• Nenhum resultado encontrado

Relação entre classe social e raça/cor no acesso ao ensino superior

As pesquisas sobre a relação entre formação superior, origem social e raça/cor apontam, de maneira geral, para as discrepâncias que envolvem o ingresso e a

permanência na educação superior7 entre as diferentes classes, analisando fatores como transição escolar, equidade na seleção, conhecimento dos programas de acesso do governo federal, adaptação ao ambiente das instituições e condições de se autossustentar.

Com base nos dados da PNAD 2003, Andrade e Dachs (2007) analisam, de acordo com os indicadores de raça/cor e classe social, a transição escolar desde o ensino fundamental ao ensino superior. Os autores ressaltam o agravamento da diferença entre brancos e não brancos e faixas de renda ao longo de suas trajetórias. Enquanto as matrículas nos anos iniciais do ensino fundamental não apresentam significativa diferença em relação aos marcadores de renda e raça/cor, ao longo das outras faixas de escolaridade a discrepância aumenta, demonstrando maior acesso entre os brancos do que não brancos, mas principalmente em relação às faixas de renda.

A desigualdade, portanto, é bem maior para os jovens que não acessam a escolaridade na idade adequada por questões de renda, do que em relação ao critério raça/cor, embora as diferenças entre brancos e não brancos sejam marcantes, principalmente no ensino superior. Dessa forma, um dos grandes obstáculos para o acesso ao ensino superior pelos jovens oriundos de camadas mais pobres da população se encontra na dificuldade de conclusão do ensino médio, aspecto que afeta a primeira condição para candidatar-se a uma vaga no ensino superior, como “formalmente adequados” (ANDRADE; DACHS, 2007).

O estudo apontou que 40% dos jovens de 18 a 24 anos estavam habilitados para acessar o ensino superior, entretanto, apenas 13% haviam ingressado no ensino superior em 2003. No entanto, mesmo com esse percentual reduzido, a pesquisa indicou que a maior parte dos jovens das faixas de renda mais baixas que alcançavam o ensino superior o faziam em IES públicas, contestando a ideia de que o ensino privado seria o único destino dos estudantes de baixa renda e que o ensino público é ocupado exclusivamente pelos jovens de renda mais alta.

7 Essa relação entre as categorias raça/cor e renda está baseada nas amostras da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do IBGE. (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015)

Essa grande dificuldade de conclusão da educação básica não é um fator isolado quanto ao desafio da democratização do acesso. Para Osório (2009), que utilizou dados da PNAD de 2006 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015), a falta de equidade no processo seletivo estabelece mais uma barreira que se reflete em um maior percentual de brancos em relação a negros na educação superior. Com isso, o autor traz a discussão sobre a adoção ou não das políticas afirmativas (cotas raciais/sociais) para a diminuição dessa desigualdade no acesso ao ensino superior.

Osório (2009) apresenta a definição das categorias de classe social e raça/cor que compõem a sociedade brasileira. Em relação às classes sociais, o autor separa as classes sociais nas categorias “rico” (classe alta), “pobre” (classe baixa) e “classe média”, de acordo com a renda domiciliar per capita8. Desta forma, os jovens de 18 a 24 anos pertencentes à classe baixa representam 75,2% do total de jovens, dos quais, 34,2% possuem o ensino médio; aqueles da classe média representam 20,3% do total, dos quais, 72,1% concluíram o ensino médio; e aqueles de classe alta, compõem apenas 4,4% do total de jovens do país, dos quais, 76,4% possuem o ensino médio. Uma das reflexões que o autor propõe é a de que a classe social do jovem está diretamente ligada à probabilidade que ele tem de conclusão do ensino médio. Sua origem social é um elemento bastante relevante para o prosseguimento dos estudos e o prolongamento da vida acadêmica.

Osório (2009) segue a classificação do IBGE de autodeclaração de cor/raça, conforme as seis opções: branca, parda, preta, amarela, indígena e ignorada. O autor verificou que 99% dos entrevistados pelo IBGE em 2006 se classificavam em um dos três primeiros grupos. Ele estabelece, portanto, as categorias “preta, parda e indígena” em um grupo que chama de “negros”, e as categorias “branca e amarela” em outro grupo chamado de “brancos”. Uma das conclusões que surge da análise é a discrepância entre os jovens de 18 a 24 anos com ensino médio, de acordo com a raça/cor.

