permitir a participação de setores privados na definição das políticas para a educação, passa a “governar à distância”, sendo financiador e avaliador das políticas públicas, incentivando a gestão tipicamente inspirada no modelo empresarial, mantendo diálogo constante e criando alianças entre os políticos e os atores de diferentes áreas, de acordo com Olmedo (2013). Organizações locais, regionais e nacionais, de diferentes áreas de atuação, com ou sem fins lucrativos, se unem, com vistas à execução de um projeto neoliberal compartilhado, apresentando novas formas de abordar os problemas sociais, nas quais “[...] as fronteiras entre governo e estado, públicas e privadas, processos e resultados, riqueza comum e lucro individual, beneficência e benefícios, são feitas cada vez mais indistinguíveis.” (OLMEDO, 2013, p. 479).

7“[...] the institutionalization of power relations both within the network and within the broader

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Enquanto alguns autores8 afirmam que a governança em rede tem sido

uma forma mais democrática de governar, outros9 acreditam que, ao contrário, ela cria

um “déficit democrático”, na medida em que os processos da política e da governança se confundem. (BALL, 2014).

[...] Ou seja, não só as redes políticas desfocam as fronteiras entre Estado e sociedade, mas elas também expõem o processo de elaboração de políticas a jogos de poder particularistas. O “território de influência” [...] sobre política é expandido e, ao mesmo tempo, os espaços de política são diversificados e dissociados. Como resultado, enquanto esses novos locais dentro dos contextos de influência e de produção de texto (BALL, 1994) proliferam, há um aumento concomitante na opacidade da elaboração de políticas. Dentro de seu funcionamento, não está claro o que pode ser dito a quem, onde, com que efeito e em troca de que. [...] Política está sendo privatizada em vários sentidos.” (BALL, 2014, p. 32).

Uma das críticas em relação ao uso de redes de influência é que elas sempre existiram, mesmo informalmente, e sua construção pode induzir os resultados da pesquisa. Outra crítica é em relação à dificuldade em mapear as relações de poder, sem conseguir distinguir a distribuição ou força do poder entre os membros e, finalmente, sobre o risco em se fazer análises planificadas, no sentido de não reconhecer as resistências locais em relação às influências externas. (BALL, 2014).

Aqui cabe ressaltar que concordamos com Corazza (2007, p. 13) quando afirma que “o conhecimento pós-moderno não é mais disciplinar, e sim temático – onde os temas funcionam como galerias, por onde transitam os saberes.” Desta forma, procuramos desenvolver uma pesquisa em que o percurso teórico-metodológico é o de “alquimia”, na qual

se aproveitam quaisquer campos discursivos que forem necessários para produzir o conhecimento exigido por um projeto particular de investigação. Este “aproveitar” não possui qualquer sentido espúrio, escusamente utilitarista, pois a significação que se lhe dá é aquela de tratar os conhecimentos como ferramentas que, colocados na caixa de teorias das últimas décadas (como o marxismo, os estudos feministas, a psicanálise, a filosofia contemporânea, o pós-estruturalismo, pós-modernismo, etc.) estão disponíveis para quem souber e puder usá-los. (CORAZZA, 2007, p. 13).

Assim, a construção e a representação da rede trazem algumas questões também sobre que tipos de trocas elas representam, qual a força dessas ligações e sentido do fluxo, como essas relações mudam ao longo do tempo. E essas relações passam pelo contexto de produção de texto, sendo, de acordo com Dias, Abreu e

8 Kooimaa (1993); Pierre (2000), Pierre; Peters (2000), Rhodes,1997 apud Ball (2014). 9 Goodwin (2009); Newman, 2001 apud Ball (2014).

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Lopes (s/d, p. 3) “[...] processos de negociação complexos, uma vez que os sujeitos e os contextos influenciam e são influenciados por discursos circulantes, causando uma interdependência delicada.”

