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O ensino, a pesquisa e a extensão: bases de atuação da universidade

I. A INSTITUIÇÃO UNIVERSITÁRIA E A CIRCULAÇÃO DE DIFERENTES

1.1. A universidade face a novos desafios advindos da modernidade tardia e da pós-modernidade

1.1.3. O ensino, a pesquisa e a extensão: bases de atuação da universidade

As três funções da universidade estabelecidas pelo modelo de universidade alemão – investigação, educação cultural e ensino - parecem ter constituído a idéia da maioria das universidades por muito tempo, vindo a ser abaladas em função de pressões e transformações da sociedade a que foi submetida a universidade, na década de sessenta, intensificando-se nas décadas de 1970 e 1980. Face aos valores da sociedade moderna, a IU é, nesse novo contexto,

convocada a privilegiar os aspectos utilitário e produtivo, em detrimento da dimensão cultural. A unicidade, ainda que abstrata, dessas funções, é alterada, principalmente no nível das políticas universitárias concretas, as quais produziram a multiplicidade de outras funções no interior da universidade (Santos, 1995).

A prestação de serviços à comunidade, sob a rubrica de ‘extensão universitária’, surge nesse momento em que novas demandas sociais são dirigidas à universidade e esta procura redefinir sua identidade de modo a refletir sua condição de mais compromissada com os interesses sociais, de garantir a continuidade de sua relevância na sociedade. A prestação de serviços seria então a manifestação do compromisso social da IU, através de ações que vão além do ensino e da pesquisa.

Muitos estudos sobre a história social e política da instituição universitária, desde o seu surgimento até os dias atuais10, nos permite constatar

que os discursos que tematizam a crise da universidade se centram sempre nas esferas sociais com as quais a universidade, desde a sua origem, mantém uma relação paradoxal de absorção e conflito – A Religião, O Estado (a Razão) e o Mercado. Nesse sentido, Le Goff (op. cit.) assinala que na Idade Média, especialmente no século XIII, a universidade já enfrenta uma série de crises, dando sinais de amadurecimento e amoldando-se às estruturas sociais e novas atitudes intelectuais. O poder da universidade representado pelas corporações ameaça e inquieta outros poderes. Assim, em busca de sua autonomia, a universidade se vê obrigada a lutar ora contra os poderes eclesiásticos, ora contra os poderes leigos.

Por outro lado, a universidade, ao buscar soluções para responder às demandas orientadas por essas instituições (Religião, Estado e Mercado), procurou fixar suas bases de atuação nas suas funções tradicionalmente representadas pelo ensino e pela pesquisa. Ou seja, de acordo com as demandas

formadas em cada contexto histórico, a universidade centrou maiores esforços ora no ensino, ora na pesquisa e, num certo momento, sobretudo a partir dos anos sessenta11, sentiu-se pressionada a assumir as chamadas atividades de extensão como alargamento de suas responsabilidades sociais porque a demanda social assim exigiu-lhe. Nos dias atuais, a extensão tem-se configurado, para alguns autores, como a via privilegiada de expansão das atividades da universidade.

Não obstante o esforço que a universidade sempre empreendeu para manter-se relevante em relação ao que a sociedade demanda, as mudanças de centralidade de uma função para outra parecem ter sido sempre permeadas de tensões, ao longo da existência da universidade. Talvez se possa dizer que quando a universidade foi pressionada a deslocar o centro de suas ações do ensino para a pesquisa e desta para a extensão, tais mudanças se operaram sob o enfrentamento de conflitos entre a ação que vinha sendo privilegiada e a que passava a exigir centralidade.

