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As propagandas do ENEM, PROUNI e FIES no processo de ampliação do acesso ao ensino superior

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

EDIL DE SOUZA GONÇALVES

As propagandas do ENEM, PROUNI e FIES no processo

de ampliação do acesso ao ensino superior

CAMPINAS 2020

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EDIL DE SOUZA GONÇALVES

As propagandas do ENEM, PROUNI e FIES no processo

de ampliação do acesso ao ensino superior

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientadora: Profª Drª Helena Maria Sant’Ana Sampaio Andery

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO EDIL DE SOUZA GONÇALVES, E ORIENTADO PELA PROF.ª DRª HELENA MARIA SANT’ANA SAMPAIO ANDERY

CAMPINAS 2020

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

As propagandas do ENEM, PROUNI e FIES no processo

de ampliação do acesso ao ensino superior

EDIL DE SOUZA GONÇALVES

COMISSÃO JULGADORA:

Profª Drª Helena Maria Sant’Ana Sampaio Andery Profº Dr André Pires

Profª Drª Rosana Rodrigues Heringer

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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Às mulheres da minha vida: Mônica, Luísa e Gabriela.

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Agradeço a Deus, não porque seja uma prática agradecer a um ser sobrenatural quando tudo acaba, de um jeito ou de outro. Mas agradeço porque acredito de fato que Sua presença e orientações são a base da existência, pelo menos da minha.

Agradeço a minha esposa Mônica que sempre esteve ao meu lado, me apoiando e me dizendo que “tudo iria dar certo”. A pessoa mais maravilhosa, forte e inteligente que tive o privilégio de conhecer. Meu Norte, meu Porto Seguro. Sem sua presença esse trabalho jamais seria possível.

Agradeço a minhas filhas, Luísa e Gabriela, por me aguentarem durante o todo o curso de mestrado. Elas foram muito pacientes durante o tempo que não pude dar a devida atenção.

Agradeço a minha mãe por me ensinar, com ou sem palavras, a nunca desistir sem tentar. A seguir meus sonhos por mais impossíveis que pudessem parecer.

Agradeço a minha querida irmã e madrinha de casamento, Gabriela, que nos inspirou a nomear nossa filha caçula. Sua ajuda na revisão foi inestimável, como sempre, além de seu apoio incondicional.

Agradeço a minha segunda mãe, minha sogra Edleuza, por seu apoio em todas as minhas empreitadas.

Agradeço aos membros da minha Família que acolhi pelo caminho. Aqueles a quem chamamos de Amigos. Francisco de Assis Bandeira, ou simplesmente Assis, que me ajudou a sair da “caverna”, quando mais precisei. Quando crescer quero ser igual a ele. Rachel Barcelos, que me aturou durante o mestrado. Zenaide Mariano, que se mostrou uma pessoa extremamente cuidadosa com o próximo. Márcio Simão, meu querido mestre Jedi, que possui uma visão fantástica do mundo. Alessandro Rodrigues Rocha (in memorian), por sua inspiração em momentos sombrios da alma. Agradeço a minha querida amiga Luciana Souza, que cedeu seu precioso tempo para me auxiliar em um momento tão delicado.

Agradeço aos Professores Antônio Carlos Dias Júnior e André Pires, que fizeram parte de minha banca de qualificação e contribuíram de maneira fundamental para o resultado dessa dissertação.

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por sua intervenção em todos os momentos necessários. Por sua paciência com minha indisciplina e ausência de contato frequentes. Sua atitude sempre me levou além das expectativas. Um simples muito obrigado não bastaria.

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O povo foge da ignorância Apesar de viver tão perto dela

E sonham com melhores tempos idos Contemplam essa vida numa cela Esperam nova possibilidade De verem esse mundo se acabar A arca de Noé, o dirigível

Não voam, nem se pode flutuar”

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RESUMO

O ensino superior no Brasil sempre esteve distante do horizonte de jovens de classes populares no Brasil. Com suas trajetórias marcadas pela evasão escolar, a distorção idade série e a segregação social, poucos jovens conseguiam sequer completar o ensino básico. Nas últimas duas décadas, no entanto, este cenário sofreu significativa mudança, com a universalização da educação básica e a expansão do ensino superior. Esta última, tendo alcançado jovens em condições sociais desfavoráveis, que passaram a vislumbrar a continuidade dos estudos e se apropriar das formas de acesso em uma instituição de ensino superior. O processo de expansão da Educação Superior no Brasil se desenvolveu principalmente através do setor privado, por meio de mecanismos de acesso criados e geridos pelo poder público: PROUNI, FIES e ENEM. No caso específico do ENEM, ele passou a ser o mecanismo de seleção unificada para o setor público também. A mudança de perspectivas em relação à divulgação dos programas de governo reconfigurou a forma com que o poder público passou a se relacionar com a população, aprimorando as metodologias e intensificando a aproximação. O desejo que elas fomentam são alvo desse estudo para abarcar seu impacto na população de classes populares. Esta dissertação propõe uma análise do uso dessa publicidade como parte de um projeto muito maior de expansão do sistema de educação superior, principalmente através do setor privado. O corpus da pesquisa se concentra nos vídeos publicitários oficiais do governo federal que foram produzidos para a divulgação do ENEM, PROUNI e FIES. A análise se baseia na linguagem publicitária e na construção de simbologias através das imagens dos vídeos e quais as significações para a formação de projetos de vida e campo de possibilidades dos jovens. Para subsidiar a pesquisa, foram utilizados também documentos legais (decretos, instruções normativas, medidas provisórias) que regulamentaram a comunicação social do governo federal, e os demonstrativos orçamentários de cada gestão, no período de 1995 a 2015. A expectativa é que este trabalho, dialogando com tantos outros, se configure como possibilidade de trazer uma outra dimensão da expansão do ensino superior, que envolve a busca de uma construção de imaginário pelo poder público para promover uma espécie de mudança de perspectiva em relação à educação superior como projeto de vida.

Palavras-chave: Propaganda governamental; Ensino superior; Expansão do acesso; Imaginário social; Campo de possibilidades.

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ABSTRACT

The access to Higher Education, in Brazil, has always been a distant reality for the working classes youth. Historically, considering prominent school evasion rates, grade and age gap and social segregation, few were the ones who graduated high school during their teen years. Nonetheless, in the last two decades, this scenario has suffered significant changes, ranging from the universalization of Basic Education to the expansion of Higher Education. The last being able to 1) reach out to the students whose economical and social conditions, up to that moment, were insufficient to acess the University and 2) give them the opportunity to take ownership and carry on with their studies. The expansion of Brazil’s Higher Education structure has been developed mainly through the private initiative settled over access mechanisms created and managed by Brazil’s government, these being: PROUNI, FIES and ENEM. ENEM, specifically, has become the unified university entrance exam mechanism adopted by the government. The change of perspective in relation to those access mechanisms and the advertisement choices made by the Union redesigned the way public authorities relate to the population, perfecting their methodologies and intensifying their connection to the latter. The bonfire they feed on the hearts of the working classes youth is the main subject of this dissertation. This essay aspires to develop an analysis on the use of said advertisement choices as part of a much larger project aimed to the expansion of Brazilian universities, mostly through the private initiative. The main focus of this research is laid on official advertising videos of the federal government made to broadcast ENEM, PROUNI and FIES. The analysis is based on promotional language and the making of symbologies via these video ads, as well as in questioning their meanings and range of possibilities for the targeted public. To support the research, legal documents that regulated the Union media (as decrees, normative instructions, provisional measures) and the budget statements of each administration, from 1995 to 2015, were used. We humbly expect that this dissertation, alongside many others, lays down as a possibility to bring out another dimension to the expansion of Brazil’s Higher Education structure, which involves the search for / the construction, by the government, of a social consciousness devoted to promote the perspective of the Higher Education as a life project.