Especificamente em relação à educação integral verificamos que os discursos sobre a modalidade têm perpassado diferentes governos. A análise destes discursos, os quais possibilitam a formação de redes e se tornam hegemônicos, independente da ideologia política dos governos, será feita sob a ótica dos estudos da teoria do discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (2015)10.

Para Lopes, Mendonça e Burity (2015) os governos de esquerda que passaram pelo poder, na América Latina buscaram legitimar-se privilegiando a articulação política através de experiências distintas como:

1. a proposição de agendas influenciadas por diversos atores políticos; 2. a necessidade da realização de alianças para a efetivação destas agendas (redes de governança);

3. o compromisso com as “exigências” do processo de globalização, como diminuição do estado e fortalecimento das instituições público-privadas;

4. a ideia da incapacidade do Estado para conduzir ou implementar as reformas, transferindo para sociedade civil esta tarefa.

Desta forma, ainda de acordo com Lopes, Mendonça e Burity (2015, p. 15)

“[...] o Brasil se inscreve certeiramente nesta zona de ambivalência, em que prevalece uma lógica hegemônica “sob influência” dos discursos gerencialistas da nova administração pública, da terceira via11 e das parcerias

público-privadas.” (LOPES; MENDONÇA; BURITY, 2015, p. 15).

A teoria do discurso, de acordo com Laclau e Mouffe (2015), pretende identificar em que condições um determinado discurso torna-se concreto, ou seja, em um contexto de múltiplas possibilidades, quais (e como) alguns elementos se articulam e se tornam hegemônicos enquanto outros são excluídos. A abordagem é o momento da articulação política, sendo o ponto central, a hegemonia. E, para que seja possível o estabelecimento de um discurso hegemônico, deve ser analisada a relação

10 Os conceitos e análises foram feitas baseadas na obra “Hegemonia e estratégia socialista”.

11 De forma resumida, terceira via é um conceito formulado por Anthony Giddens para se “[...] referir à

renovação social-democrática.” (GIDDENS, 2005, p. 7). Para Giddens (2005) a terceira via seria um processo de aprofundamento e ampliação da democracia. “Os neoliberais querem encolher o Estado; os social-democratas, historicamente, têm sido ávidos por expandi-lo. A terceira via afirma que o que é necessário é reconstruí-lo – ir além daqueles da direita “que dizem que o governo é inimigo”, e daqueles da esquerda “que dizem que o governo é a resposta”. (GIDDENS, 2005, p. 80).

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entre os entes e em que momento uma força social particular passa a assumir a representação de uma totalidade.

No Brasil a redemocratização e a Constituição de 1988, ao ampliarem as conquistas dos direitos sociais,

contribuíram para a emergência e o reconhecimento, no contexto nacional, de diversas novas identidades, demandas, movimentos e atores sociais (feministas, negros, gays, ambientalistas, jovens da periferia, grupos culturais, religiosos etc.) que escapavam, em grande medida, ao alcance das ferramentas de análise social oferecidas pelas perspectivas tradicionais, predominantemente economicistas, classistas, institucionalistas e/ou funcionalistas.” (OLIVEIRA; OLIVEIRA; MESQUITA; 2013, p. 1328).

Na perspectiva de teoria do discurso, Laclau e Mouffe (2015) partem do pressuposto que a sociedade não cabe apenas em uma análise tradicional de “classe”, entendida como a tríade formada pelos níveis econômico, político e ideológico, mas compreende o surgimento de novos e variados movimentos sociais – feminismo, minorias étnicas, sociais e sexuais, enfim, grupos que questionam a “ordem social estabelecida”, articulando elementos, em um determinado momento.

