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3. HETERARQUIA E GOVERNANÇA

3.1. GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO

Para Ianni (1997) os Estados-nação passam por readequações e adaptações à internacionalização do capital, uma vez que

[...] globalizam-se as instituições, os princípios jurídico-políticos, os padrões socioculturais [...]. Esse é o contexto em que se dá [...] a desestatização, a desregulação, a privatização, a abertura de mercados e a monitorização das políticas econômicas nacionais pelas tecnocracias do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, entre outras organizações multilaterais e transnacionais. (IANNI, 1997, p. 48).

Além dos Estados, mercados financeiros, comércio e grandes empresas também são afetados pela globalização, modificando e adaptando suas ações aos novos tempos. Muitas empresas, em vez de abrirem filiais ou multinacionais, articulam-se com outras empresas, em países diferentes, formando uma rede colaborativa e de alianças estratégicas. As fusões que ocorreram na década de 1990 e as grandes redes de empresas, articuladas e coordenadas pelas multinacionais podem ser consideradas o coração da nova economia mundial. (CASTELLS, 1998).

Nem nacional, nem transnacional, nem grandes empresas contra pequenas empresas: redes globalmente articuladas de empresas de diferentes dimensões e nacionalidades diversas articuladas em volta de grandes conglomerados de capital descentralizados operativamente mediante redes de comunicação interativas, funcionando como uma unidade, em tempo real, em escala planetária40. (CASTELLS, 1998, p. 4, tradução minha).

Para Castells (1998, p. 3) os Estados, embora continuem desenvolvendo seu papel no desenvolvimento de políticas são cada vez mais influenciados pela “[...] globalização do capital e da interdependência dos mercados financeiros”, uma vez que as multinacionais, apesar de terem uma nacionalidade que, obviamente, interfere em seu funcionamento, acabam adotando políticas internas específicas para cada local em que atuam.

Ainda de acordo com Castells (1998) muitas vezes, o dinheiro que circula pelas fronteiras chega a ser maior do que o PIB dos países41 onde estas empresas

estão sediadas, fato que, de certa forma, interfere na autonomia do Estado. E a possibilidade de “deslocamentos” de uma moeda a outra, gerando desvalorização de algumas e valorização de outras pode interferir na estabilidade das economias, provocando a adoção de medidas políticas que estejam em acordo com os discursos dos investidores.

Mas a globalização e o neoliberalismo não devem ser entendidos apenas pelo aspecto econômico. Ball (2014) afirma que o neoliberalismo muda as formas de governar, destruindo formas antigas e criando outras. Para Silva (1995, p. 15) esta ofensiva neoliberal não é apenas sobre distribuição de recursos materiais e

40 Ni nacional, ni transnacional, ni grandes empresas contra pequenas empresas: redes globalmente

articuladas de empresas de distinta dimension y diversa nacionalidad articuladas en torno a grandes conglomerados de capital descentralizados operativamente mediante redes comunicadas interactivas, funcionando como una unidad, en tiempo real, en un âmbito planetario.

41 De acordo com o site El país, em 2017, 69% das maiores entidades econômicas eram empresas,

enquanto os países representavam apenas 31%. Fonte:

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/03/economia/1509714366_ 037336.html. Acesso em 10 jan. 2020.

econômicos, nem sobre uma disputa entre modelos de sociedade, mas “[...] sobretudo como uma luta para criar as próprias categorias, noções e termos através dos quais se pode nomear a sociedade e o mundo.”

Tanto Ong (2007) como Olmedo (2016) apresentam e conceituam as diferenças entre o ‘N’eoliberalismo como um “tsunami econômico” e ‘n’eoliberalismo como um sistema de “administração de pessoas”.

[...] Neoliberalismo com ‘N’ maiúsculo [é....] a modalidade que mescla múltiplos valores sócio-políticos em uma única medida ou estrutura. [...] Neoliberalismo é visto como uma estrutura dominante que promove mudanças sociais uniformes em todas as nações. [...] Como um fator determinante de relações econômicas, as transformações Neoliberais em todos os domínios produzem uma única condição sob a hegemonia dos mercados irrestritos. [Já o....] Neoliberalismo com ‘n’ minúsculo é a capacidade de governar ‘sujeitos livres’ que coexiste com outras racionalidades políticas. O problema do neoliberalismo – isto é, como administrar pessoas para o autodomínio – é responder estrategicamente à população e ao espaço na busca da otimização dos lucros.42 (ONG, 2007, p.