Keywords: Government advertising; Higher Education; Expanded access; Social consciousness; Range of possibilities

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LISTA DE GRÁFICOS, QUADROS E TABELA

Gráfico 1: Evolução da participação das IES públicas e privadas no total de matrículas presenciais (milhões) ... 32

Tabela 1: Evolução das bolsas do PROUNI e contratos do FIES (2005 - 2014) ... 33

Tabela 2: Previsão orçamentária do MEC e orçamento destinado à Comunicação Social do Ministério de 1995 a 1999. ... 61

Gráfico 2: Valores executados pelo MEC do orçamento geral e valores executados com Comunicação Social de 2000 até 2015 ... 62

Quadro 1: Vídeos das Propagandas ENEM (1999, 2004, 2005, 2007-2015) ... 85

Quadro 2: Vídeos das Propagandas PROUNI (2004-2006, 2008, 2009, 2011-2015) ... 102

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABERT - Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

BNCC - Base Nacional Comum Curricular

CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica CNE – Conselho Nacional de Educação

CREDUC – Sistema de Crédito Educativo

ENADE - Exame Nacional de Desempenho de Estudantes ENAP – Escola Nacional de Educação Pública

ENC - Exame Nacional de Cursos

ENCCEJA - Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio FHC – Fernando Henrique Cardoso

FIES – Fundo de Financiamento Estudantil FMI – Fundo Monetário Internacional

FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IES – Instituições de Ensino Superior

IF – Instituto Federal

IFES – Instituições Federais de Ensino Superior

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MEC – Ministério da Educação MP – Medida Provisória

OMC – Organização Mundial do Comércio PIB - Produto Interno Bruto

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PNE – Plano Nacional de Educação

PROUNI - Programa Universidade para Todos

REUNI - Reestruturação e Expansão das Universidades Federais SECOM – Secretaria Especial de Comunicação Social

SES – Sistema de Ensino Superior

SINAES - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior SISU - Sistema de Seleção Unificada

SISUTEC - Sistema de Seleção Unificada do Ensino Profissional e Tecnológico STF – Superior Tribunal Federal

TICs - Tecnologias da informação e comunicação USP – Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 15

2 A EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR ... 21

2.1 Expansão e democratização do ensino superior ... 23

2.2 Relação entre classe social e raça/cor no acesso ao ensino superior ... 33

2.3 Diferenciação/ Diversificação e crescimento do sistema de ensino superior ... 39

2.4 PROUNI e FIES ... 43

2.4.1 Trajetória do FIES ... 47

2.4.2 Trajetória do PROUNI ... 49

2.5 Reflexões sobre a trajetória da Educação Superior no Brasil ... 52

3 A PROPAGANDA ESTATAL E SUAS TRANSFORMAÇÕES ... 55

3.1 Investimento em propaganda estatal nos governos FHC, Lula e Dilma ... 58

3.2 A regulamentação da publicidade estatal nos governos FHC, Lula e Dilma... 64

4 MÍDIA E REPRESENTAÇÃO SOCIAL ... 73

4.1 A formação do Imaginário e do Campo de Possibilidades ... 74

4.2 A imagem na comunicação de massa ... 82

4.3 Propagandas do ENEM ... 85 4.4 Propagandas do PROUNI ... 102 4.5 Propagandas do FIES ... 110 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 117 REFERÊNCIAS ... 124 APÊNDICES ... 143

APÊNDICE A – Ficha técnica dos vídeos do ENEM 2007 e 2008 ... 143

APÊNDICE B – Ficha técnica do vídeo do PROUNI 2006 ... 144

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1 INTRODUÇÃO

A relação entre a educação formal e as maneiras que a sociedade assimila seus impactos, ressignificando seu cotidiano, é uma questão central em minha formação, desde a graduação. Essa relação abarca diversos subtemas, como a oferta de educação em seus diversos níveis (educação infantil, ensinos fundamental, médio e superior), financiamento público, políticas de inclusão, entre muitos outros. Por se tratar, então, de um tema demasiadamente extenso, havia a necessidade de restringir o campo de pesquisa para que a investigação se materializasse.

Através do curso de mestrado foi possível estabelecer o ensino superior como campo de pesquisa e especificar uma questão: Como a propaganda passou a ser utilizada pelo governo federal como uma ferramenta na tentativa de alcançar o sucesso dos programas de acesso ao ensino superior entre os anos de 2000 e 2015? A literatura que aborda a educação superior é bastante vasta, porém são muito poucos os trabalhos sobre o tema da propaganda oficial para divulgação dos mecanismos de acesso. Essa questão acompanha a necessidade de uma análise das mudanças socioeconômicas do período que foi estabelecido para a pesquisa, do resgate histórico e político dos programas de promoção ao acesso ao ensino superior, e de uma busca pela compreensão dos caminhos que os jovens tecem para si durante o prosseguimento de seus estudos.

Baseado nesses parâmetros, a escolha do recorte temporal (2000 a 2015) se baseou no período em que o sistema de educação superior brasileira se expandiu de maneira substancial. Esse intervalo de tempo não se constitui como isolado na história do país, portanto, ao longo do trabalho foi preciso fazer um breve resgate de alguns elementos cruciais para a formação das bases desse crescimento do acesso ao ensino superior, podendo ser mencionado aqui a reforma do ensino superior em 1968, a estabilidade econômica desde a década de 1990, a criação de programas de financiamento estudantil.

Esse período torna-se importante pelo aprimoramento, criação e consolidação dos principais mecanismos que propiciaram o aumento de matrículas nesse nível de ensino, a criação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), do Programa Universidade para Todos (PROUNI), do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI).

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Desta forma, o trabalho remonta à segunda metade da década de 1990, período em que o Brasil iniciou uma fase de estabilidade econômica através da consolidação do Plano Real, durante o primeiro mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso. No campo da Educação, foram adotadas medidas que propiciaram a universalização da educação básica e deram início, nos governos seguintes, ao processo de ampliação do acesso à educação superior. As mudanças estruturais em relação ao Estado contaram com o avanço das privatizações, que propiciaram a expansão do acesso a comunicação, e o investimento para ocupação de vagas no setor privado de ensino superior. Neste período, já surgia a preocupação com a adequação de instrumentos de acesso para os jovens das classes populares, através do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), antigo Crédito Educativo (CREDUC), além da necessidade de avaliação institucional para auxiliar na construção de políticas educacionais, como o Exame Nacional de Cursos (ENC) e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

Quanto a propaganda estatal no Brasil, ela sempre esteve presente dos meios de comunicação de radiodifusão desde o período de Getúlio Vargas. Essa prática tem sido amplamente utilizada para divulgar e estabelecer vínculos de proximidade com a população. As pesquisas que abordam a propaganda de massa apresentam as diferentes linguagens empregadas que apontam para a busca de identificação com determinado projeto de governo ou campanha de largo alcance.

O ponto diferencial sobre a relação com a comunicação social, que a gestão de Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1995 apresenta, foi a maneira com que a propaganda passou a ser utilizada na identificação com o público. Desde os primeiros anos de governo, o Ministério da Educação (MEC) se notabilizou pelas ações coordenadas de divulgação dos programas do governo federal com o objetivo de mudança das perspectivas da população. Os governos posteriores, de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Vana Rousseff, continuaram a trilhar o mesmo caminho em relação à comunicação oficial

A mudança de perspectivas em relação à divulgação dos programas de governo reconfigurou a forma com que o poder público passou a se relacionar com a população, aprimorando as metodologias e intensificando a aproximação. Essa mudança de paradigma se reflete nos dispositivos legais que regulamentam a comunicação social oficial e nas produções publicitárias audiovisuais.