Nesse ponto, os autores concordam com Gramsci, o qual entende que os sujeitos políticos não são uma classe, mas “vontades coletivas”12 complexas e que os

elementos ideológicos articulados pela classe hegemônica não têm um pertencimento de classe necessário. A ideologia não representa uma visão de mundo dividida em classes e fechada, mas se forma com a articulação de elementos que, vistos em si mesmos, não tem nenhuma relação de classes entre si. Portanto, em Gramsci a política é vista como uma possível mediação, formação de um bloco histórico em que a identidade do sujeito é constituída fora do espaço em que o trabalhador circula. “[...] A lógica da hegemonia, como uma lógica de articulação e contingência, passou a determinar a própria identidade dos sujeitos hegemônicos.” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 154).

Laclau e Mouffe (2015) ampliam a discussão e passam a criticar a limitação do pensamento gramsciano, o qual parece apresentar uma ambiguidade básica e contraditória: se por um lado a centralidade política da classe operária tem um caráter histórico contingente, por outro, é como se a base econômica lhe atribuísse o papel articulatório, o que tornaria a economia central, tendo um caráter necessário e desconsiderando a articulação.

12 “[...] a vontade coletiva resulta da articulação político-ideológica de forças históricas dispersas e

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Os autores entendem que se a sociedade fosse pré-determinada por leis internas definindo os arranjos estruturais não haveria espaço para as atividades políticas autônomas, uma vez que a política é um processo de rearticulações hegemônicas. Ou seja, para Laclau e Mouffe (2015) não existem discursos, indivíduos ou grupos políticos definidos a priori na formulação das políticas.

Entendemos, portanto, com base em Fair (2014) que todo discurso é político, em duplo sentido: em primeiro lugar, parte-se da premissa que a realidade e as identidades coletivas não apresentam uma fundamentação imanente, ou seja, referente à dimensão concreta da realidade, mas são resultados de um momento político que as institui e da contingência e precariedade ontológica do social. Em segundo lugar, ainda segundo Fair (2014), a sociedade tem relações de poder que estão impregnadas e se apresentam como dominação, sejam ou não conscientes e que podem estar explícitas ou implícitas.

Assim, considerando que a hegemonia é “[...] um campo teórico dominado pela categoria de articulação, e que, portanto, os elementos articulados possam ser identificados separadamente” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 164), esta pesquisa pretende demonstrar que os discursos produzidos ou divulgados pelo Gife têm sido o terreno da articulação das disputas de práticas e concepções de educação integral no Brasil. “[...] Em todo caso, se a articulação é uma prática e não o nome de um complexo relacional dado, ela deve implicar alguma forma de presença separada de elementos que aquela prática articula ou recompõe.” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 164).

Nesse sentido, ainda de acordo com os autores, a articulação é “[...] qualquer prática que estabeleça uma relação entre elementos de tal modo que a sua identidade seja modificada como um resultado da prática articulatória. A totalidade estruturada resultante desta prática articulatória, chamaremos de discurso.” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 178). Toda articulação é constituída por momentos, que podem ser entendidos como as posições diferenciais que aparecem no interior de um discurso e por elementos, que são toda a diferença não articulada discursivamente. E, para fazer essas distinções, são necessários três tipos de especificação:

Primeiro, é necessário estabelecer “a coerência característica da formação discursiva” a qual, para Laclau e Mouffe (2015) é próxima à formulada por Foucault

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em seu conceito de regularidade em dispersão13. De acordo com Veiga Neto (2011)

a regularidade em dispersão pode ser entendida no sentido de tratar os discursos que articulam o que se pensa e se diz com o que efetivamente é realizado, e sua relação com os acontecimentos históricos.

Foucault faz da própria dispersão dos discursos o princípio da unidade, da mesma forma que Laclau e Mouffe (2015) entendem que é a articulação que torna o discurso hegemônico. Em Foucault, a dispersão governada por regras pode ser entendida por duas perspectivas: como dispersão, que requer um ponto de referência a partir do qual os elementos podem ser considerados dispersos; e pela regularidade em dispersão, que pode ser pensada como um conjunto de posições diferenciais.