A seguir, tentaremos discutir os movimentos internos a cada uma das três funções principais da IU, observando que tais movimentos se efetivam justamente pelo confronto instalado entre elas a despeito do que à universidade foi encaminhado enquanto demanda da sociedade.

a) Ensino

Com a criação da universidade moderna, novos modelos de universidade foram elaborados e cada um deles traz em si um tratamento

11Na percepção de Silva (2002), somente a partir de 1968 a extensão foi defendida legalmente como função da universidade brasileira, no entanto, a noção de extensão na universidade nunca se apresentou de forma consensual. Para alguns, a extensão é defendida como função indissociável de outras funções: pesquisa e ensino; para outros, a extensão se configura como uma atividade complementar.O certo é que não se verifica uma noção de extensão como resultado de uma ação interativa entre saber produzido na academia e saber popular, com a finalidade de produção de novos saberes, como propõe Santos (1995).

destinado à pesquisa e ao ensino12. Alguns centraram o foco no ensino profissional, como foi o modelo napoleônico, outros na produção de alto conhecimento desinteressado de uma aplicação imediata, como postulava o modelo alemão, outros ainda na junção destes dois modelos. Santos (op. cit., p. 193) afirma que

A centralidade da universidade enquanto lugar privilegiado da produção da alta cultura e conhecimento científico avançado é um fenômeno do século XIX, do período do capitalismo liberal, e o modelo de universidade que melhor o traduz é o modelo alemão, a universidade de Humboldt.

Com a crise do capitalismo, na primeira metade do século XX - momento em que o Estado passa a atuar como provedor de bem-estar-social por meio de políticas sociais - essa concepção de universidade entra em relativa dissintonia com as novas exigências para fazer frente aos processos de reestruturação produtiva em tempos de globalização. Nesse período forjou-se o modelo de universidade a que Castanho (op. cit.) denomina de democrático-nacional- participativo. Configura-se como um momento em que a sociedade liberal começa a exigir formas de conhecimentos técnicos, conhecimentos estes que a universidade tem dificuldades de incorporar (Santos, op. cit.). A ciência e a tecnologia, antes encaradas como suporte do capital, nesse novo cenário se convertem em agentes de acúmulo do capital, ou seja, ciência e tecnologia são produzidas de acordo com o que mercado exige e não com o que a universidade define como prioridade. Exigem-se agora conhecimentos produzidos também para a classe popular e não

12 Castanho (2001) apresenta uma síntese de cada modelo de universidade forjado em diferentes contextos históricos, denominando-os de modelos clássicos modernos de universidade: i) o modelo idealista alemão; ii)o modelo imperial napoleônico; iii) o modelo elitista inglês e iv) o modelo utilitarista norte-americano. Este último, segundo o autor, passou por modificações significativas, a ponto de fazer surgir, no final do

mais apenas a formação cultural e científica de uma elite, o que vai produzir alterações curriculares no ensino superior, que passa a contemplar, além da formação geral, também a formação profissional específica.

Desse modo, a universidade procura reafirmar sua hegemonia trazendo para o seu interior a cisão educação-trabalho. A educação antes centrada na formação intelectual do indivíduo, na socialização adequada para o desempenho da direção da sociedade, com a automatização das empresas e, conseqüentemente, a exigência de um novo tipo de trabalhador, nesse novo contexto, passa a ser educação para o trabalho, ou seja, a IU é pressionada a contemplar ensino de conhecimentos especializados para atender às exigências do desenvolvimento tecnológico no espaço da produção. O trabalho, antes restrito ao desempenho da força física, reveste-se agora de uma dimensão intelectual e, desse modo, a dicotomia não mais se limita aos termos educação-trabalho, mas se aplica também internamente a cada termo da relação dicotômica, isto é, a educação antes voltada exclusivamente para a formação intelectual passa a contemplar a formação para o trabalho (eis aí a primeira dicotomia interna ao próprio termo educação) e o trabalho antes reservado à força física passa a adquirir uma dimensão intelectual, uma vez que passa a ser exigida uma formação profissional qualificada para certas profissões que antes adquiriam treinamento na própria empresa (assim temos a segunda dicotomia interna ao termo trabalho). Verifica-se, então, a cisão entre cultura geral e formação profissional, de um lado, e trabalho não qualificado e trabalho qualificado, de outro (Santos, op. cit.).

Considerando todas as implicações advindas dessas dicotomias, há ainda que considerar a posição da universidade no mercado de trabalho. Se por um lado a universidade não consegue manter o controle da formação profissional, já que não está mais reservada somente a ela essa tarefa, mas também a outras instituições que se multiplicam para atender a um mercado a cada dia mais

exigente, por outro, a universidade também se sente abalada quanto ao desempenho de funções demandadas pelo mercado em relação à volatilidade e ao perfil da formação profissional. O tempo de formação do profissional pela universidade quase sempre não corresponde ao tempo de absorção produtiva desse profissional, já que as solicitações de profissionalizações pelo mercado não têm o mínimo de estabilidade, dadas as constantes alterações do perfil profissional exigido, e, por isso mesmo, a universidade, quanto ao alcance de seus objetivos, se mostra sempre aquém das expectativas do setor produtivo.