A presença de negros com ensino médio em todas as classes sociais é mais baixa que a presença de brancos, mesmo com representação maior de negros na classe baixa, corroborando com Andrade e Dachs (2007) em relação a maior

8 O autor considerou como pertencentes à classe baixa aqueles com renda familiar per capita de até R$506,00; da classe média, com renda até R$1.500,00; e da classe alta aqueles com renda superior a R$1.500,00 até o ano de 2006. (OSÓRIO 2009)

dificuldade de prosseguimento dos estudos para jovens negros da classe baixa. Dessa maneira, Osório (2009) propõe a combinação de cotas raciais e sociais para ingressar no ensino superior, pois nenhuma das duas aplicadas isoladamente, à luz dos dados apresentados, de acordo com o autor, diminuiriam as desigualdades no acesso. O autor chama a atenção para a centralização dos vestibulares através do ENEM e do SISU para as instituições federais, e três anos depois, em 2012, para a implementação da política de reserva de vagas raciais e sociais com o objetivo da equalização do acesso. Já Caregnato e Oliven (2017) apresentam uma preocupação em relação à política de cotas. De acordo com as autoras, ações afirmativas se configuram como iniciativas que visam igualar as oportunidades de acesso àqueles que se encontram em situação de discriminação social, no entanto, mesmo com o PROUNI e a reserva de vagas, o sistema corre o risco de não lograr êxito na diminuição da desigualdade educacional.

A partir de dados de uma pesquisa realizada no estado do Rio Grande do Sul, Caregnato e Oliven (2017) concluem que os participantes com maior escolaridade e maior renda, assim como aqueles que se declararam brancos e amarelos, detêm melhor conhecimento das propostas, com menor aceitação da lei de cotas. Com isso, mesmo com a adoção de políticas afirmativas para a população com menor renda, a preocupação é a de que esse mesmo público continue em desigualdade pela desinformação em relação à reserva de vagas e aos meios necessários para utilização do PROUNI. Essa constatação reforça a desigualdade entre os jovens de diferentes classes sociais e chama a atenção para a fragilidade das políticas a longo prazo.

A desigualdade de informações não está restrita a programas de acesso a IES privadas. Mesmo aqueles pertencentes a classe baixa, que ingressaram em uma instituição pública, apresentam desvantagens em relação aos demais. Para Almeida (2007) após superar o obstáculo do acesso, esses jovens precisam aprender a sobreviver em um ambiente que tradicionalmente recebe um público diferente. Em sua pesquisa, o autor se concentrou nos jovens trabalhadores das classes populares e egressos de escolas públicas que ingressaram na Universidade de São Paulo (USP) em 2003 e que estavam cursando o terceiro ano. Desta forma o autor esperava encontrar estudantes com certa vivência no ambiente acadêmico.

Suas trajetórias escolares apresentaram semelhanças, pois todos os estudantes relatam uma segurança familiar que os impelia a prosseguir nos estudos

e buscar o sucesso dentro das instituições de ensino que frequentaram. As informações sobre a instituição foram adquiridas, de acordo com os estudantes, através de uma rede de relacionamentos fora da família. Em sua maioria, a razão de buscar uma IES pública estava na gratuidade, pois com a dificuldade financeira, buscar uma instituição privada seria inviável, assim como a escolha por cursos que fossem oferecidos à noite, para que pudessem continuar trabalhando enquanto estudam.

A constatação de Almeida (2007) sobre a escolha de instituições públicas por parte de alunos trabalhadores de baixa renda, em razão da gratuidade delas, contraria a ideia de que essas IES são exclusividade de jovens oriundos de camadas mais altas da sociedade9. No entanto, a adequação ao ambiente também é um dos desafios encontrados pelos estudantes, pois antes do ingresso construíam a imagem de uma instituição perfeita, com o que há de melhor na vida acadêmica, o que acabou não se confirmando na prática para a maioria, mesmo que a universidade atendesse à muitas das expectativas.

A dificuldade, portanto, de fruição dos estudantes das classes populares no ambiente universitário se relaciona com todas essas questões levantadas por Almeida (2007), pois evidenciam a situação que muitos alunos vivenciam dentro da universidade. Para usufruir das oportunidades que a instituição oferece em termos de aproveitamento acadêmico, como cursos, iniciação científica, pesquisas, entre outros, se faz imperativo equacionar os elementos tempo e distância. Almeida (2007) se refere às necessidades que os estudantes carregam e que o modelo universitário, neste caso, o da USP, não contempla.