4, tradução minha).

Em outras palavras, Ong (2007) afirma que o Neoliberalismo não se envolve, diretamente, com o dinamismo econômico nos diferentes países, mas deve ser considerado como um conjunto de práticas que migram entre os países, articulando diferentes situações e participando das mudanças nas características da sociedade.

Ball (2014) e Olmedo (2016) entendem que essa diferenciação é necessária, uma vez que o neoliberalismo age não só sobre o dinheiro, mas também sobre as mentes das pessoas, dizendo o que elas devem e o que não devem fazer.

[...] o neoliberalismo está “aqui dentro” bem como “lá fora”. Ou seja, o neoliberalismo é econômico (em rearranjo das relações entre o capital e o Estado), cultural (novos valores, sensibilidades e relacionamentos) e político (uma forma de governar, novas subjetividades), e está “estendendo-se pelo menos em potencial por meio de todas as arenas da vida social” [...]. (BALL, 2014, p. 229).

O neoliberalismo, então, se adapta às características geográficas, econômicas e políticas de cada local em que atua. Para Wood (1997, p. 553, grifos no original, tradução minha) “[...] a transnacionalização de mercados e capitais não

42 Neoliberalism with a big ‘N’. [...] a modality that collapses multiple socio-political values into a single

measure or structure. [...] Neoliberalism is viewed as a dominant structural condition that projects totalizing social change across a nation [...]. As a determining set of economic relationships, Neoliberal transformations in all domains produce an all-encompassing condition under the hegemony of unfettered markets. [...] Neoliberalism with a small ‘n’ is a technology of governing ‘free subjects’ that co-exists with other political rationalities. The problem of neoliberalism – i.e. how to administer people for self-mastery – is to respond strategically to population and space for optimal gains in profit.

apenas pressupõe o Estado-nação, mas depende do Estado como seu principal instrumento.43”.

O neoliberalismo não é algo percebido como um conjunto de reformas grandiosas, mas como um projeto, que acontece através de pequenas mudanças e táticas que atuam nos sistemas, indivíduos e organizações para torná-las isomórficas, produzir práticas e oportunidades que estejam de acordo com o discurso hegemônico. Nesse mesmo sentido, Ball (2014, p. 47), referindo-se à educação afirma que “[...] um dos pontos recorrentes de referência neste relato de política educacional global e de práticas neoliberais é o antagonismo fundamental e, ao mesmo tempo, a dependência mútua entre mercados e Estado”, uma vez que ao mesmo tempo que o Estado regula, cria condições para os mercados se expandirem.

Wood (1997, p. 557, tradução minha) sugere que a globalização dos mercados “[...] parece um processo menos estabelecido e irreversível do que a globalização da sociedade e da cultura”44 o que, de acordo Ong (2007) deve acontecer

através da educação, conforme orientações do Banco Mundial.

Para Castells (1998) o Estado continua sendo um importante elemento de regulação econômica, representação política e solidariedade social, mas dentro de alguns limites estruturais e culturais que são novos, historicamente falando, uma vez que estão lidando com a perda de legitimidade e de poder com ações de descentralização de suas instituições e multilateralidade de suas ações. Essa nova forma de Estado o autor denomina “Estado-rede”.

O Estado-rede não deve ser considerado apenas como a utopia da era da informação, mas uma nova forma de administração que surge para resolver novos problemas de administração e gestão políticas motivadas, principalmente, pela globalização (CASTELLS, 1998; JESSOP, 2003). Embora muitos processos econômicos, tecnológicos e de comunicação, mercados financeiros, entre outros, sejam cada vez mais globalizados, não se pode dizer em globalização em relação ao emprego, atividade econômica, vivência humana, entre outros fatores que continuam sendo regionais. (CASTELLS, 1998).

A ideia principal do estado-rede é a difusão de poder, em que diferentes governantes, cada um em seus territórios e competências devem tratar com seu

43 “[…] the transnationalization of markets and capital – not only presupposes the nation-state but relies

on the state as its principal instrument.”

entorno institucional, tanto horizontal como vertical. Esta forma de gestão redefine o papel do Estado, que passa a ser caracterizado pelo compartilhamento da autoridade e pela capacidade institucional de impor uma decisão em uma rede de instituições.

Antes da análise das redes de governança junto às secretarias estaduais de educação, tema central deste trabalho e que será detalhado nas próximas seções, passaremos à discussão da legislação que possibilitou essa nova configuração de Estado no Brasil.