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A dicotomia velho/novo: dois sentidos construindo as disputas eleitorais

II. FUNCIONAMENTOS DISCURSIVOS DOS GÊNEROS: DEBATE POLÍTICO,

2.1. Debate político

2.1.4 A dicotomia velho/novo: dois sentidos construindo as disputas eleitorais

Da análise do funcionamento do debate de campanha, é possível dizer que nesse tipo de interlocução estão explicitamente presentes as disputas de representações de projetos de administração. Nos recortes analisados e no corpus, de modo geral, tanto em discursos de candidatos à reitoria, como de candidatos à coordenação de campus universitário, constatamos que esse tipo de discursos quase sempre se esteia na dicotomia velho/novo. As relações de força, de disputa de poder se efetivam na busca de anulação do velho em nome da inserção do novo. Essa polarização discursiva produz como efeito de sentido a existência de, pelo menos, duas vozes que contracenam, a partir de imagens sociais dicotomizadas nas quais se sustenta o discurso de eleição, na universidade, nos moldes em que ocorre nos discursos político-partidários: a voz da situação e a voz da oposição; no entanto, como já observamos, esses discursos não se mantêm homogêneos, pois a relação é de entrecruzamentos, incorporações e trocas de enunciados.

CC2- (...) nós vamos investir também com relação à extensão... por quê? porque nós vamos criar o laboratório/ por quê? ... porque aí a gente investe no aluno... a gente vai investir onde realmente onde o dinheiro dessa instituição deve ser investido...

(...)

e com base nessas falhas desses anos né?... que estão passando de administração a gente realmente pretende fazer algo novo... pretende buscar algo novo... (...) a gente pede pra que vocês entrem nessa luta com a gente e se comprometam também na mudança dessa instituição... numa maior participação aqui dentro... numa maior democracia aqui dentro... numa maior descentralização de funções...

(1DC3,, F15A, T16)

As formas verbais vamos investir, vamos criar, deve ser investido, remetem a ações futuras que se traduzem em promessas tão comuns aos discursos de eleição de modo geral.

A idéia do ‘novo’ em substituição ao ‘velho’ se explicita ainda mais pelas expressões fazer algo novo, buscar algo novo...., em que o interlocutor é instado a aderir aos propósitos discursivos do locutor: a voz opositora se apresenta como a ruptura de ações passadas e presentes, em favor da mudança. O qualificador ‘novo’ produz os sentidos dessa mudança ao se vincular a cada ação prometida.

Outro mecanismo mobilizado para reforçar o argumento e obter a adesão do outro é o topos da quantidade: numa maior participação aqui dentro... numa maior descentralização de funções... Segundo Perelman (1988:97): os lugares da quantidade, são os lugares-comuns que afirmam que uma coisa é melhor do que outra por razões de quantidade. Nesse sentido, na atividade argumentativa, o ouvinte é sempre levado a considerar lugares onde estão amparados os argumentos do locutor, sem os quais a conclusão não ficaria fundamentada. Pelo recurso ao aspecto quantitativo, o locutor constrói argumentos que se sobrepõem ao do adversário, considerado adepto de práticas ‘velhas’. O apelo para que o interlocutor entre na luta, envolva- se, comprometa-se com os sentidos encaminhados se justifica por maior participação dos estudantes, maior democracia, maior descentralização de funções. Em outras palavras, o apelo ao interlocutor se justifica pela substituição de

práticas administrativas implicitamente autoritárias por práticas novas e democráticas.

Contrariamente, como já referimos, a voz da situação se apóia em ações iterativas, ou seja, o quadro de referência construído para orientar representações do interlocutor, adota como base argumentativa ações que se repetem e perduram no tempo:

[10]

CC3- é... em primeiro instante eu gostaria de dizer pra vocês que compromisso... nos colocamos na chapa enquanto compromisso porque tudo que até então tudo que temos feito... trabalhado... eu e o professor D. nesse campus... é com compromisso com o ensino superior... com a universidade...

(1DC3,, F15A, T16)

[11]

CC3- (...) gostaria de fazer alguns comentários... em cima de / que todo mundo conhece qual é meu programa que é aquilo que a gente vem trabalhando e trabalhando no sentido de consolidar cada vez mais esse campus... de fazer disso aqui uma universidade no futuro...

(1DC3,, F15A, T16)

Em [10], trata-se de um discurso proferido por um terceiro candidato que disputava a reeleição com as duas candidatas já referidas (CC1 e CC2). Como já observamos, o terceiro candidato à coordenação do campus (CC3) participou apenas do primeiro debate realizado, momento em que desistiu de sua candidatura.

Constata-se, na mobilização dos recursos expressivos do discurso de CC3, formas verbais cujos sentidos remetem a ações em desenvolvimento (temos feito, vem trabalhando), o que pode ser interpretado como argumentos em favor da continuidade de um projeto de universidade.

