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2. EDUCAÇÃO INTEGRAL

2.2. O MANIFESTO DE 1932 E O INÍCIO DA EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL

Partindo do pressuposto que a educação integral, como toda constituição social é sobredeterminada, entendida como uma disputa discursiva cuja ênfase deve se dar na historicidade, contingência e precariedade do social (FAIR, 2014), e que as políticas são processos marcados pelas tomadas de decisões, as quais, quando tomadas, excluem outras possibilidades, travando uma luta constante pela fixação de sentidos (LACLAU, MOUFFE, 2015) buscamos, nesta seção, entender os movimentos discursivos que possibilitaram as primeiras experiências de educação integral no Brasil.

Historicamente, verificamos que as primeiras tentativas de fixação do conceito de educação integral se deu pelos discursos produzidos por: a) religiosos

católicos – com características mais conservadoras; b) por anarquistas – para quem

a formação integral é essencialmente emancipatória e progressista, e; c) pelos

liberais, os quais, liderados por Anísio Teixeira, publicaram o Manifesto dos Pioneiros

da Educação, em 1932. (COELHO, 2009).

De acordo com Saviani (2013) o período entre o fim do império e início da República (final do século XIX e início do século XX) é marcado pela divulgação de ideias anarquistas e anarcosindicalistas22, com considerável influência dos imigrantes

europeus recém-chegados. Na década de 1920 a pedagogia tradicional foi substituída pela pedagogia moderna, a qual tecia críticas à concepção burguesa de educação e uso da escola como instrumento de dominação, tanto por parte do Estado como da Igreja.

A escola moderna, colocada em prática nos centros de estudos e escolas voltadas aos operários, em geral mantidas por sindicatos, sendo perseguidas e fechadas pela polícia (a última em 1919), pretendia ser autônoma e autogerida, e

22 Para Oliveira (2009) anarcosindicalismo define o movimento criado por grupos anarquistas adeptos

da estratégia do sindicalismo revolucionário. Os anarcosindicalistas pretendiam utilizar-se dos sindicatos como forma de mobilização da sociedade para a implementação dos ideais anarquistas, diferenciando-se dos sindicalistas “puros”, que pretendiam a manutenção da ordem de classes com as reivindicações da classe trabalhadora.

inspirava-se nos ideais anarquistas de promoção da educação integral. Ao mesmo tempo, um debate de ideias liberais ganha força, pretendendo expandir o acesso à educação integral, considerada como um grande instrumento que possibilitaria maior participação política. (SAVIANI, 2013).

Nesta época pode-se perceber duas cadeias discursivas antagônicas na educação: por um lado um movimento renovador, impulsionado pela modernização e industrialização da sociedade (SAVIANI, 2013) e, por outro, os conservadores, representados principalmente pela Igreja Católica23 querendo recuperar seu prestígio

e influência nas decisões pedagógicas, com a concepção de educação integral baseada na espiritualidade, nacionalismo cívico e disciplina. (COELHO, 2009).

Empossado como o primeiro Ministro da Educação e Saúde Pública, em 1931, Francisco Campos propôs uma reforma do sistema educacional. Entre as medidas, destaca-se: a criação do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 1931a), a reorganização do ensino superior no Brasil (BRASIL, 1931b), organização do ensino secundário (BRASIL, 1931c) e a retomada do ensino religioso nas escolas públicas (BRASIL, 1931d). Um dos motivos da aprovação do ensino religioso, de acordo com Saviani (2013) são os antecedentes históricos da grande influência da Igreja, além da influência externa (da França, por exemplo), onde o governo se aliou à Igreja como uma forma de oposição ao movimento operário.

A publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação, na análise de Cury e Cunha (2015) representou um marco em relação à história das ideias pedagógicas no Brasil. Para Cunha (1994), Cavaliere (2010) e Saviani (2013) as propostas de educação integral nesse período eram antagônicas. Uma delas, produzida pela Ação Integralista Brasileira (AIB), reunia representantes da Igreja Católica, conservadores, políticos e a elite do País. Em seus textos doutrinários destaca a importância da educação escolar das massas como forma de elevação do nível cultural da população, em todos os seus aspectos: físico, intelectual, cívico e espiritual, tendo como lema a educação integral para o homem integral. De acordo com Cavaliere (2010) apesar de defender a formação do homem integral, a educação acontecia de forma tradicional, atendendo aos anseios das elites e da igreja, abrindo espaço para privatizações e domínio da igreja nas ações educativas.

23 Cabe destacar que a Igreja Católica tem grande influência na educação brasileira, desde os tempos

da colonização do Brasil e da chegada dos jesuítas com ações de catequização e educação dos indígenas. (SAVIANI, 2013).

