• Nenhum resultado encontrado

4. FILANTROCAPITALISMO E SUA INFLUÊNCIA NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO

4.1. TERCEIRO SETOR

A globalização e a expansão das políticas neoliberais trouxeram novos desafios para os Estados. O neoliberalismo e a terceira via identificam as crises como um problema fiscal e de padrão de intervenção do Estado, desconsiderando a crise maior do capitalismo. E isso traz duas consequências: “[...] a) o Estado deveria buscar como parâmetro de qualidade o mercado e b) as instituições públicas, aqui entendidas como estatais, não deveriam mais ser as principais responsáveis pela execução das políticas públicas.” Entendendo o Estado como tendo gestão de política ineficientes ou permeáveis à pressão popular, sugerem que as políticas sociais devem ser geridas

por empresas privadas ou pelo setor público não-estatal (terceira via). (ADRIÃO; PERONI, 2009, p. 108). Assim,

[...] surge no mundo um terceiro personagem. Além do Estado e do mercado, há um “terceiro setor”. “Não-governamental” e “não-lucrativo”, é no entanto organizado, independente, e mobiliza particularmente a dimensão voluntária do comportamento das pessoas. Sua emergência é de tal relevância que se pode falar de uma “virtual revolução” a implicar mudanças gerais nos modos de agir e pensar. (FERNANDES, 1994, p. 19-20).

Para Fernandes (1994) e Acotto e Manzur (2000) não há consenso entre os autores sobre as entidades que integram o terceiro setor. Em geral, são reconhecidas as entidades privadas, não-governamentais, sem fins lucrativos, autogovernadas e de associação voluntária. O “[...] conceito denota um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visam à produção de bens e serviços público” (FERNANDES,1994, p. 21) cujos excedentes devem ser reinvestidos e os bens e produtos produzidos devem ser para consumo coletivo. Ainda de acordo com o autor, são consideradas organizações do terceiro setor aquelas que são estruturadas e institucionalizadas de alguma forma (que tenham nome, endereço e objetivos de atuação bem definidos).

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE, baseado em uma metodologia da Organização das Nações Unidas de 200260, considera como

entidades sem fins lucrativos as que se enquadrarem, simultaneamente, nos cinco critérios:

• Privadas, não integrantes, portanto, do aparelho de Estado;

• Sem fins lucrativos, isto é, organizações que não distribuem eventuais excedentes entre os proprietários ou diretores e que não possuem como razão primeira de existência a geração de lucros – podendo até gerá-los, desde que aplicados nas atividades-fins;

• Institucionalizadas, isto é, legalmente constituídas;

• Autoadministradas ou capazes de gerenciar suas próprias atividades; e • Voluntárias, na medida em que podem ser constituídas livremente por qualquer grupo de pessoas, isto é, a atividade de associação ou de fundação da entidade é livremente decidida pelos sócios ou fundadores. (IBGE, 2019, p. 10).

60 A pesquisa do IBGE foi realizada no Cadastro Central de Empresas e considera como “Fundações

privadas e associações sem fins lucrativos”, que exerçam atividades em território nacional, com base na metodologia do Handbook on non-profi t institutions in the system of national accounts, elaborado pela Divisão de Estatística da Organização das Nações Unidas - ONU, em conjunto com a Universidade John Hopkins, em 2002.

Essa classificação de terceiro setor como sendo representativo da sociedade civil exclui organizações sindicais e movimentos sociais combativos, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto61, por exemplo.

Em 2014, a publicação da Lei n.º 13.019, universaliza alguns benefícios a todas as organizações sem fins lucrativos, independente de certificação, facilitando a constituição de uma entidade, uma vez que conseguir recursos sempre é uma das maiores dificuldades das instituições “pequenas”:

Art. 84-B. As organizações da sociedade civil farão jus aos seguintes benefícios, independentemente de certificação:

I - receber doações de empresas, até o limite de 2% (dois por cento) de sua receita bruta;

II - receber bens móveis considerados irrecuperáveis, apreendidos, abandonados ou disponíveis, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil;

III - distribuir ou prometer distribuir prêmios, mediante sorteios, vale-brindes, concursos ou operações assemelhadas, com o intuito de arrecadar recursos adicionais destinados à sua manutenção ou custeio. (BRASIL, 2014).

