• Nenhum resultado encontrado

Diferenciação/ Diversificação e crescimento do sistema de ensino superior

processo de ampliação do acesso ao ensino superior. Com a expansão surgiu a necessidade de transformação do sistema de ensino superior, com a presença de IES mais flexíveis como alternativa ao modelo de universidades tradicionais, sustentadas no tripé ensino, pesquisa e extensão. Elas seriam responsáveis pelo atendimento de demandas específicas da sociedade, e não seguem a linha de formação de pesquisa

acadêmica. O setor privado no Brasil assumiu essa posição para oferecer a formação mais flexível (SAMPAIO, 2000).

O crescimento do setor privado possibilitou a expansão do sistema com vias a se transformar de um sistema de elite para um sistema de massa (TROW, 1973; 2005). Desta forma, os sistemas apresentam diversificação em relação aos tipos de formação e instituições, se diferenciando entre instituições clássicas com viés acadêmico e aquelas com configurações mais flexíveis, voltadas para o aprendizado de uma profissão, chamadas de educação vocacional (MONT’ALVÃO, 2015).

Esses processos vêm ocorrendo desde o século XIX nos Estados Unidos e principalmente na Europa, intensificando-se na segunda metade do século XX, quando adquire universalidade em resposta a diferentes estímulos, como a resistência das universidades clássicas a um processo de abertura, a demanda por inclusão social e a demanda por uma formação mais dinâmica e rápida para atender às necessidades do mercado de trabalho (PRATES, 2005). No esquema de organização da educação vocacional, os estudantes são socializados com ambientes de trabalho e com as competências necessárias para uma grande variedade de ocupações. (MONT’ALVÃO, 2015, p. 2).

Para Mont’Alvão, além da diversificação/diferenciação das IES que caracterizam a expansão dos sistemas de educação superior, outro aspecto presente de forma marcante é a estrutura de mercado. Com o aumento da demanda por educação superior, a diversificação entre as IES em um sistema de ensino superior permitiria a ampliação do acesso à educação superior, principalmente entre os jovens com maior dificuldade.

No caso do sistema brasileiro, as IES privadas ampliaram seu arco de atuação para atender às necessidades desse mercado e se estabeleceram como majoritárias no oferecimento de vagas dentro de um sistema em que a diferenciação ainda é bastante inexpressiva. Nosso sistema se concentra no modelo universitário que se apoia no tripé ensino, pesquisa e extensão para orientar a organização dos cursos e funcionamento das IES.

Esse formato centralizado surge como um obstáculo à diversificação das formações superiores e não atende às necessidades do seu crescente público alvo. Schwartzman (2001a) aponta a necessidade de uma reforma que garanta autonomia às IES e flexibilize a formação dos estudantes, garantindo a qualidade além dos critérios de credenciamento ofertados pelas IES tradicionais.

Em suas análises, tanto Schwartzman (2001a) como Mont’Alvão (2015) estabelecem a relação entre a diferenciação, como ponto importante para o crescimento, e a diversificação do sistema, alertando para os riscos da estratificação, que é um fenômeno indesejável, do ponto de vista da valorização dos diferentes tipos de formação e diplomas.

Não é a estratificação que é desejável, no entanto, mas a diferenciação das instituições. A idéia de que a estratificação é desejável decorre da visão tradicional da universidade como centrada nos modelos clássicos da research university. Um sistema diferenciado pode valorizar, igualmente, instituições de ensino, pesquisa, formação profissional, formação técnica, formação geral e formação vocacional, sem estabelecer necessariamente uma hierarquia entre elas. (SCHWARTZMAN, 2001a, p. 9).

A estratificação à qual os autores se referem se traduz na hierarquização de carreiras e instituições e propicia o crescimento de cursos com menor custo de funcionamento, especialmente nas IES privadas. A consequência direta se verifica na diferença de remuneração e colocação profissional, além do próprio público que costuma acessar essas carreiras (RIBEIRO; SCHLEGEL, 2015).