Constitui, portanto, segundo Laclau e Mouffe (2015) uma configuração que, em certos momentos, pode ser significada como totalidade. Todo elemento é reduzido a um momento desta totalidade, cujas relações têm um caráter necessário, e o fato de serem relativos uns aos outros é que mostra sua necessidade. A transição de elementos para momentos nunca é completa, o que torna possível a prática articulatória.

Em segundo lugar, é necessário especificar as dimensões e extensões do discurso. Laclau e Mouffe (2015) rejeitam a distinção entre práticas discursivas e não-discursivas, indo na contramão de Foucault, neste ponto. Para os autores

a) todo objeto é constituído como objeto de discurso, uma vez que nenhum objeto é dado fora de condições discursivas de emergência; e b) qualquer distinção entre o que usualmente se chama de aspectos linguísticos e comportamentais de uma prática social ou é uma distinção incorreta, ou deve ter lugar como diferenciação na produção social de sentido, que é estruturada sob a forma de totalidades discursivas. (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 180).

E esse entendimento se aplica às instituições, nas quais, se forem analisadas internamente, serão encontradas formas mais ou menos diferenciais de posições que não são estruturadas externamente (nem mesmo sob a influência do grupo a que se associam, muitas vezes) e que, portanto, só podem ser concebidas como articulações discursivas.

[...] a) O fato de que todo objeto é constituído como objeto de discurso não

tem nada a ver com a existência de um mundo externo ao pensamento, nem

com a oposição realismo/idealismo. [...] O que se nega não é que tais objetos

13 O conceito de “regularidade em dispersão” foi apresentado na obra Arqueologia do Saber, de

Foucault. A palavra arqueologia vem do sentido de escavar verticalmente os discursos para trazer à tona ideias, conceitos e até mesmo discursos já esquecidos. A arqueologia, nas palavras do próprio Foucault, trata o discurso por ele mesmo, não em busca de um significado oculto.

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existam externamente ao pensamento, mas antes a afirmação bastante diferente de que eles próprios possam se constituir como objetos fora de qualquer condição discursiva de emergência. [e...] b) Na origem do preconceito anterior reside a suposição do caráter mental do discurso. Contra isso, afirmaremos o caráter material de toda estrutura discursiva.” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 181, grifos no original).

Esse caráter material não pode ser unificado na experiência de um único sujeito, mas é constituído pelas diversas posições de sujeito que aparecem dispersas numa formação discursiva e se articulam, perpassando as instituições e práticas que estruturam a formação discursiva. (LACLAU; MOUFFE, 2015). Finalmente, deve-se considerar o significado e a centralidade colocada na palavra discurso.

[...] Se considerarmos as relações sociais da perspectiva de um paradigma naturalista, a contradição está excluída. Mas, se considerarmos as relações sociais como discursivamente construídas, a contradição se torna possível. [...] A principal consequência de um rompimento com a dicotomia discursivo/extradiscursivo é o abandono da oposição pensamento/realidade, e, portanto, um maior alargamento do campo das categorias que podem dar conta das relações sociais. (LACLAU; MOUFFE, 2015, p.184).

E como Laclau e Mouffe (2015, p. 185, grifos no original) entendem que as identidades são puramente relacionais, nenhuma identidade pode ser plenamente constituída e definitiva. “Este campo de identidades que nunca conseguem ser plenamente fixadas é o campo da sobredeterminação.”

Então, se o discurso é entendido como o sistema de entidades diferenciais, isto é, momentos, o campo da discursividade é o terreno necessário à constituição de toda prática social, formada a partir de um “excesso de sentido” que subverte o discurso. Toda identidade é relacional, mesmo que essas relações não cheguem a se fixar como diferenças e todo discurso é subvertido por um campo de discursividade, que lhe excede.

Portanto, a transição de elementos (significantes flutuantes, que não se ficam a uma cadeia discursiva definitiva) a momentos nunca será completa. Laclau e Mouffe (2015) entendem que toda fixação discursiva tem um caráter incompleto, toda identidade tem um caráter relacional e o significante tem um caráter ambíguo, que não pode ser fixado a um só significado. Para Fair (2014), é necessário manter uma “vigilância epistemológica” que permita praticar uma dúvida permanente sobre o que é interpretado. Ou seja, não aceitar conceitos pré-existentes como naturalização de determinados fatos. Evitar preconceitos historicamente sedimentados e ampliar o horizonte de compreensão.