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Esta dissertação propõe uma análise do uso das propagandas, produzidas pelo governo federal, para divulgação de seus programas de acesso ao ensino superior como parte de um projeto muito maior de expansão do sistema de educação superior, principalmente através do setor privado. Embora a expansão do setor público esteja presente ao longo deste trabalho com a apresentação de mecanismos como o SISU e o REUNI, a escolha das propagandas se concentrou nos vídeos destinados ao preenchimento de matrículas no setor privado, que é responsável pelo maior número de matrículas no sistema de ensino superior.

As propagandas, portanto, se configurariam como braços desse movimento de expansão que demanda publicidade para alcançar seus objetivos. O desejo que elas fomentam são alvo desse estudo para abarcar seu impacto na população de classes populares. A expectativa é que este trabalho, dialogando com tantos outros, se configure como possibilidade de trazer uma outra dimensão da expansão do ensino superior, que envolve a busca de uma construção de imaginário pelo poder público para promover uma espécie de mudança de perspectiva em relação à educação superior como projeto de vida que se tornou viável para o público das classes populares.

Para dar subsídio à pesquisa foram utilizados documentos legais (decretos, instruções normativas, medidas provisórias) que regulamentaram a comunicação social do governo federal, e os demonstrativos orçamentários de cada gestão, no período de 1995 a 2015. Estes documentos estão disponíveis nas páginas oficiais do Governo Federal na internet, como Portal Transparência, Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República, Portal da Legislação do Planalto e Câmara dos Deputados.

A metodologia de análise dos dispositivos legais editados pela Presidência da República ao longo do período analisado teve como base a comparação entre uma gestão e outra para estabelecer relevância nas mudanças nas regulamentações. Foram utilizadas, também, declarações de atores políticos que faziam parte das esferas de tomadas de decisão nas respectivas gestões, além da comparação com os gastos de cada gestão federal com comunicação social pelo Ministério da Educação.

Com relação especificamente aos valores previstos de despesas da Unidade Orçamentária do MEC foi realizada uma análise comparativa dos valores destinados

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para a comunicação social da pasta entre as três gestões: Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Vana Rousseff. Foram analisadas as informações da Lei Orçamentária Anual de 1995 a 2015. Os dados estão sistematizados em tabela, no corpo do capítulo 2, que apresenta os valores disponibilizados para as despesas da Unidade Orçamentária do MEC e para a comunicação social da pasta.

A parte principal do corpus da pesquisa se concentra nos vídeos publicitários oficiais do governo federal que foram produzidos para a divulgação dos principais mecanismos de acesso ao ensino superior: ENEM, PROUNI e FIES. Os vídeos se destinavam à veiculação através dos canais abertos de televisão do país. O período analisado corresponde ao intervalo entre o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso e a metade do segundo mandato de Dilma Vana Rousseff (1999 – 2016).

O acesso ao material foi possível somente através do site de compartilhamento de vídeos Youtube. Embora não tenha sido possível encontrar os vídeos correspondentes a alguns anos desse período, foram reunidas 33 produções, totalizando 63 minutos de vídeos publicitários, que se encontram listados com os respectivos títulos, duração, slogan e link de acesso, em quadros ao longo do capítulo 3.

A análise dos vídeos publicitários se baseia no processo de formação do imaginário e na construção do campo de possibilidades através dessas influências audiovisuais. A hipótese, portanto, se concentra na possibilidade de que as peças publicitárias atuaram em dois aspectos: o direcionamento dos roteiros para influenciar o público-alvo na tentativa de alcançar o sucesso dos mecanismos de acesso ao ensino superior, e a consequente construção de trajetórias de formação desses jovens a partir da identificação com os modelos representativos.

A referência de base para a análise está concentrada em Gilbert Durand (2012) através de seu trabalho sobre construção de imaginário social e de Gilberto Velho (2003), através de sua pesquisa sobre Campo de Possibilidades e Projetos de Vida. Essas teorias buscam compreender os elementos que estão presentes nas narrativas dos vídeos e que auxiliam na construção de novas narrativas do público, com o objetivo de se aproximar dessa população contando com uma linguagem direcionada.

Ao seguir esse percurso, surgiu a necessidade de refletir sobre a forma com que a comunicação de massa, através do marketing, se apresenta, colaborando para

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que as políticas de acesso ao ensino superior do país se transformem em um serviço que se deseja obter. Para isso, foi necessário estabelecer o diálogo com outras referências com o objetivo de compreender como a linguagem midiática está presente na representação do/para o público a que se destina, como a publicidade cumpre o seu papel de construir uma identificação do produto ou serviço com seu público alvo. Desta forma, foi imprescindível refletir sobre os conteúdos apresentados nos vídeos de publicidade, baseando-se na análise de comunicação de massa, de autores como Valdomiro Polidório (2002), Lívio Sansone (2003) e Geroges Balandier (1982), que pesquisam as mídias e como suas linguagens agem sobre os indivíduos.

A dissertação está dividida em três capítulos. O primeiro explora a expansão do ensino superior ocorrida no país entre os anos de 2000 e 2015 com o objetivo de elucidar como a educação superior passou a fazer parte dos projetos de vida dos jovens brasileiros das classes populares. Esta abordagem se baseia na literatura que está disponível sobre o tema, com destaque para os trabalhos de Helena Sampaio (2000) e Eunice Durham (2005). Essa reconstrução cronológica permite lançar uma reflexão sobre a trajetória do ensino superior no país, com suas transformações, como a diferenciação/diversificação institucionais e de cursos, assim como permite observar a implementação dos programas de acesso através do setor privado de ensino superior.

No mesmo capítulo são abordadas questões que envolvem os desdobramentos de um sistema de ensino superior em uma realidade de desigualdades sociais e econômicas, que podem suscitar desafios a serem vencidos na busca de uma democratização plena.

No segundo capítulo, são abordados os regulamentos e orientações legais para a comunicação social do MEC, a evolução das despesas da pasta com essa comunicação e a transformação da relação que o governo federal proporcionou nos períodos analisados. São utilizados os dados disponíveis no portal do MEC, da Câmara dos Deputados e do Portal da Transparência do Governo Federal.

O terceiro capítulo trabalha com a teoria de construção do imaginário e de campo de possibilidades para analisar como as narrativas e as imagens fornecem subsídios para que os jovens construam para si projetos de vida, que abarquem o ensino superior em seu horizonte de possiblidades. Esse capítulo analisa as

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propagandas do ENEM, PROUNI e FIES que estão intimamente ligados com o setor privado de ensino superior. Essa análise é desenvolvida através das bases teóricas elencadas anteriormente, de Gilbert Durand (2012) e Gilberto Velho (2003).

A dissertação encerra com a apresentação as considerações finais sobre toda a pesquisa desenvolvida em torno do tema da expansão do ensino superior no Brasil, assim como o uso das propagandas oficiais para tentar obter o êxito dos programas que possibilitaram o aumento do número de matrículas na educação superior no país. Dessa forma, o trabalho se propõe a somar como uma contribuição ao tema da educação superior, através de um ponto de análise que expressa uma outra maneira de perceber a educação superior, de direito a serviço oferecido e desejado.

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2 A EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR

A expansão do Sistema de Ensino Superior (SES) no Brasil é um tema amplamente debatido por diferentes autores em linhas de pesquisa variadas que fazem a crítica dos rumos adotados na organização e crescimento dos setores público e privado nas últimas décadas. A bibliografia a respeito do tema revela o quanto o assunto da educação superior no Brasil tem se constituído em um campo de investigações com bastante relevância para a sociedade (ECKART et all, 2019) e como os atores políticos são decisivos nesse processo de expansão.