No recorte [11] essa idéia se repete na expressão consolidar cada vez mais. Observe-se que a forma verbal ‘consolidar’ expressa um tempo futuro, no entanto, não se desvincula da idéia de que algo já foi iniciado (pois não se consolida o que não existe ainda) e ganhará consistência, no futuro. Por esse

recurso, anula-se o discurso do novo porque este se pauta justamente na ausência de experiências, isto é, joga com a possibilidade.

Coracini (1991), procurando estabelecer relações entre os tipos de raciocínio a que recorrem os discursos políticos e os discursos científicos, assevera que, no discurso político, o homem público observa a situação de seu país, as necessidades, reivindicações, hábitos, ideologias de seu povo e seleciona os dados em função do seu ouvinte (op. cit., p. 43). Tais dados são interpretados pelo político com base em valores que pressupõe existirem no ouvinte. Seguindo esse raciocínio, talvez se possa dizer que enquanto um discurso se pauta no novo, em ações novas, o outro (discurso de situação) se ampara em ações que supostamente validarão a sua ‘boa’ imagem face ao interlocutor. O ‘novo’ se esteia em ações prospectivas, justamente porque o objetivo é anular o velho e as ações passadas são vistas como superadas por propostas novas. Por isso no discurso do novo a competência administrativa se revela por aquilo que será capaz de inovar, ao passo que o ‘velho’ se ampara na experiência administrativa, cujas ações são ininterruptas, por isso esse discurso se pauta em ações já realizadas e em curso para transformá-las em argumentos.

Outro dado interessante é o fato de as estratégias argumentativas em que se apóia a voz da oposição textualizarem-se em ações futuras quase sempre acompanhadas de modalizações de caráter deôntico. Como se pode ver, nos recortes que se seguem, tais estratégias estão presentes no discurso de campanha.

[12]

CC2- (...) então nesse sentido nós vamos sim incentivar... mas vamos incentivar com um único objetivo nessa instituição... é realmente fazer o crescimento dessa instituição...

(1DC3, F15, T16)

[13]

CR- (...) você tem a estrutura e o problema tem que voltar/ adaptar à estrutura... não pode... tem que mudar a universidade se for necessário para as necessidades de base e não o contrário...

Os recortes [12] e [13] foram extraídos de discursos produzidos em momentos distintos e por pessoas distintas: uma candidata à coordenação de um campus e um candidato à reitoria da universidade, respectivamente. No recorte [12], os advérbios modalizadores (sim e realmente) sugerem um trabalho do locutor em fazer valer e transformar em verdades as suas promessas. Assim, temos: vamos sim incentivar, em que o advérbio ‘sim’ afirma e garante o cumprimento da promessa. Esse mesmo efeito categórico se repete no enunciado: ...é realmente fazer o crescimento dessa instituição, em que o advérbio ‘realmente’ atesta a certeza da ação futura.

No segmento [13], as modalizações deônticas (tem que ) são ‘marcas’ expressivas que também conferem ao discurso um tom categórico, uma necessidade imperiosa de mudança face a novas necessidades. As representações de candidato construídas para si e para os interlocutores orientam o emprego de modalizações que funcionam como estratégias argumentativas capazes de validar o discurso e de angariar a adesão do outro.

As análises feitas do funcionamento do debate nos dão a noção de que o debate político parece ser a instância enunciativa onde se explicita a polaridade de discursos. Os sujeitos se encontram em competição declarada, a qual aparece marcada na materialidade do discurso. Nesse espaço de interação - talvez mais do que em outros gêneros discursivos produzidos na universidade - os sentidos que circulam na e sobre a universidade são construídos por um trabalho de negação de outros dizeres, produzindo o apagamento de outras vozes e, paradoxalmente, por esse mesmo recurso, possibilita-se o aparecimento das vozes negadas. Nessa relação de alteridade constitutiva, coloca-se em cena o jogo de poder, presente nas práticas políticas estabelecidas na universidade. Para Geraldi25, em campanhas

eleitorais para cargos na IU não há um gênero discursivo comum a outras

campanhas eleitorais externas à universidade: o comício. Na verdade, as campanhas eleitorais externas à universidade extraem do mundo acadêmico a idéia de debate (sempre tida como debate racional), de modo que a introdução do debate no discurso político fora da universidade gera a questão de competência. Como na universidade se busca a verdade, se faz ciência, etc., em suas campanhas eleitorais trata-se de pôr em confronto as posições para um julgamento racional (próprio da universidade!), orientado pela noção de conhecimento, pela razão. Por isso, o gênero “comício” não ocorre nestas campanhas. A noção de competência é discutida do ponto de vista do conhecimento, ou seja, a competência passa pela detenção de um certo saber. Trata-se do discurso competente como discurso do conhecimento, tal como postula Chauí (2003), a que fizemos referência no início deste capítulo.

Verificamos que, além do debate, em outros espaços de interação, o discurso competente produzido de um ponto da hierarquia organizacional também produz sentidos legitimadores de poder na relação com um saber, por exemplo, na reunião administrativa, como veremos a seguir.