Mesmo admitindo que a universidade tenha conseguido acomodar no seu interior a existência de dois mundos - o mundo da educação e o mundo do trabalho - minimizando, assim, a perda de centralidade de uma cultura de elite diante da emergência de uma cultura de massas e da exigência cada vez mais sofisticada dos processos produtivos, a dicotomia educação-trabalho também começa a ser questionada, no que diz respeito ao tempo de oferta de um e de outro segmento dessa dicotomia. A busca crescente de produtividade industrial exige uma re-configuração da dicotomia educação-trabalho, no sentido de que os dois segmentos da dicotomia - educação-trabalho - deixam de ter uma relação seqüencial, ou seja, uma relação que se configura na oferta da educação profissional seguida do exercício da profissão, e exige-se que educação e trabalho sejam ofertados a um só tempo - exigência incompatível com o tempo de formação profissional definido pela universidade. Nessa nova exigência, a formação e o desempenho da profissão devem fundir-se num mesmo processo produtivo, o que se configura, hoje, como educação permanente ou educação continuada (Santos, op. cit., p.193-198).

O ensino superior se altera, portanto, na medida em que não se trata mais de apenas promover a formação profissional para a disponibilidade do mercado, mas também de assumir continuamente a atualização do profissional,

considerando que não há mais uma relação direta entre emprego e trabalho, dadas as flutuações de profissões exigidas pelo mercado. Por isso, a exigência da formação continuada a cada novo tipo de profissão, mantendo assim, o profissional continuamente qualificado para as necessidades emergentes e flutuantes do mercado. Em outros termos, o compromisso da universidade não se esgota mais ao ofertar uma formação profissional específica, mas consiste em atender continuamente as demandas rotativas que o mercado apresenta.

Parece que a crise da universidade se aprofunda nesse espaço entre o que ela forma e o que a sociedade quer que ela forme, o que vai ocorrer também, em grande medida, no espaço da pesquisa, como veremos adiante.

Antes a universidade não tinha como função a formação de certos tipos de profissão; certas formações eram adquiridas no próprio trabalho. A empresa agora, sem dispor de tempo algum para essa aprendizagem no trabalho, exige que a universidade disponibilize para o mercado do trabalho um profissional que já saiba fazer, ou seja, que a universidade forme até o fim a força de trabalho, coisa que talvez ela não seja capaz de fazer, pois historicamente não foi preparada para substituir a empresa no âmbito de certas profissionalizações, uma vez que esta possui uma maquinaria de que só ela dispõe, maquinaria com a qual o profissional vai operar no momento de inserção no trabalho. É para esse aspecto que se volta a crítica de Wolff (op. cit.) quando se refere ao segundo modelo de universidade (a universidade como campo de treinamento para as profissões liberais), ao colocar em questão a competência da universidade para oferecer formação paras certas profissões liberais.

Essas novas exigências constituem, do nosso ponto de vista, um novo elemento motivador da crise atual no ensino. No entanto, não obstante a incapacidade de a universidade exercer com eficiência essa tarefa, no que diz

respeito ao controle da educação profissional, não se pode dizer que a sua atuação nesse sentido seja inexistente. Sobre esse aspecto alerta Chauí (2000):

A universidade adestra sim [mão-de-obra], como a empresa também o faz. O fato de que a formação universitária possa ser encurtada e simplificada e que a empresa possa ‘qualificar’ em algumas horas ou em alguns dias prova simplesmente que quanto mais cresce o acervo cultural e tecnológico, assim como o próprio saber, ‘tanto menos se deve ensinar e tanto menos se deve aprender (op. cit., p. 55).

Para a autora, com a reforma - realizada a partir de 1968 para resolver a ‘crise estudantil’ -, deixa de ser tarefa da universidade produzir e transmitir a cultura (dominante ou não), mas treinar indivíduos a fim de que sejam produtivos para quem for contratá-los.