O presente capítulo aborda a expansão do ensino superior ocorrida no país, entre os anos de 2000 e 2015, para compreender como a educação superior passou a fazer parte dos projetos de vida dos jovens brasileiros, principalmente aqueles oriundos das classes populares. Esse recorte temporal se justifica pelas principais mudanças socioeconômicas recentes, que propiciaram significativas alterações em vários campos da sociedade, dentre eles, a educação superior e o aumento do acesso à internet e às mídias digitais.

Nesse período, que abrange o início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e se estende pelo Governo Lula, até meados do segundo mandato de Dilma Vana Roussef, a educação superior no Brasil apresentou crescimento intenso no número de matrículas novas, passando de 3 milhões, em 2001, para 8 milhões em 2015 (SCHWARTZMAN, 2018). Embora durante a gestão de FHC o ensino superior não tenha ampliado, a expansão que se observou nos governos posteriores, está intimamente ligada aos principais programas que surgiram durante esses três governos.

Neste capítulo descrevemos as conexões entre os principais programas de promoção da ampliação do acesso ao acesso ao ensino superior regulamentados pelo governo federal: o Sistema de Seleção Unificada (SISU), o Programa Universidade Para Todos (PROUNI), o Programa de Financiamento Estudantil (FIES), reserva de vagas através de recorte de renda, raça e estudantes de escolas públicas (cotas raciais e sociais), o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Cada um desses programas está descrito resumidamente a seguir de acordo com a ordem

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cronológica em que surgiram no cenário nacional e serão apresentados mais detalhadamente no decorrer da dissertação.

Em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) foi criado com o objetivo de avaliar a qualidade da educação oferecida pelos sistemas de ensino público e privado em todo o país através de uma prova com questões de diversas áreas do conhecimento. Este instrumento permitiria o desenvolvimento de estudos e indicadores educacionais promovidos pelo MEC (BRASIL, 2020). Ao longo dos anos o ENEM sofreu diversas mudanças em relação ao método e finalidades e atualmente centraliza o processo seletivo da maioria das IES federais integrando o SISU e de algumas IES estaduais. Atualmente a nota do ENEM também é utilizada pelas IES privados e na seleção para bolsas do PROUNI e para a elegibilidade do FIES.

No mesmo ano, surgiu o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), que passou a ser operacionalizado em 1999, para substituir o Sistema de Crédito Educativo (CREDUC) datado de 1976, que desde o final dos anos 1980 vinha sofrendo muitas dificuldades para se manter ativo. Este novo formato de financiamento de cursos superiores se destina a estudantes que estão matriculados em instituições de ensino superior não gratuitas. A nota obtida no ENEM passou a ser exigida para concluintes do ensino médio a partir de 2010. O FIES garante o custeio das mensalidades dos cursos de graduação aos estudantes que depois de formados devem ressarcir à União os valores devidos.

Em 2009, com a unificação dos vestibulares das IES federais através do ENEM, o MEC instituiu o Sistema de Seleção Unificada (SISU), concentrando as inscrições dos candidatos às IES federais de acordo com as notas obtidas no ENEM. Nesse sistema, que funciona com uma plataforma digital, as IES que aderiram ao SISU oferecem suas vagas e a classificação obedece a um ranking que o próprio sistema organiza. A adesão ao SISU se estabeleceu através de um termo assinado pelas IES junto ao MEC e obedece a critérios específicos, sendo um deles a regra de utilizar o resultado do ENEM como única fase de seu processo seletivo (BRASIL, 2012c, p. 8-9). Embora não exista obrigatoriedade, a maioria das IES passou a fazer parte do sistema desde sua implementação.

Em 2004 o Programa Universidade para Todos (PROUNI) surgiu com o objetivo de ampliar o número de matrículas no ensino superior através do investimento em bolsas de estudo, integrais e parciais, em instituições não gratuitas. Destinado a

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estudantes oriundos da rede pública de ensino ou privada com bolsa integral, cuja renda per capta familiar não ultrapasse três salários mínimos, o programa concede isenção de tributos às IES participantes em contrapartida à reserva dessas vagas. O PROUNI utiliza a nota do ENEM para estabelecer o ingresso.

Em 2007 o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) foi lançado com o foco na expansão e reestruturação do setor público de ensino superior, através de incremento nos investimentos financeiros destinados às universidades federais. Essa iniciativa visava, principalmente, um aumento de 100% do número de vagas nos cursos de graduação em dez anos através da ampliação da oferta dos cursos noturnos, aumento do número de estudantes por professor, redução do custo por aluno, flexibilização curricular e o combate à evasão (BRASIL, 2007).

Ainda no segmento federal, em 2012, através da lei nº 12.711/2012 (BRASIL, 2012b), conhecida como lei de cotas, o governo federal garantiu a reserva de 50% das vagas ofertadas pelas IES federais a egressos de instituições públicas de ensino fundamental e médio de acordo com a renda e a autodeclaração de raça/cor, conforme os critérios estabelecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A descrição da trajetória do sistema de ensino superior perpassa a expansão e ampliação do acesso aos setores público e privado, as transformações mais significativas, os fatores de diferenciação e estratificação e as principais políticas públicas para ampliação do acesso. Para melhor compreensão dos fatos ocorridos nos últimos quinze anos no cenário nacional, será apresentado um breve histórico da educação superior no Brasil desde seu surgimento, políticas de ampliação e as condições que fizeram com que a democratização se tornasse uma meta para as instituições e ao mesmo tempo uma possibilidade para as classes populares nos dias atuais. Na última parte do capítulo há a descrição de como as políticas para o setor privado se destacaram dentro do sistema de ensino superior.

2.1 Expansão e democratização do ensino superior

O histórico do sistema de educação superior no Brasil segue a trajetória das transformações políticas, econômicas e sociais que resultaram no modelo atual de organização. Para isso, se faz necessário descrever e analisar como o processo ocorreu.

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A formação do ensino superior no Brasil ocorreu tardiamente, com as primeiras Instituições de Ensino Superior, em 1808, que objetivava a formação de profissionais liberais e quadros para atender às demandas da Coroa Portuguesa. A autora afirma que o modelo de ensino superior implantando no Brasil pelo governo português foi diferente de toda a América espanhola, em que a Igreja Católica, desde os primeiros anos da colonização, criou universidades nas colônias. (DURHAM, 2005; SAMPAIO, 2000)

A criação das instituições de ensino superior, no Brasil, era reservada ao governo central. Somente após a descentralização do ensino superior, preconizada pela Constituição de 1891, o setor privado pode se inserir na educação superior brasileira. Nos primeiros anos do período republicano brasileiro cinquenta e seis novas instituições surgiram, sendo a maioria privadas (SAMPAIO, 2000).

No Brasil não existiam universidades, apenas faculdades isoladas e escolas de estudos superior contando com cursos específicos, que se voltavam para a formação de profissionais liberais.

Com apenas 24 instituições isoladas em 1900, o sistema passou a contar, três décadas depois, com 133; destas, 86 haviam sido criadas na década de 20 (Teixeira, 1969). Essa diferenciação incipiente do sistema de ensino superior no Brasil logo seria questionada no âmbito do projeto de universidade gerado nos anos 20. (SAMPAIO, 2000, p.40)

Na década de 1920 teve início um amplo debate nacional, que na década seguinte culminaram nas reformas educacionais do Governo Vargas. A modernização do ensino superior era uma das bandeiras do movimento Escola Nova, movimento que contava com a ação de grandes intelectuais brasileiros na defesa da educação pública, laica e gratuita.

As reformas no ensino superior dos anos 1930 estavam voltadas para a criação das universidades, buscando superar a exclusividade da formação profissional, estimulando o desenvolvimento da pesquisa cientifica. A partir das reformas o governo central passou a regulamentar todo o ensino superior, fosse ele público, ou privado.