Neste sentido, garantir o acesso seria o primeiro passo, mas não garante a permanência com qualidade, pois, o estudante que trabalha não consegue frequentar os espaços em horários diferentes daqueles destinados às aulas, assim como, mesmo não exercendo atividade laboral em tempo integral, não possui condições financeiras, ou reside em regiões que impedem sua participação em eventos rotineiros. Isso evidencia a diferença que é apresentada a todo tempo no trabalho de Almeida (2007) entre estudantes de origens distintas, em que estudantes que possuem condições de

9 Essas considerações sobre a heterogeneidade dos estudantes em IES públicas, em especial a importância da gratuidade nos cursos mais concorridos e de alta seletividade, estão presentes no trabalho de Sampaio, Limongi e Torres (2000).

tempo, econômicas e de mobilidade podem se relacionar com a instituição com maior fruição.

Almeida (2007) propõe que a universidade deve repudiar a neutralidade na condução das ações integradoras entre aqueles que ingressam e os serviços oferecidos, atentando para a realidade do público, com riscos de perpetuar a concepção de que tudo está disponível, mas apenas uma parcela acaba exercendo o direito de utilizar. Quanto a permanência, Soares (2017) aponta as estratégias que os estudantes de classes populares encontram para o prosseguimento dos estudos, dentre elas, programas institucionais de concessão de auxílios, bolsas e estágios, e redes de solidariedade de familiares e amigos são os meios de prover sua permanência e seu sustento básico. Em sua concepção, deve ser revista a imagem de que ao ingressar todo jovem possui a bagagem cultural e educacional necessária para permanecer com qualidade no ensino superior. O aluno que não carrega essas atribuições e não superou suas dificuldades sociais também faz parte desse corpo estudantil, e essa realidade deve ser levada em consideração.

Dessa forma, tanto para Soares (2017), como para Almeida (2007), é necessário refletir sobre aspectos pouco tangíveis acerca do novo estudante do ensino superior, os quais vão além das condições materiais, mas que se fazem importantes nesse ambiente que é novo para ele, como métodos de ensino diferentes do que está acostumado, sociabilidade com pessoas de outras realidades sociais, autonomia nos estudos, entre outros. São aspectos que se revelam a partir da organização das próprias IES, que exigem determinados comportamentos de seus alunos, evidenciando uma rotina de estudos que os estudantes que necessitam trabalhar não conseguem cumprir.

É necessário que as políticas voltadas aos jovens de baixa renda garantam não apenas o direito à frequência às aulas, mas a possibilidade de usufruir das estruturas das IES, da participação da produção acadêmica, pois mesmo com o crescente desempenho desses jovens nos cursos superiores, somente assim a democratização se estabelecerá de maneira plena.

A literatura traz elementos importantes para esse debate. Não se trata de simplesmente prover a entrada dos egressos do ensino médio, mas consolidar políticas que garantam a formação desses estudantes com qualidade, que é a condição primária para o ensino superior. A igualdade de condições no acesso deve

ser avaliada constantemente e fomentar as medidas compensatórias, com políticas afirmativas.

Da mesma forma, o êxito para a permanência desses estudantes perpassa a atenção às suas necessidades socioeconômicas para conclusão de seu curso, por isso não basta que a escolha da instituição se baseie apenas na categoria administrativa (pública ou privada). Os estudantes das classes mais baixas da sociedade apresentam limitações que implicam na sua própria subsistência, fazendo com que os cursos escolhidos se adequem às suas realidades ou que não consigam usufruir das potencialidades da instituição. As IES, principalmente as públicas, devem rever sua organização funcional, pois o público para o qual se organizou não se configura mais o mesmo.

Todas essas questões envolvem desafios relativos à melhoria da qualidade tanto do acesso e da permanência dos estudantes de ensino superior das classes populares. Embora importantes, não trataremos desses estudos em profundidade, pois fogem do escopo dos objetivos desta dissertação. No entanto, um dos desafios mencionados por Caregnato e Oliven (2017), a saber, sobre a desinformação dos estudantes das classes populares sobre os programas do governo federal tem uma profunda ligação com outra questão apontada por Pacheco (2013), sobre a mudança de concepção de cidadão que possui direitos para uma outra concepção, de cliente que necessita de um serviço.

Essa relação entre a prestação do serviço, no caso, o educacional, e a divulgação ampla da informação sobre as políticas de acesso está diretamente ligada ao sucesso delas. A forma de disseminação da informação por meio da publicidade promovida pelo governo federal será apresentada mais adiante, nos capítulos seguintes.

2.3 Diferenciação/ Diversificação e crescimento do sistema de ensino superior