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O significante só existe em uma proliferação de significados e assim, qualquer construção discursiva pode tentar dominar o campo da discursividade, tornando-se privilegiado e fixando-se, parcialmente, como central, o que Laclau e Mouffe (2015) denominam como ponto nodal.

[...] Não é a pobreza de significados, e sim, ao contrário, a polissemia que desarticula uma estrutura discursiva. É isso que estabelece a dimensão sobredeterminada, simbólica de toda identidade social. A sociedade nunca consegue ser idêntica a si mesma, já que todo ponto nodal se constitui no interior de uma intertextualidade que lhe excede. A prática da articulação,

portanto, consiste na construção de pontos nodais que fixam sentido parcialmente; e o caráter parcial desta fixação advém da abertura do social, resultante, por sua vez, do constante transbordamento de todo discurso pela infinitude do campo da discursividade. (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 188,

grifos no original).

Ou seja, a fixação de sentidos e a hegemonia são resultantes do processo de uma prática articulatória entre os elementos. É o conceito de sutura14, termo

proveniente da psicanálise, que encadeia o pensamento de construção da hegemonia. O discurso hegemônico surge para preencher espaços – suturar – a partir da abertura do social e da não-fixação e predeterminação de seus elementos e significantes. As demandas por qualidade na educação das instituições filantrópicas, por exemplo, podem ser consideradas elementos autônomos, cuja natureza não é predeterminada, como mostraremos, mais detalhadamente, na terceira seção deste trabalho.

A relação hegemônica surge quando as particularidades se unem em relações de equivalência, representando uma totalidade, sem que cada elemento perca sua própria singularidade. Sendo assim, essa universalidade é contaminada: 1. Vive numa tensão irresolúvel entre particularidade e universalidade; 2. A universalidade hegemônica nunca é definitiva, é reversível, a qualquer momento. A articulação entre essas individualidades – que não são fixas e nem pré-determinadas– é estabelecida através da articulação discursiva, na tentativa de fixação dos conceitos. (LACLAU; MOUFFE, 2015).

Os autores acreditam que o antagonismo é o elemento central na política, uma vez que a sociedade se constitui em torno dos limites de toda objetividade. Para Laclau e Mouffe (2015, p. 46) os conflitos e divisões são necessários para a manutenção da democracia, pois são parte da individualidade sendo muito importante

14 [...] usado para designar a relação do sujeito com o encadeamento de seu discurso; veremos que ela

figura aí como o elemento que falta, sob a forma de um substituto. [...] a relação geral da falta com a estrutura da qual ela é um elemento, na medida em que implica a posição de um tomar-o-lugar-de” (LACLAU; MOUFFE; 158).

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para a política e para a democracia “[...] reconhecer que toda forma de consenso é o resultado de uma articulação hegemônica, a qual sempre tem um “exterior” que impede sua plena realização.” Nesse sentido, procuramos demonstrar, mais adiante, que as transformações provocadas pela globalização e por articulações discursivas tentaram substituir os antagonismos pelas parcerias nas relações entre Estado e sociedade civil.

A pesquisa, portanto, tem como questão central a definição da política de educação integral através da governança filantrópica. Desta forma, serão analisados por este trabalho os textos produzidos pelos órgãos oficiais – Conselho Nacional de Educação, Ministério da Educação e Secretarias de Estado da Educação, entre outros. Analisaremos também os textos produzidos pelo Gife em parceria com as instituições filantrópicas associadas ao grupo sobre educação integral e que estão disponíveis na biblioteca virtual “Sinapse – Biblioteca Virtual do Investimento Social”15.