Em 1933, quando se iniciam as primeiras estatísticas educacionais, os dados indicam que as instituições privadas respondiam por cerca de 44% das matrículas e por 60% dos estabelecimentos de ensino superior. O conjunto do sistema, entretanto, era ainda de proporções muito modestas. O total de alunos era de apenas 33.723 estudantes. (DURHAM, 2005, p.197).

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Houve uma expansão do número de matrículas do meado da década de 1940 até os anos 1960. Esse crescimento se devia ao aumento da demanda gerado pelo processo de desenvolvimento urbano-industrial pelo qual o país passava. Foi uma época de grandes conflitos sociais, no Brasil e fora dele. Os movimentos estudantis pressionavam pelo aumento de vagas no ensino superior, chegando a defender a universalização das instituições públicas, ou seja, o fim das instituições privadas (DURHAM, 2005, p. 202). Depois de mais de uma década de debates, e uma grande disputa entre conservadores e progressistas, em 1961 foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 4.024/61 (BRASIL, 1961).

No regime militar, instaurado no Brasil em 1964, as universidades eram o principal espaço de resistência ao governo nos primeiros anos. Com o endurecimento do regime os movimentos sociais foram abafados pelo governo, que deu início ao seu projeto de reforma educacional. Com o objetivo de fomentar o desenvolvimento tecnológico do país, as instituições públicas se estruturaram como universidades, garantindo não apenas a formação das carreiras, mas o desenvolvimento da pesquisa científica, que era uma demanda da comunidade acadêmica.

Durham (2005, p. 209) afirma que, apesar do crescimento no número de matrículas no setor privado ter sido muito superior ao do setor público, não se pode dizer que nas décadas 1960 a 1980 tenha ocorrido uma privatização do ensino superior no Brasil, visto que o crescimento das universidades públicas foi expressiva1. Verifica-se, segundo a autora, uma diferenciação entre os setores público e privado no que diz respeito aos tipos de cursos oferecidos e desenvolvimento da pesquisa. Mesmo com o alto índice de crescimento a proporção de jovens matriculados no ensino superior ainda era muito baixa, não passando de 12% em 1980 (DURHAM, 2005).

Com a redemocratização em 1985 o Brasil herdou do período anterior uma condição dramática em relação a economia que desencadeou uma recessão profunda. Essa dificuldade econômica gerou impactos na educação superior, tendo o

1 A autora analisou a taxa de matrículas nas IES brasileiras no período de 1960 a 1980 e identificou que o crescimento da matrícula no ensino público foi de 260%, passando de 182.700 para 492.000. No mesmo período o setor privado cresceu 512%, passando de 142. 386 para 885.054 estudantes matriculados. (DURHAM, 2005)

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setor experimentado uma retração das matrículas, com uma diminuição da proporção de jovens matriculados no ensino superior.

Somente em 1994 o país alcançou a estabilidade da moeda, com uma nova política econômica. Paralelamente, o governo federal iniciou a implementação de algumas políticas públicas que viriam favorecer nos governos seguintes o aumento das vagas no ensino superior no Brasil.

Sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, nos anos de 1995 a 2002 a legislação educacional brasileira se consolidou na Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, Lei 9394 de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996b), que promoveu o que estava preconizado na Constituição Federal de 1988, em termos de democratização e universalização da educação no país. A expansão do sistema de ensino superior, mesmo não tendo ocorrido naquele período, era vislumbrado para se transformar de um sistema de elite para se transformar em um sistema de massa2 (TROW, 1973; 2005).

Até a primeira metade da década de 1990 apenas 7% da população de 18 a 24 anos estava matriculada em cursos superiores. A projeção dada pelo então ministro da educação, Paulo Renato, apontava para 30% desse público matriculado em um período de 10 anos. Essa expansão teve sua previsão através do Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 10.172 de 09 de janeiro de 2001, (BRASIL, 2001), mas não foi atingida durante o governo de FHC.

De acordo com Campos (2000), na gestão de FHC a preocupação com a qualidade da educação no país se intensificou na agenda política e social, tendo como base o conceito de qualidade concebido no meio empresarial “transformando o cidadão portador de direitos em cliente” (PACHECO, 2013, pág. 210). Com este pensamento surgia a necessidade de avaliações que pudessem medir a qualidade e o desempenho das instituições.

A qualidade inclusive é mencionada em diversos trechos do texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), assim como a necessidade de aferi-la passa a fazer parte da agenda de agências de financiamento multilaterais, como o Banco Mundial. A efetivação do discurso é realizada por meio de: políticas públicas de avaliação, financiamento, padrões, formação de professores, currículo, instrução e testes. A centralidade que a avaliação assume no período pode ser

2 Martin Trow classificou os sistemas de ensino superior de acordo com o tamanho, conforme o índice da taxa de matrículas de jovens entre 18 e 24 anos, nas seguintes etapas: 1 - sistema de elite, com taxa de matrícula até 15%; 2 – sistema de massa, com taxa de matrícula entre 16% e 50%; 3 – sistema universal, com taxa de matrícula acima de 50%. (TROW, 1973; 2005)

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observada na própria LDB, na qual aparece como o eixo norteador da legislação [...] (PACHECO, 2013, p. 210).

Conforme Sampaio (2000), é possível considerar as seguintes medidas mais significativas no ensino superior deste período:

• A promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9394/96, em 20 de dezembro de 1996, que lançou as bases para a atual organização e funcionamento da educação no país propiciando a expansão da educação básica, que garantiria mais tarde a formação de estudantes aptos ao ensino superior;

• Criação do Exame Nacional de Cursos (ENC) em 1996 dando início às políticas de avaliação institucional e credenciamento para buscar a qualidade no ensino superior;

• Criação do ENEM, em 1998, inicialmente como instrumento de avaliação dos estudantes de ensino médio para projetar políticas públicas de melhoria da qualidade da educação no país.

De 2003 a 2010, a presidência da República foi ocupada por Luiz Inácio Lula da Silva. Ao longo do governo Lula foram tomadas medidas de incremento da economia, sobretudo em relação a capitalização das camadas mais pobres. Programas de transferência de renda como o Bolsa Família, que unificou outras ações do governo anterior (PAIVA; FALCÃO; BARTHOLO, 2013, p.28), foram ampliados e permitiram avanços sociais importantes que, ligados a uma política de incentivo ao consumo, foram essenciais para o crescimento econômico.

As políticas públicas para a educação superior seguiram parte do projeto da gestão anterior no que se refere à expansão através do incentivo ao setor privado, principalmente com os programas PROUNI e FIES. Essas medidas faziam parte da estratégia de ampliar para um sistema de ensino superior de massa, que também era uma das metas do PNE, de 2001, de alcançar 30% de matrículas de jovens de 18 a 24 anos em IES até 2008. (BRASIL, 2001)

Mesmo com a permanência de incentivo ao setor privado, a gestão desse período também ficou marcada pela retomada das medidas que beneficiavam o setor público federal. A implementação do REUNI permitiu que as universidades federais

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tivessem um incremento de verbas a partir do aumento na oferta de vagas. Neste período houve a ampliação da rede de dos Institutos Federais (IFs), com a implantação de novas unidades e a transformação dos antigos Centros de Federais de Educação Tecnológica (CEFET)3. O objetivo principal do REUNI a promoção da interiorização da educação federal no país. A educação superior baseada no tripé ensino, pesquisa e extensão teve sua garantia de sobrevivência, principalmente, através do investimento no setor público, com a ampliação das estruturas físicas e do número de IES (BARROS, 2015). Nesse sentido, o setor público federal manteria a sua presença para atender essa formação voltada ao ensino e à pesquisa acadêmica.