Para Schwartzman (2001a, p. 10), a diferenciação, em alguns casos, permitiria “encontrar as funções e os papéis mais adequados para os diferentes tipos de instituição e objetivos educacionais” mesmo com a estratificação como uma consequência inevitável. A multiplicidade de funções em uma mesma instituição, por exemplo, faz com que algumas carreiras ganhem mais prestígio do que outras de maneira bastante explícita fazendo com que a estratificação horizontal se estabeleça dentro das próprias IES.

O Brasil tem hoje, às vezes na mesma instituição, às vezes em instituições especializadas, centros de pesquisa e pós-graduação, faculdades de formação profissional, escolas vocacionais para cursos superiores de curta duração, e uma ampla gama de escolas de educação geral, que se escondem atrás das chamadas “profissões sociais”, sobretudo na área de administração, economia e direito. Muitas destas escolas são bastante ruins, e funcionam sobretudo como cartórios de emissão de diplomas; outras, no entanto, são razoáveis e boas, e dão aos estudantes as habilidades gerais, de conteúdo sobretudo social, que necessitam para participar das atividades não especializadas das sociedades modernas. (SCHWARTZMAN, 2001a, p. 10-11).

A discussão em torno da estratificação/diversificação é um dos aspectos do crescimento do sistema de ensino superior, que mantém profundas desigualdades, tanto no acesso, quanto em seu interior. Se por um lado percebem-se mudanças no contexto nacional, com a transformação de realidades, por outro, ainda persistem determinadas hegemonias como o alto índice de estudantes de classes abastadas matriculados em cursos com maior prestígio social (NEVES, 2012). Mesmo com as políticas de inclusão implementadas ao longo dessas duas décadas, Neves (2012) ressalta a necessidade de ampliação do alcance dessas políticas e da diversificação da oferta do ensino superior para diminuir essas desigualdades.

Essa questão se relaciona com a dificuldade de inserção e permanência dos estudantes de classes populares, pois os objetivos na busca pela formação superior vão ao encontro com o tipo de sistema de ensino que está disponível com todas as diferenças de curso, modalidade e prestígio social. A formação de demanda pelo ensino superior, portanto, não se esgota para efetivar a ampliação do acesso e atender aos anseios desse público. Por isso, o conjunto de ações voltadas à democratização devem ser coerentes com o tipo de sociedade. A presença de diferentes tipos de IES com formações diversificadas é uma realidade que não deve ser ignorada.

Os dois desafios descritos até o momento – relação entre classe e raça/cor e diferenciação/diversidade do sistema – estão intimamente ligados ao processo de expansão. Não é possível dissociar as duas questões, pois ao mesmo tempo em que há desigualdade social e a ampliação do acesso se constrói para a camada da população economicamente vulnerável, as instituições acabam necessitando de um modelo que associe qualidade na formação com flexibilidade, de acordo com o cotidiano do estudante. São consequências das medidas tomadas a longo prazo no campo educacional.

A partir do momento em que a educação superior passou a ser veiculada como uma necessidade para o mercado de trabalho e que a educação básica se tornou acessível a todos, o sistema precisou e precisa aprender a lidar com as diferentes formas de desejo do ensino superior.

Ao longo deste capítulo, foi possível perceber como a educação superior evoluiu no país, ao mesmo tempo em que passou a fazer parte do cotidiano social permanentemente, fazendo com que a tarefa de superar as desigualdades seja ainda maior. Ao longo dos tempos observa-se que o processo de ampliação do sistema de

educação superior está vinculado ao modelo econômico adotado e isso traz avanços e entraves. Mas a configuração que os diferentes governos escolheram seguir está baseado na grande participação do setor privado.

Não se trata, portanto, de defender a privatização das instituições e sim de refletir que, em uma economia baseada no mercado financeiro, o que está envolvido no processo de crescimento social e econômico não se restringe a uma divisão simples entre público e privado. Mas da presença de diversos fatores que mudam constantemente de acordo com os agentes envolvidos e o contexto em que estão inseridos. Conjugar políticas públicas com um modelo social sustentável parece fazer parte de uma busca constante no período histórico entre 2000 e 2015, com medidas que, à primeira vista, sugerem discrepância.

As ações que o governo federal empreendeu para fomentar o crescimento das matrículas nas instituições de ensino privadas denotam a grande relevância deste setor para o sistema de ensino superior. A seguir serão apresentados os dois principais programas de acesso voltados a este setor.