Nessa nova ordem, a universidade, cuja tradição foi a de conservar e criar novos conhecimentos, tem seu sentido alterado quando se exige que ela deve reunir formação e trabalho (num prazo recorde, nos moldes da dinâmica do mercado e não dela própria), justamente porque a empresa inserida na dinâmica de acúmulo rápido de capital, não quer perder tempo com o treinamento em serviço. Por sua vez, a universidade, sem querer perder a centralidade, enfrenta uma situação paradoxal que a coloca numa posição entre seguir a sua tradição e atender a exigências externas, pois como diz Santos (1995):

Dado o modo como se reproduzem as contradições e as tensões nas dicotomias alta cultura-cultura popular, educação-trabalho, teoria-prática, em processos sociais cada vez mais complexos e acelerados, a universidade não pode deixar de perder a centralidade, quer porque ao seu lado vão surgindo outras instituições que lhe disputam com sucesso algumas das funções, quer porque, pressionada pela

“sobrecarga funcional”, é obrigada a diferenciar-se internamente com o risco permanente de descaracterização (Santos, op. cit., p. 210).

Ainda nas palavras de Santos, (1995:187): duplamente desafiada pela sociedade e pelo Estado [e mais recentemente pelo Mercado], a universidade não parece preparada para enfrentar os desafios, tanto mais que estes apontam para transformações profundas e não para simples reformas parcelares.

É possível dizer que a incapacidade de a universidade reagir aos desafios apontados pelo Estado, pela sociedade, pelo setor produtivo, são desafios que a acompanham desde o seu surgimento. Em alguns momentos, a universidade respondeu a esses desafios enrijecendo suas estruturas como resistência à mudança, em outros, cedeu às imposições externas, correndo o risco de se descaracterizar. No entanto, ainda que tenha se desenvolvido e exercido um papel significativo no desenvolvimento social, parece defasada com relação às expectativas de uma sociedade que muda a cada dia e exige um novo desenho de universidade.

Como observa Wolff (op. cit.), ainda tratando do segundo modelo de universidade, as transformações de atividades ocupacionais em profissões liberais podem ser tributárias do aumento do componente técnico ou teórico do mundo moderno. Mas lembra que muitas profissões que vão surgindo nesse novo contexto não passam de meros empregos revestidos de grande importância, sem qualquer argumento que justifique a inclusão dessas profissões na universidade, a não ser pelo fato de se revestirem de importância. Obviamente que isso só traria vantagens para as novas profissões, de modo que se os agentes funerários puderem persuadir a universidade pública a estabelecer um diploma – e, ainda mais, um diploma de graduação! – em Ciência Mortuária, podem então revestir-se bem literalmente com as becas da

academia, para o proveito espiritual e financeiro de toda a profissão (op. cit., p. 38), argumenta o autor, num tom jocoso e sério ao mesmo tempo.

Nessa perspectiva, o autor põe em questão o papel da universidade contemporânea, no que concerne à formação profissional. Para Wolff, a formação profissional requer o estabelecimento de relações que ultrapassam os limites da universidade. Em outras palavras, a formação profissional demanda o envolvimento da universidade com certas atividades com as quais docentes e discentes não podem comprometer-se.

A argumentação de Wolff faz entrever mais uma vez a relação paradoxal da universidade com a sociedade que está sempre a lhe demandar novas re- configurações: profissões que até então se desenvolveram fora dos muros da universidade, isto é, nunca precisaram de um diploma de ensino superior, hoje passam a integrar o elenco de cursos de formação profissional, enfim, a requerer um diploma de nível superior. Exemplo paradigmático e recente é a formação de profissionais da área de informática: antes da oferta dos cursos de Ciências da Computação, Engenharia da Computação ou Análise de Sistemas, os profissionais se formavam no trabalho; hoje o mercado já transferiu a responsabilidade desse tipo de formação para a universidade, no que concerne à formação inicial e teórica. A transferência de tal função para a universidade produz um redimensionamento do ensino antes definido pela própria universidade com base no que ela vislumbra como necessidade social.