Em 2009, com a reformulação do ENEM, o MEC transformou o exame em uma seleção unificada de acesso para as IES federais. Essa centralização, no entanto, necessitava de uma forma que garantisse acesso mais fluido às IES públicas. Em outras palavras, a unificação do vestibular em nível nacional deveria ser acompanhada de um sistema que integrasse todas as instituições participantes em um processo dinâmico. Desta forma, o Sistema de Seleção Unificada (SISU) surgiu no mesmo ano e passou a ser operacionalizado no ano seguinte integrado ao próprio ENEM, pois a classificação é feita com base no resultado do exame.

Outra característica do ENEM foi a possibilidade de certificação de conclusão do ensino médio. Naquele momento as matrizes de referência do exame foram reformuladas com base nas matrizes de referência do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e a avaliação do ensino médio passou a ser realizada pela Prova Brasil. Isso mostra o direcionamento que se pretendia naquele contexto, que priorizava a resolução de dois entraves, que eram a certificação de ensino médio, condição para habilitação mínima ao ensino superior, e a ampliação de oportunidade de acesso à educação superior. Pois a partir daquele momento, os candidatos poderiam concorrer a vagas em qualquer instituição do país sem o deslocamento para realizar o vestibular e concentrando-se em apenas uma avaliação.

3 De acordo com o histórico apresentado na página da Rede Federal de Ensino, no ano de 2008, 31 centros federais de educação tecnológica (CEFETs), 75 unidades descentralizadas de ensino (Uneds), 39 escolas agrotécnicas, 7 escolas técnicas federais e 8 escolas vinculadas a universidades se transformaram nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. (BRASIL, 2016)

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Esse período compreendido entre os governos FHC e Lula carrega um relativo alinhamento de políticas educacionais que à primeira vista não parecem convergir, mas sob uma análise mais minuciosa apresentam ligações que perpassam toda a trajetória dos dois governos. As bases que propiciaram os principais programas que ganharam notoriedade durante o governo Lula foram lançadas por seu antecessor, conforme Aguiar (2013), desde a estabilização econômica que proporcionou maior qualidade de vida para as camadas populares, passando pela ampliação do acesso à educação básica até a criação do ENEM, como instrumento de avaliação, mas que já apontava desde os tempos de FHC como possível substituto do vestibular.

Quanto ao vestibular, o ministro afirmou que a reforma iria contribuir para melhorar a seleção dos alunos para o ingresso nas universidades. [...] Desse modo, é lícito afirmar que muito embora a consolidação do ENEM como processo seletivo para a educação superior tenha ocorrido no final do 2º Governo Lula, sua concepção e sua função se inserem em arcabouço mais amplo de reformas da educação no Brasil, gestadas no governo do presidente Fernando Henrique. (PACHECO, 2013, p. 233).

É possível destacar dois pontos: primeiro, as medidas que permaneceram do governo anterior e foram ampliadas na gestão seguinte passaram a fazer parte de uma realidade que estava se consolidando, não havia retorno para os avanços e desenvolvimentos obtidos nos campos sociais e educacionais. O segundo ponto se refere à agenda específica do governo de Lula, que tentou conciliar o modelo econômico de mercado com as políticas sociais4.

Como mencionado anteriormente, os modelos econômicos que se baseiam nos organismos internacionais (BID, FMI) passaram a fazer parte da agenda das políticas públicas voltadas para a educação. Desta forma as mudanças operadas para atingir a qualidade que se esperava se tornaram permanentes e por isso, resistentes ao longo do tempo. Em outras palavras, se o Brasil quisesse continuar a se desenvolver tecnologicamente e se destacar no cenário internacional, suas políticas educacionais para a educação básica e superior deveriam ser ampliadas e, para isso, o aumento de jovens elegíveis ao ensino superior precisaria crescer e o processo de absorção desses estudantes na graduação deveria se tornar mais dinâmico.

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Isso justificaria a ampliação de programas como Bolsa Família, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), FIES, ENEM e a criação do PROUNI. Todos eles passaram a assegurar o êxito do projeto concebido anteriormente, de prover um país com jovens formados e capacitados ao mercado de trabalho.

A gestão de Lula percebia a necessidade da flexibilização da formação superior, que se dava através da diversificação e diferenciação entre cursos e instituições. Mas, distinguindo-se do seu antecessor, ele ampliou os investimentos em pesquisa e desenvolvimento acadêmico e tecnológico. Com a criação do REUNI, o MEC não perdeu de vista a dimensão da educação superior baseada no ensino, pesquisa e extensão que pretendia democratizar do acesso em suas instituições, com a adoção do ENEM e do SISU.

O crescimento do número de matrículas no ensino superior permaneceu durante o governo de Lula até 2008, quando houve um pequeno decréscimo desse número de matrículas. Para Aguiar (2013) havia duas razões para o fenômeno

A primeira é que houve diminuição no crescimento da população da coorte durante o governo Lula [...]. A segunda provavelmente se deve à expansão da educação a distância, cujos estudantes são mais velhos, e ao advento do ProUni, que incluiu alunos com trajetórias individuais mais marcadamente fora da curva do estudante médio, incorporando igualmente estudantes mais velhos. (AGUIAR, 2013, p. 134).

Em dez anos do PNE o Brasil não alcançou seu patamar previsto de 30% dos jovens de 18 a 24 anos matriculados no ensino superior. Em 2010 o país encerrou o ano com 15% de matrículas, que é a metade do que foi projetado, mas ainda assim bem acima dos 7% do início da década. No entanto, a educação superior continuou a fazer parte dos objetivos do governo federal com ações para promover a ampliação do acesso e o setor privado permaneceu com a maior parte das matrículas dos jovens. A unificação dos mecanismos foi efetivada quando, tanto o setor público, quanto o setor privado passaram a utilizar as notas do ENEM como forma de seleção.

Em 2011 Dilma Rousseff assumiu a presidência do país com o desafio de continuar as realizações de seu antecessor e garantir o desenvolvimento econômico e social. Ela foi reeleita em 2014 e afastada em 2016 através de um processo de

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impeachment. Durante seu primeiro mandato, em 2012, o Superior Tribunal Federal

(STF) reconheceu por unanimidade a constitucionalidade das políticas afirmativas e, em agosto do mesmo ano, o Congresso Nacional aprovou a lei que implantou a política de reserva de vagas (cotas raciais e sociais), Lei Nº 12711/2012 (HERINGER, 2018), embora esta ação já fizesse parte do cotidiano de outros países5 e de algumas instituições estaduais e municipais no Brasil6. Sob diversas críticas, a medida foi sancionada e a partir de 2013 o setor público federal passou a se ajustar ao novo modelo de ingresso de estudantes. A política de cotas foi agregada ao PROUNI e ao SISU), que passaram a normatizar a seleção sob este prisma também.

Independente das críticas que surgiram em relação à reserva de vagas, a medida evidenciou mais um desafio no processo de ampliação do acesso e democratização do ensino superior, somando-se a questão da diferenciação das instituições e a necessidade de formação para o mercado de trabalho. A dificuldade de acesso das camadas populares sempre esteve evidente, principalmente no que diz respeito à permanência. Portanto, a ação afirmativa de reserva das vagas aos estudantes do ensino público, de baixa renda, negros, pardos e indígenas, evidencia um obstáculo que a sociedade não havia superado. Embora a medida não deva ser considerada como a única solução viável para diminuir a desigualdade de acesso, esta possui relevância pelo contexto político e social brasileiro. Até o ano de 2014, final do primeiro mandato de Dilma Rousseff, o ensino superior mantinha seus percentuais de matrícula, com grande percentual de contratos fechados através do FIES e concessão de bolsas pelo PROUNI. A partir do ano seguinte, em seu segundo mandato, o governo passou por uma profunda crise política e econômica, que afetou dramaticamente os investimentos em educação superior. Sua gestão foi encerrada em 2016.