Por outro lado, os liberais, representados por um grupo de intelectuais, educadores e alguns políticos cuja concepção de educação escolar era a de uma educação que proporcionasse acesso à cultura, à socialização e à preparação para o trabalho e para a cidadania. Esta concepção de educação foi denominada como Educação Nova, tendo como seu principal representante, Anísio Teixeira, um dos signatários do Manifesto de 32. (CAVALIERE, 2010).

Para Laclau (2006) a sociedade é instituída a partir dos discursos políticos. Para Fair (2014, p. 140), de acordo com a teoria do discurso “[...] o social é entendido como a presença de uma realidade parcialmente objetivada e ‘sedimentada’, que aguarda o momento político de ‘reativação’”. Assim, o manifesto foi constituído pela indignação de intelectuais e políticos, os quais acreditavam que o país passava por um momento de estagnação política e cultural e esperavam romper com o passado e desenhar o futuro, a partir da crítica à escola tradicional. (CURY; CUNHA, 2015).

Influenciados pelo pensador norte-americano John Dewey, os autores do Manifesto entendiam que a escola deveria ser uma “comunidade em miniatura”, reproduzindo a sociedade e, dessa forma, proporcionar a educação moral e social, além da intelectual, entendendo a escola como a vida da criança, e não uma fase de preparação para o futuro. (CUNHA, 1994; CAVALIERE, 2009).

Dentre os ideais expressos no Manifesto de 1932 destacam-se de acordo com Saviani (2013) e Azevedo et al. (2015):

a. Adoção de uma escola única, com escolarização comum, não diferenciada entre o ensino da elite e dos pobres, obrigatória, gratuita e laica para crianças a partir de sete anos de idade;

b. Escola do trabalho, a qual tinha como ideia inicial estimular as observações e experiências dos jovens, promovendo uma educação que fosse prazerosa e essencialmente prática, que formasse o indivíduo integralmente24,

embora, para Saviani (2013) poderia ser, implicitamente, uma forma de usar a educação para o trabalho apenas para a formação de mão-de-obra para o mercado de trabalho;

24 A educação Integral prevista no Manifesto é uma crítica à formação dada pela escola tradicional, a

qual, de acordo com os signatários, privilegia apenas o intelectual da criança. A Escola Nova, então, acredita em uma educação mais prática, alegre e que desperte a criatividade, a curiosidade e a busca de respostas para satisfazer essas necessidades de aprendizagem dos alunos. A formação integral também se refere à formação para o trabalho, para jovens nos cursos secundários e na formação universitária. Não há menção, no texto, ao tempo de permanência na escola.

c. Escola-comunidade, cuja ideia era que as atividades escolares fossem organizadas de forma a incentivar o trabalho em grupo e desenvolvendo o convívio social.

O objetivo principal do Manifesto de 1932, de acordo com Azevedo (2015) era renovar a educação, a qual era, até então, focada apenas na alfabetização. Essa renovação viria através da implementação de um modelo de ensino proposto por Fernando de Azevedo, que também viria a ser signatário do Manifesto, e que já havia sido desenvolvido em Minas Gerais e no Distrito Federal, em 1927.

Anísio Teixeira entendia a educação como fundamental no desenvolvimento e modernização da sociedade. Sua atuação foi marcada por fortes oposições às forças sociais dominantes, as quais, segundo ele, eram contra qualquer transformação social que superasse as grandes desigualdades sociais presentes no país. (AZEVEDO, 2015).

Para Saviani (2013) o Manifesto de 1932 pode ser assinalado tanto como um documento doutrinário como de política educacional. Como documento doutrinário, está alinhado aos ideais da Escola Nova, que tem uma filosofia de “aprender a aprender”, colocando o aluno no centro da aprendizagem e proporcionando-lhe ferramentas para que se adaptasse a uma sociedade em processo constante de mudanças, em busca de seu espaço social

Essa concepção é oposta à escola tradicional, a qual é passiva, verbalista e privilegia apenas o desenvolvimento intelectual da criança. (AZEVEDO et al., 2015). E, como manifestação política, além de propor um sistema nacional de educação amplo e bastante abrangente, defende, em diversos momentos, a escola pública gratuita, desde a educação infantil até o ensino universitário, como meio de garantir acesso a todos e promover igualdade e justiça social. (SAVIANI, 2013; AZEVEDO et al., 2015).