De acordo com o Gife (2019e), a Sinapse “[...] reúne publicações relevantes, nacionais e internacionais, sobre investimento social privado, terceiro setor e temas de interesse para o campo.” (GIFE, 2019e) e é organizada por temas, assim distribuídos:

• Advocacy – 18 publicações

• Alinhamento do investimento social às políticas públicas – 84 publicações

• Alinhamento entre investimento social e negócio – 29 publicações • Atuação temática – 189 publicações:

o Assistência social – 14 publicações o Cultura e artes — 6 publicações

o Democracia e defesa de direitos — 45 publicações

o Desenvolvimento local/comunitário/de base — 21 publicações o Educação — 173 publicações

o Formação de jovens para o trabalho e/ou para a cidadania — 13 publicações

o Geração de trabalho e renda — 4 publicações o Meio ambiente — 26 publicações

o Saúde — 9 publicações

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• Comunicação — 43 publicações

• Empreendedorismo e negócios de impacto social — 119 publicações • Filantropia familiar — 57 publicações

• Gestão e fortalecimento das OSCs — 100 publicações • Governança e transparência — 99 publicações:

o Transparência — 51 publicações o Governança — 48 publicações • Grantmaking16 — 34 publicações

• Inovação e tecnologia — 33 publicações

• Investimento social privado e filantropia — 190 publicações • Monitoramento e avaliação — 80 publicações

• Responsabilidade social e sustentabilidade empresarial — 46 publicações

• Sustentabilidade econômica das OSCs — 183 publicações: o Doação — 64 publicações

o Marco regulatório das organizações da sociedade civil — 63 publicações

o Fundos patrimoniais — 18 publicações o ITCMD17 — 20 publicações

Destes, selecionamos os documentos que têm relação com educação integral, investimento social privado e os que orientam a atuação da filantropia nas políticas públicas (policy making e advocacy), que foram publicados até 2017, ano de implementação do programa “Novo Mais Educação”18. Buscaremos identificar a

concepção de educação integral presente nos documentos e quais são as cadeias discursivas em disputa no processo de definição da educação integral.

Entendendo o processo de produção do texto político enquanto um processo dinâmico e marcado por contínuas disputas sobre significados e, seguindo

16 De acordo com Herculano (2003) a prática de grantmaking apesar de ser confundida com doação,

um processo diferente, que consiste no financiamento de projeto já existentes como alternativa à criação e execução de novos projetos e é feito, em sua maioria, por empresas. Informações disponíveis em https://gife.org.br/pratica-de-grantmaking-nao-pode-ser-confundida-com-simples-doacao/. Acesso em 20 abr. 2020.

17 Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações.

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as orientações indicadas por Rear e Jones (2013), baseadas na teoria de Laclau e Mouffe (2015) buscamos, nos textos selecionados, os significantes privilegiados, pontos de intersecção e disputa por significados nas cadeias de significantes, através de uma interpretação empírica dos textos analisados.

A pesquisa é apresentada em quatro principais seções. Na primeira, problematizou-se a conceituação da educação integral, retomando as lutas políticas por diferentes grupos em busca da hegemonia do termo educação integral. Entendemos que estes rastros de concepções de educação integral conferem positividade ao termo. São abordadas as influências políticas internas e externas (principalmente as exercidas pelos organismos internacionais), as parcerias público-privadas e a governança na concepção e definição das políticas de educação integral. Ao buscar essas referências, pretendemos, bem como Corazza (2007, p. 12-13) indicou