Diante do histórico apresentado pode-se afirmar que o sistema de ensino superior brasileiro sofreu modificações profundas ao longo das décadas. Sua organização mostra sua consolidação na sociedade, mesmo com as mudanças na gestão do governo federal. Esse avanço está ligado a medidas que permitiram a

5 Na Índia em 1930, Malásia em 1968 e EUA em 1964, entre outros países. Para mais informações ver: Silva; Silva (2012)

6 Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), por exemplo, as cotas surgiram em 2000, com a Lei nº 3.524/2000, modificada em 2001 com a Lei nº 3.708/2001 e em 2003, através da Lei nº 4.151/2003. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, [s.d.])

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entrada dos estudantes em uma instituição de ensino superior, como as políticas de transferência de renda, o aumento exponencial de jovens que concluem a educação básica e as políticas afirmativas. Os dados do INEP, por meio do Censo da Educação Superior, apresentados no Gráfico 1 evidenciam esse crescimento do ensino superior ao longo de quinze anos.

Gráfico 1: Evolução da participação das IES públicas e privadas no total de matrículas presenciais (milhões)

Fonte: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA

O Gráfico 1 mostra que o setor público, mesmo com uma presença bem menor que o setor privado no quadro geral de matrículas em cursos presenciais, dobrou sua participação ao longo do período analisado. Da mesma forma que deixa claro a importância que o setor privado passou a ter no cenário nacional para a expansão do sistema de ensino superior. Esses dados refletem como as políticas operacionalizadas pelos governos desse período foram fundamentais para alavancar esse crescimento, principalmente quando comparamos os dados de financiamento do setor privado.

A Tabela 1 apresenta a evolução das bolsas do PROUNI e contratos do FIES no período de 2005 a 2015. 1,8 2,1 2,4 2,7 2,9 3,2 3,4 3,6 3,8 3,7 3,9 4,1 4,2 4,4 4,7 4,8 0,9 0,9 1,1 1,2 1,2 1,2 1,3 1,3 1,3 1,4 1,5 1,6 1,7 1,8 1,8 1,8 0 1 2 3 4 5 6 7 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Título do Gráfico

Privada Pública

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Tabela 1: Evolução das bolsas do PROUNI e contratos do FIES (2005 - 2014)

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

PROUNI 112.275 138.668 163.854 225.005 247.643 240.441 254.598 284.622 252.374 306.726 329.117

FIES 80.961 60.092 49.770 33.319 32.741 76.172 154.253 377.808 559.965 732.243 287.367

Total 193.236 198.760 213.624 258.154 280.384 316.613 408.851 662.430 812.339 1.038.969 616.484

Fonte: MIRANDA; AZEVEDO; 2020

Ao longo do período analisado o FIES passou a ter uma participação maior no setor privado que o PROUNI. Gradativamente, o financiamento por meio de crédito educativo expandiu e superou o outro programa de maneira significativa. Essa expansão ocorreu de maneira expressiva durante todo o governo de Dilma Rousseff, fazendo com que o número de contratos do FIES superasse em quase 33% o número de bolsas do PROUNI. Embora os dados englobem estudantes que podem estar inseridos nos dois programas ao mesmo tempo, pois a bolsa de parcial do PROUNI permite ao estudante contratar o FIES para arcar com as despesas da outra parte da mensalidade. Mesmo assim, o que fica evidente é o alcance dos programas para expandir as oportunidades de acesso ao ensino superior.

Nas duas partes seguintes serão tratadas algumas considerações sobre os desafios que devem ser superados para garantia do acesso e permanência no ensino superior, de acordo com a literatura disponível sobre o tema. A primeira parte aborda a relação entre a transição escolar e os marcadores de classe e raça/cor. A segunda apresenta a diferenciação e diversificação institucional e suas consequências no funcionamento do sistema.

2.2 Relação entre classe social e raça/cor no acesso ao ensino superior

As pesquisas sobre a relação entre formação superior, origem social e raça/cor apontam, de maneira geral, para as discrepâncias que envolvem o ingresso e a

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permanência na educação superior7 entre as diferentes classes, analisando fatores como transição escolar, equidade na seleção, conhecimento dos programas de acesso do governo federal, adaptação ao ambiente das instituições e condições de se autossustentar.

Com base nos dados da PNAD 2003, Andrade e Dachs (2007) analisam, de acordo com os indicadores de raça/cor e classe social, a transição escolar desde o ensino fundamental ao ensino superior. Os autores ressaltam o agravamento da diferença entre brancos e não brancos e faixas de renda ao longo de suas trajetórias. Enquanto as matrículas nos anos iniciais do ensino fundamental não apresentam significativa diferença em relação aos marcadores de renda e raça/cor, ao longo das outras faixas de escolaridade a discrepância aumenta, demonstrando maior acesso entre os brancos do que não brancos, mas principalmente em relação às faixas de renda.

A desigualdade, portanto, é bem maior para os jovens que não acessam a escolaridade na idade adequada por questões de renda, do que em relação ao critério raça/cor, embora as diferenças entre brancos e não brancos sejam marcantes, principalmente no ensino superior. Dessa forma, um dos grandes obstáculos para o acesso ao ensino superior pelos jovens oriundos de camadas mais pobres da população se encontra na dificuldade de conclusão do ensino médio, aspecto que afeta a primeira condição para candidatar-se a uma vaga no ensino superior, como “formalmente adequados” (ANDRADE; DACHS, 2007).

O estudo apontou que 40% dos jovens de 18 a 24 anos estavam habilitados para acessar o ensino superior, entretanto, apenas 13% haviam ingressado no ensino superior em 2003. No entanto, mesmo com esse percentual reduzido, a pesquisa indicou que a maior parte dos jovens das faixas de renda mais baixas que alcançavam o ensino superior o faziam em IES públicas, contestando a ideia de que o ensino privado seria o único destino dos estudantes de baixa renda e que o ensino público é ocupado exclusivamente pelos jovens de renda mais alta.

7 Essa relação entre as categorias raça/cor e renda está baseada nas amostras da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do IBGE. (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015)

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Essa grande dificuldade de conclusão da educação básica não é um fator isolado quanto ao desafio da democratização do acesso. Para Osório (2009), que utilizou dados da PNAD de 2006 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015), a falta de equidade no processo seletivo estabelece mais uma barreira que se reflete em um maior percentual de brancos em relação a negros na educação superior. Com isso, o autor traz a discussão sobre a adoção ou não das políticas afirmativas (cotas raciais/sociais) para a diminuição dessa desigualdade no acesso ao ensino superior.

Osório (2009) apresenta a definição das categorias de classe social e raça/cor que compõem a sociedade brasileira. Em relação às classes sociais, o autor separa as classes sociais nas categorias “rico” (classe alta), “pobre” (classe baixa) e “classe média”, de acordo com a renda domiciliar per capita8. Desta forma, os jovens de 18 a 24 anos pertencentes à classe baixa representam 75,2% do total de jovens, dos quais, 34,2% possuem o ensino médio; aqueles da classe média representam 20,3% do total, dos quais, 72,1% concluíram o ensino médio; e aqueles de classe alta, compõem apenas 4,4% do total de jovens do país, dos quais, 76,4% possuem o ensino médio. Uma das reflexões que o autor propõe é a de que a classe social do jovem está diretamente ligada à probabilidade que ele tem de conclusão do ensino médio. Sua origem social é um elemento bastante relevante para o prosseguimento dos estudos e o prolongamento da vida acadêmica.