Apesar da forte defesa da escola pública e democrática, o Manifesto de 1932 defende uma educação mais pragmática, voltada para o trabalho individual, desenvolvimento econômico e progresso das ciências com base em uma sociedade industrializada, que se projetava à época. (AZEVEDO et al., 2015). O documento foi apoiado por intelectuais com diferentes visões, os quais Saviani (2013) classifica em três categorias:

1. Liberal-idealista: tendência representada pelos principais canais de imprensa e por professores de filosofia e história da educação da Universidade de

São Paulo, os quais entendiam o indivíduo como ser livre e racional. Nesta corrente, a pessoa é considerada um ser supremo e que independente de sua condição social e histórica, deveria desenvolver sua individualidade. A diversidade (social) deveria ser preservada, sendo a igualdade entendida como uma falácia. Com base em Kant, a educação deveria humanizar o homem, convertendo-o em um ser moral;

2. Liberal-pragmatista: educadores do movimento renovador “Pioneiros da Escola Nova”. Tendo as ideias de John Dewey como inspiração, para quem o pragmatismo (prática) era fator de desenvolvimento do homem, entendiam que a educação escolar tradicional reforçava os privilégios e injustiças da sociedade capitalista. Defendiam uma escola nova, que fosse “[...] capaz de produzir indivíduos orientados para a democracia, e não para a dominação/subordinação; para a cooperação, em vez da competição; para a igualdade, e não para a diferença.” (CUNHA, 1994, p. 133) promovendo, assim, a verdadeira reconstrução social, sem diferenciar trabalhos manuais e intelectuais;

3. Socialista: Florestan Fernandes era o principal representante. Esta corrente procurava entender a educação a partir de seus determinantes sociais, considerando a escola e a educação como fatores de “transformação social provocada.” (SAVIANI, 2013, p. 290). Das três correntes, é a mais enfática ao defender a escola pública gratuita.

Saviani (2013) destaca que os defensores da escola pública almejavam a regulação das escolas privadas pelo Estado. E os privatistas, por sua vez, defendiam uma escola privada com liberdade de ação, sem fiscalização do Estado, mas subvencionada com recursos públicos. Em 1950, Anísio Teixeira, um dos signatários do Manifesto de 1932, inaugura o Centro Educacional Carneiro Ribeiro na periferia de Salvador (Bahia). Esta experiência pode ser considerada a primeira efetivação dos ideais presentes no Manifesto de 1932, incluindo a educação integral, com ampliação do tempo de permanência dos alunos.

Já na década de 1980 duas propostas pedagógicas ganharam destaque, de acordo com Saviani (2013), as quais foram denominadas de pedagogias contra- hegemônicas: as propostas centradas nas ideias de Paulo Freire, próximas da Igreja pela afinidade com a Teologia da Libertação, nas ideias libertárias das teorias anarquistas, baseada nos saberes populares e na autonomia de suas organizações. As pedagogias contra-hegemônicas, para Saviani (2013), podem ser subdivididas em duas correntes: a. Pedagogias da educação popular – educação do povo, para o povo,

pelo povo, em contraposição àquela da elite para o povo, mas contra o povo; b. Pedagogias da prática – trabalhavam com o conceito de classe, mas eram inspiradas na educação libertária, com princípios anarquistas.

Contrárias ao ensino religioso nas escolas, duas correntes diferentes de pensadores pretendiam transformar as escolas em espaços de expressão e exercício da autonomia popular, como forma de valorizar o acesso de camadas populares ao saber sistematizado. Aproximavam-se do marxismo, seja na crítica às desigualdades sociais e na busca de garantir o acesso e permanência de todos na escola, ou na tentativa de compreender os fundamentos do materialismo histórico e articular a educação numa concepção oposta à concepção liberal. São elas: a. Pedagogia crítico-social dos conteúdos – considera que a primazia dos conteúdos é o critério para diferenciação das pedagogias entre progressistas (de esquerda) ou conservadoras (reacionária); b. Pedagogia histórico-crítica – nova teoria pedagógica, teoria crítica não-reprodutivista, entende a educação como mediadora da prática social, a qual é vista como ponto de partida e de chegada da prática educativa. (SAVIANI, 2013).

Ainda nos anos 1980, destaca-se a experiência carioca dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), os quais tiveram importante papel na implementação e divulgação das ideias de educação integral. A concepção de educação integral dos Cieps, alinhada aos ideais libertários, reconhecia a criança como um todo e buscava essa formação com atividades diversificadas, que desenvolvessem os aspectos cognitivos, motores, intelectuais e social, o que foi possível devido à ampliação do tempo escolar. (MAURÍCIO, 2009).

Já no início dos anos 1990, outras experiências de ampliação do tempo escolar foram implementadas, algumas, inclusive, em capitais tais como: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. No entanto, a primeira experiência de abrangência nacional de educação integral aconteceu em 2007, com a criação do Programa Mais Educação, o qual será abordado mais adiante neste trabalho.

2.3. A INFLUÊNCIA EXTERNA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA E A EDUCAÇÃO