Para qualificar-se como OSC as pessoas jurídicas de direito privado devem ter sido constituídas há pelo menos três anos e estar em funcionamento regular. Além disso, para receberem os benefícios fiscais previstos na Lei n.º 13.019/14, devem ter, entre seus objetivos sociais, ao menos uma das seguintes finalidades:

I - promoção da assistência social;

II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;

III - promoção da educação; IV - promoção da saúde;

V - promoção da segurança alimentar e nutricional;

VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável;

VII - promoção do voluntariado;

VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;

X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar;

61 Ao afirmar que “[...] os movimentos sociais tematizam e redefinem a esfera pública, realizam

parcerias com outras entidades da sociedade civil e política, têm grande poder de controle social

e constroem modelos de inovações sociais” Gohn (2011, p. 337, grifos nossos) deixa claro que movimentos sociais não devem ser confundidos com organizações sociais. De acordo com a autora, os movimentos sociais: “[...] possuem identidade, têm opositor e articulam ou fundamentam-se em um projeto de vida e de sociedade. Historicamente, observa-se que têm contribuído para organizar e conscientizar a sociedade; apresentam conjuntos de demandas via práticas de pressão/mobilização; têm certa continuidade e permanência. Não são só reativos, movidos apenas pelas necessidades (fome ou qualquer forma de opressão); podem surgir e desenvolver- -se também a partir de uma reflexão sobre sua própria experiência. Na atualidade, apresentam um ideário civilizatório que coloca como horizonte a construção de uma sociedade democrática.” (GOHN, 2011, p. 336-337).

XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais;

XII - organizações religiosas que se dediquem a atividades de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos;

XIII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo;

Parágrafo único. É vedada às entidades beneficiadas na forma do Art. 84-B a participação em campanhas de interesse político-partidário ou eleitorais, sob quaisquer meios ou formas. (BRASIL, 2014).

Ao observar os objetivos sociais inerentes a uma OSC, concordamos com Gohn (2011, p. 354) quando afirma que, a partir do “novo associativismo civil” instaurado com a reforma do Estado de 1990 e a criação das Organizações Sociais — OS e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público — OSCIP, atualmente Organizações da Sociedade Civil — OSC nem todas as organizações não governamentais (os movimentos, sociais, por exemplo) podem ser consideradas como entidades do terceiro setor. Enquanto as organizações da década de 1980 tinham características reivindicativas, participativas e militantes, as entidades do século XXI são mais voltadas para “[...] a prestação de serviços, atuando de acordo com projetos, dentro de planejamentos estratégicos, buscando parcerias com o Estado e empresas da sociedade civil.” (GOHN, 2011, p. 354-355).

Para Mestriner (2001) a política institucional conta com outras formas de intervenção participativa – sociedade, movimentos sociais, organizações não- governamentais, as quais atuam em uma nova modalidade de ação social: a contratualização público-privada. Ainda de acordo com a autora, não é público, mas não é lucrativo. São organizações privadas, que trabalham em prol de um benefício público, em geral populações desassistidas, como idosos, desempregados, crianças, deficientes.

De acordo com Montaño (2002, p. 57) para alguns autores estariam excluídas do terceiro setor as entidades classistas como sindicatos, grupos ligados a partidos políticos ou religião, as quais, embora reúnam sujeitos com certa igualdade nas atividades, apresentam “[...] interesses, espaços e significados sociais diversos, contrários e até contraditórios.”.

Montaño (2002) também afirma que as organizações “não- governamentais”, ao serem contratadas pelo governo através das parcerias, passariam a exercer as funções do Estado, o qual fornece recursos e financiamento, além de avaliar, de acordo com sua política governamental, privilegiando uma ou outra

ação, conforme seus próprios interesses políticos. Neste caso, essas instituições, embora não sejam estatais, têm seu caráter não-governamental questionado, uma vez que seguem, direta ou indiretamente, as orientações políticas do governo. E devemos considerar como essa atuação se dá em governos alinhados com o projeto neoliberal e como é feita nas alianças com governos mais progressistas, distinção que se torna imprescindível na análise, uma vez que, como aponta Montaño (2002, p. 137) “[...], não devemos também idealizar as “parcerias” com os governos considerados progressistas, que têm seus limites para navegar contra a corrente e funcionam sob a lógica do capital.”

Atualmente, verifica-se que as políticas públicas na área de educação têm sido bastante influenciadas por essas instituições, inclusive algumas ligadas ao setor empresarial, caracterizando o que Olmedo (2013) chama de governança filantrópica. A filantropia ligada às grandes empresas é bastante tradicional nos Estados Unidos e em alguns países europeus, e começa a se institucionalizar no Brasil durante a reforma administrativa do Estado. Nesses casos, a questão da não-lucratividade, por exemplo, é questionável a partir do momento em que sua manutenção pode estar ligada à isenção de impostos62, melhora da “imagem social” e até como propaganda

para as empresas mantenedoras, gerando um lucro indireto.