[...] exercitar a suspeição sobre a própria formação histórica que nos constituiu e constitui, e interrogá-la sobre se tudo o que dizemos é tudo o que pode ser dito, bem como, se aquilo que vemos é tudo o que se pode ver. Os instrumentos para a constituição de um problema de pesquisa – com os quais montamos as estratégias e táticas dessa guerrilha de suspeição – não podem ser outros que os das teorizações que já foram produzidas. Por isto, a nosso modo e com nossos limites, temos o dever de nos apropriar – pela via do estudo – dos territórios teóricos e com eles estabelecer interlocuções, ao mesmo tempo em que vamos reelaborando as teorias. [...] levando-nos a criar o problema, a problematizar o que não era tido como problemático, ou a re-problematizar, com outro olhar, o já problematizado. Mas, o trabalho ainda não está terminado porque, depois de termos problematizado o objeto de pesquisa, ele precisa ser como que “limpo” de todas as teorizações que o forjaram, para que novas teorizações – que são agora de nossa responsabilidade – resultem de seu manejo. É então que saltamos das pontes. (CORAZZA, 2007, p. 12-13).

Na segunda parte do estudo, apresentamos a concepção de heterarquia e governança, definindo as concepções de neoliberalismo e globalização utilizadas neste trabalho. São apresentadas, também, as diferenças jurídicas entre associação, fundação e instituto e como se configuram as parcerias público-privadas na educação brasileira.

Na terceira parte, apresentaremos a transformação das ações filantrópicas de doação em investimento social. Aqui, são mapeadas as instituições filantrópicas que atuam junto às secretarias de Estado da Educação, formando a rede política. Analisamos o processo de formação da rede de influência, considerando o Gife como elemento articulador e principal indutor dos discursos e práticas dessas instituições.

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Finalmente, analisamos, através do levantamento empírico dos textos indicados anteriormente, o que estas instituições apontam como um problema da educação pública em relação à educação integral e quais as soluções indicadas, de forma a identificar os significantes que possibilitaram que a educação integral se tornasse um ponto nodal e evidente para a consolidação de políticas de educação integral entre Secretarias Estaduais de Educação brasileiras..

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2. EDUCAÇÃO INTEGRAL

A proposta de uma educação integral não é recente. Ela sempre esteve presente nas discussões sobre educação, seja sobre as práticas pedagógicas em si, a ampliação do tempo escolar e até como forma de proteção social.

Durante séculos a formação humana não era institucionalizada, uma vez que os conhecimentos eram passados dos mais velhos para os mais novos e, portanto, não se debatiam os processos de ensino (COELHO, 2009). A conscientização dos indivíduos e a prática estatal incentivam um processo de politização e democratização da educação, além de sua desvinculação da Igreja. A partir das revoluções na América e na Europa, especialmente a francesa, no século XVIII, os jacobinos trazem a perspectiva de formação do homem completo, na concepção grega de educação, além da formação estética. “Dessa forma, no clima do despotismo iluminado, amadureciam as ideias e as condições para uma passagem definitiva da instrução das Igrejas para o Estado” (MANACORDA, 1992, p. 246).

A escola primária, como instituição pública de ensino, gratuita, com acesso para todos os cidadãos, mantida pelo Estado e desvinculada do clero passa a ser considerada como o lugar preferencial do trabalho educativo. (MANACORDA, 1992; COELHO, 2009).

Enquanto função do Estado, a educação pode ter diferentes concepções e práticas, conforme as diferentes concepções de organização social, entre as quais o anarquismo, o socialismo, o liberalismo e, atualmente, o neoliberalismo.

Neste capítulo serão abordadas, as concepções de educação integral a partir dos ideais anarquistas, além das concepções liberais e socialistas, duas principais formas de constituição das sociedades modernas a partir do século XIX (BOBBIO, 2000; COELHO, 2009) e de que forma as primeiras propostas de educação integral são pensadas, no Brasil, na década de 1930. O foco do trabalho, no entanto, é a concepção neoliberal da educação integral e a característica que se configura no Brasil durante o século XXI.

Conforme mencionamos anteriormente, entendemos que a apresentação das concepções de educação integral nas diferentes sociedades e momentos históricos é importante, pois concordamos com Corazza (2007) sobre a necessidade de nos apropriarmos dos conhecimentos teóricos produzidos historicamente para, a partir deles estabelecer interlocuções com o momento atual e as novas teorias.

Referências

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