Osório (2009) segue a classificação do IBGE de autodeclaração de cor/raça, conforme as seis opções: branca, parda, preta, amarela, indígena e ignorada. O autor verificou que 99% dos entrevistados pelo IBGE em 2006 se classificavam em um dos três primeiros grupos. Ele estabelece, portanto, as categorias “preta, parda e indígena” em um grupo que chama de “negros”, e as categorias “branca e amarela” em outro grupo chamado de “brancos”. Uma das conclusões que surge da análise é a discrepância entre os jovens de 18 a 24 anos com ensino médio, de acordo com a raça/cor.

A presença de negros com ensino médio em todas as classes sociais é mais baixa que a presença de brancos, mesmo com representação maior de negros na classe baixa, corroborando com Andrade e Dachs (2007) em relação a maior

8 O autor considerou como pertencentes à classe baixa aqueles com renda familiar per capita de até R$506,00; da classe média, com renda até R$1.500,00; e da classe alta aqueles com renda superior a R$1.500,00 até o ano de 2006. (OSÓRIO 2009)

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dificuldade de prosseguimento dos estudos para jovens negros da classe baixa. Dessa maneira, Osório (2009) propõe a combinação de cotas raciais e sociais para ingressar no ensino superior, pois nenhuma das duas aplicadas isoladamente, à luz dos dados apresentados, de acordo com o autor, diminuiriam as desigualdades no acesso. O autor chama a atenção para a centralização dos vestibulares através do ENEM e do SISU para as instituições federais, e três anos depois, em 2012, para a implementação da política de reserva de vagas raciais e sociais com o objetivo da equalização do acesso. Já Caregnato e Oliven (2017) apresentam uma preocupação em relação à política de cotas. De acordo com as autoras, ações afirmativas se configuram como iniciativas que visam igualar as oportunidades de acesso àqueles que se encontram em situação de discriminação social, no entanto, mesmo com o PROUNI e a reserva de vagas, o sistema corre o risco de não lograr êxito na diminuição da desigualdade educacional.

A partir de dados de uma pesquisa realizada no estado do Rio Grande do Sul, Caregnato e Oliven (2017) concluem que os participantes com maior escolaridade e maior renda, assim como aqueles que se declararam brancos e amarelos, detêm melhor conhecimento das propostas, com menor aceitação da lei de cotas. Com isso, mesmo com a adoção de políticas afirmativas para a população com menor renda, a preocupação é a de que esse mesmo público continue em desigualdade pela desinformação em relação à reserva de vagas e aos meios necessários para utilização do PROUNI. Essa constatação reforça a desigualdade entre os jovens de diferentes classes sociais e chama a atenção para a fragilidade das políticas a longo prazo.

A desigualdade de informações não está restrita a programas de acesso a IES privadas. Mesmo aqueles pertencentes a classe baixa, que ingressaram em uma instituição pública, apresentam desvantagens em relação aos demais. Para Almeida (2007) após superar o obstáculo do acesso, esses jovens precisam aprender a sobreviver em um ambiente que tradicionalmente recebe um público diferente. Em sua pesquisa, o autor se concentrou nos jovens trabalhadores das classes populares e egressos de escolas públicas que ingressaram na Universidade de São Paulo (USP) em 2003 e que estavam cursando o terceiro ano. Desta forma o autor esperava encontrar estudantes com certa vivência no ambiente acadêmico.

Suas trajetórias escolares apresentaram semelhanças, pois todos os estudantes relatam uma segurança familiar que os impelia a prosseguir nos estudos

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e buscar o sucesso dentro das instituições de ensino que frequentaram. As informações sobre a instituição foram adquiridas, de acordo com os estudantes, através de uma rede de relacionamentos fora da família. Em sua maioria, a razão de buscar uma IES pública estava na gratuidade, pois com a dificuldade financeira, buscar uma instituição privada seria inviável, assim como a escolha por cursos que fossem oferecidos à noite, para que pudessem continuar trabalhando enquanto estudam.

A constatação de Almeida (2007) sobre a escolha de instituições públicas por parte de alunos trabalhadores de baixa renda, em razão da gratuidade delas, contraria a ideia de que essas IES são exclusividade de jovens oriundos de camadas mais altas da sociedade9. No entanto, a adequação ao ambiente também é um dos desafios encontrados pelos estudantes, pois antes do ingresso construíam a imagem de uma instituição perfeita, com o que há de melhor na vida acadêmica, o que acabou não se confirmando na prática para a maioria, mesmo que a universidade atendesse à muitas das expectativas.

A dificuldade, portanto, de fruição dos estudantes das classes populares no ambiente universitário se relaciona com todas essas questões levantadas por Almeida (2007), pois evidenciam a situação que muitos alunos vivenciam dentro da universidade. Para usufruir das oportunidades que a instituição oferece em termos de aproveitamento acadêmico, como cursos, iniciação científica, pesquisas, entre outros, se faz imperativo equacionar os elementos tempo e distância. Almeida (2007) se refere às necessidades que os estudantes carregam e que o modelo universitário, neste caso, o da USP, não contempla.

Neste sentido, garantir o acesso seria o primeiro passo, mas não garante a permanência com qualidade, pois, o estudante que trabalha não consegue frequentar os espaços em horários diferentes daqueles destinados às aulas, assim como, mesmo não exercendo atividade laboral em tempo integral, não possui condições financeiras, ou reside em regiões que impedem sua participação em eventos rotineiros. Isso evidencia a diferença que é apresentada a todo tempo no trabalho de Almeida (2007) entre estudantes de origens distintas, em que estudantes que possuem condições de

9 Essas considerações sobre a heterogeneidade dos estudantes em IES públicas, em especial a importância da gratuidade nos cursos mais concorridos e de alta seletividade, estão presentes no trabalho de Sampaio, Limongi e Torres (2000).

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tempo, econômicas e de mobilidade podem se relacionar com a instituição com maior fruição.

Almeida (2007) propõe que a universidade deve repudiar a neutralidade na condução das ações integradoras entre aqueles que ingressam e os serviços oferecidos, atentando para a realidade do público, com riscos de perpetuar a concepção de que tudo está disponível, mas apenas uma parcela acaba exercendo o direito de utilizar. Quanto a permanência, Soares (2017) aponta as estratégias que os estudantes de classes populares encontram para o prosseguimento dos estudos, dentre elas, programas institucionais de concessão de auxílios, bolsas e estágios, e redes de solidariedade de familiares e amigos são os meios de prover sua permanência e seu sustento básico. Em sua concepção, deve ser revista a imagem de que ao ingressar todo jovem possui a bagagem cultural e educacional necessária para permanecer com qualidade no ensino superior. O aluno que não carrega essas atribuições e não superou suas dificuldades sociais também faz parte desse corpo estudantil, e essa realidade deve ser levada em consideração.

Dessa forma, tanto para Soares (2017), como para Almeida (2007), é necessário refletir sobre aspectos pouco tangíveis acerca do novo estudante do ensino superior, os quais vão além das condições materiais, mas que se fazem importantes nesse ambiente que é novo para ele, como métodos de ensino diferentes do que está acostumado, sociabilidade com pessoas de outras realidades sociais, autonomia nos estudos, entre outros. São aspectos que se revelam a partir da organização das próprias IES, que exigem determinados comportamentos de seus alunos, evidenciando uma rotina de estudos que os estudantes que necessitam trabalhar não conseguem cumprir.

É necessário que as políticas voltadas aos jovens de baixa renda garantam não apenas o direito à frequência às aulas, mas a possibilidade de usufruir das estruturas das IES, da participação da produção acadêmica, pois mesmo com o crescente desempenho desses jovens nos cursos superiores, somente assim a democratização se estabelecerá de maneira plena.

A literatura traz elementos importantes para esse debate. Não se trata de simplesmente prover a entrada dos egressos do ensino médio, mas consolidar políticas que garantam a formação desses estudantes com qualidade, que é a condição primária para o ensino superior. A igualdade de condições no acesso deve

Referências

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