Desse modo, a universidade é chamada a atuar na formação de competências capazes de atender à dinâmica do mercado competitivo. Por essa via, cursos e disciplinas desaparecem e outros novos surgem como formas de respostas a novas demandas de setores da sociedade. Além disso e talvez por isso mesmo, em concorrência com a universidade, instituições paralelas vão surgindo com o objetivo específico de qualificar essa mão-de-obra para o mercado.

Curiosamente, se outras instituições são capazes de conferir formação profissional, o que teria motivado certas profissões a buscarem a chancela da universidade, conferindo-lhes um diploma de nível superior antes não exigido? Para Chauí (2000), o que leva os empregadores a fazerem exigências de uma formação de ensino superior aos candidatos a empregos não é efetivamente decorrente de uma necessidade real de instrução avançada, mas simplesmente em virtude da disponibilidade de diplomados.

Obviamente que esta é uma via possível de se pensar a exigência de diplomas antes não existentes para certas profissões, na medida em que o diploma deixou de ser um critério forte de seleção, ou seja, a exigência do diploma decorre da disponibilidade do mesmo na sociedade, mas, acompanhando o pensamento de Foucault (1971), pode-se dizer que muito rapidamente “sociedades de discurso” se constituem nesta formação para o mercado e para o trabalho e passam a estabelecer regimes específicos de apropriação dos saberes de modo a controlar e rarear os sujeitos falantes autorizados a proferir o discurso profissional. Se antes a raridade de uma comunidade de discursos se operava internamente a uma ‘cultura de elite’, uma vez que nem todos os cursos possuíam um mesmo significado social13, hoje quando a universidade não está mais reservada a um grupo social, o

diploma passa a ser condição de inserção mesmo em setores produtivos que prescindem de diploma. Trata-se dos ritos de instituição de que fala Bourdieu (1982). De acordo com o autor, o principal efeito do rito passa quase sempre despercebido: ao consagrar a diferença, ele a institui, consagrando e sancionando um estado de coisas.

13 Como sugere Certeau (1993), o fato de a universidade até pouco tempo transmitir uma cultura de elite não significa que todas as faculdades possuíam o mesmo significado social. O Direito, a Medicina ofereciam [e oferecem] mais privilégios socioprofissionais do que Letras, por exemplo.

Instituir, atribuir uma essência, uma competência, é o mesmo que impor um direito de ser que é também um dever ser (ou dever de ser). É fazer ver a alguém o que ele é e, ao mesmo tempo, lhe fazer ver que tem de se comportar em função de tal identidade[...]. Instituir, dar uma definição social, uma identidade é também impor limites [...], fazer o que é de sua essência fazer e não qualquer outra coisa (Bourdieu, op. cit., p. 100).

Em outras palavras, a universidade é chamada a participar, em nome de sua própria “atualização”, dos regimes de exclusão. A chancela do diploma é um modo de oficializar um conjunto de saberes e práticas com o pomposo nome de “ciência”. Mas a própria universidade que passa a ser chamada a participar do rito de instituição, agora submetida a critérios de produção e eficácia, é também, ela própria, submetida à chancela da avaliação institucional, por sua produtividade – outro rito de instituição que se traduz em mecanismo capaz de produzir hierarquias entre instituições mais eficientes e instituições menos eficientes. Passa-se a exigir o ‘selo de qualidade’ que é adquirido graças ao ritual da avaliação institucional como um todo, orientado por critérios externos à própria universidade. Na pesquisa, o movimento de re-configuração ocorre de forma semelhante, rumo a uma demanda mercadológica, como discutiremos a seguir.

b) a pesquisa

Sabe-se que desde o século XIX a universidade reclamou para si o lugar privilegiado de produção do conhecimento que, no contexto de uma visão liberal, se desenvolveu pautada na busca desinteressada do saber e na não interferência do Estado. De acordo com o modelo alemão, em nome da autonomia na busca da

verdade, a universidade concentrou todos os seus esforços na investigação pura ou básica.

Ainda no século XIX e no século XX, vemos a expansão do papel da universidade no desenvolvimento da pesquisa aberta a diferentes setores da sociedade. Para Featherstone (2000), até o momento em que o Estado era atraído por grupos financeiros menores e as pressões se efetivavam no sentido de se