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Reflexões sobre a trajetória da Educação Superior no Brasil

O levantamento bibliográfico mostra como a educação superior no Brasil está inscrita em um contexto mais amplo que abrange diversas camadas da sociedade, que atribuem diferentes sentidos à formação superior e às perspectivas trazidas por ela. Desta forma, pode-se perceber uma relação imbricada entre os agentes que fazem parte do sistema de ensino superior: o Estado, que age como regulador do sistema e procura garantir aumento do acesso e permanência; Instituições de Ensino Superior – especialmente as privadas – que se estabelecem como fornecedoras de um serviço especializado e dependem em grande medida da ação do Estado e da demanda do público; e o público-alvo que varia bastante de acordo com as condições socioeconômicas. (SAMPAIO, 2000)

Desta forma, a educação superior no país não pode ser analisada apenas como uma dicotomia entre o público e o privado. Essa separação não é suficiente para explicar a dinâmica de funcionamento do sistema de educação superior, nem tampouco permite uma visão mais abrangente dos elementos que o compõem. A proposta de expansão do acesso deve ser acompanhada de um planejamento integrado com as diversas instituições e com as políticas que as regulam. Com isso, as medidas operacionalizadas ao longo desses vinte anos podem viabilizar a expansão da formação em diferentes carreiras, com diversos itinerários que proporcionam um leque de oportunidades mais abrangente.

Um objetivo bastante razoável, que sempre foi defendido por pesquisadores como Simon Schwartzman (2001a), aponta para a construção de um modelo de

sociedade a partir da apropriação do conhecimento científico acadêmico, portanto, a democratização do ensino superior seria um dos caminhos mais viáveis, a exemplo de outros países. Trata-se de uma política de Estado que atravessa os períodos governamentais e segue uma visão ambígua sobre a educação, de ampliação de direitos e prestação de serviços.

Desta forma, podemos observar que toda a trajetória da educação do país, desde o século XIX, com a criação dos primeiros cursos superiores, passando pelo final da década de 1960, com a reforma do ensino superior, chegando aos anos 1990 e a universalização do ensino fundamental e posteriormente a garantia do acesso ao ensino médio nos anos 2000, mesmo considerando que são eventos não lineares e contínuos, sedimentou o terreno para a construção do atual cenário.

Fernando Henrique Cardoso, desde o início de seu primeiro mandato, priorizou a educação básica e reduziu a participação do Estado na educação superior, trazendo avanços e muitos entraves. O investimento na educação básica garantiu, ao longo dos anos, o público habilitado a ingressar no ensino superior, ou seja, egressos do ensino médio. Neste período o ensino fundamental foi universalizado e projetou a expansão do ensino médio. Mesmo sem investimento direto no setor privado e corte dos investimentos no setor público, sem levar em consideração a questão da pesquisa cientifica e as condições do estudante das camadas populares, o governo de FHC se notabilizou por estabelecer a atuação do Estado como regulador do sistema e avaliador da qualidade do ensino. A reformulação promovida no FIES, embora não tenha logrado grandes avanços, serviram de base para políticas de ampliação nos governos seguintes.

Tanto a gestão de Lula quanto a de Dilma também mantiveram forte relação com a política econômica do governo anterior. O setor privado foi considerado estratégico na política de ampliação do acesso ao ensino superior, mas os investimentos foram retomados nas universidades públicas. Houve avanços na diminuição da desigualdade social e consequentemente, educacional. Lula e Dilma investiram em um modelo de ampliação do acesso através da integração das medidas para o ensino superior ao universalizar o ENEM. Mas duas das maiores contribuições de Lula para a expansão do ensino superior através do setor privado foi a ampliação e reformulação do FIES e a criação do PROUNI, na promessa de atender as camadas populares em larga escala.

O que é possível compreender da trajetória narrada no presente capítulo não é um mero exercício de releitura da história, mas perceber o quanto os governos que figuraram principalmente de 2000 a 2015 estabeleceram projetos que se assemelham em muitos aspectos. Contudo, as medidas adotadas apresentam diferenciações próprias, como uma espécie de marcação distintiva, uma tentativa de construir um legado.

A permanência e ampliação de propostas para o ensino superior, especialmente para o setor privado, aponta também uma estrutura que se revela atemporal, formada por grupos que defendem seus interesses, agentes políticos com influência direta ou indireta nos meios públicos, que estão envolvidos nos processos decisórios de funcionamento do sistema de ensino superior.

Por último, destaca-se a presença da publicidade, que nos governos de Lula e Dilma foi bastante explorada para gerar uma demanda no público alvo da educação superior, mas foi amplamente utilizada por FHC para promover seu projeto de educação básica. A história mostra o quanto a educação superior se transformou ao ponto de se tornar algo a ser anunciado como importante e desejável pelo poder público. Ela se transforma em um direito operacionalizado como um serviço a ser ofertado, a qualificação profissional tangível que gera empregabilidade, através dos meios de comunicação de massa.

3 A PROPAGANDA ESTATAL E SUAS TRANSFORMAÇÕES

O presente capítulo mostra como o uso da propaganda ganhou protagonismo na esfera governamental brasileira para promoção dos projetos voltados para a educação no país. Essa análise tem como objetivo comprovar que houve uma mudança de paradigma que se estabeleceu no período de 2000 a 2015 quanto ao papel da comunicação social para o êxito das políticas para ampliação do acesso à educação superior.

Ao longo do capítulo são analisadas as transformações que envolveram os gastos e os dispositivos legais, regulando a propaganda estatal e estabelecendo um vínculo mais integrado entre os projetos do MEC e as mudanças de contexto social, político e econômico. Para isso, foram acessados diversos relatórios financeiros da pasta e legislações promulgadas no período.

A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 37, § 1º, organiza o exercício da publicidade dos órgãos públicos:

A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. (BRASIL, 1988, p. 22)

A dimensão da impessoalidade na publicidade oficial está relacionada à ideia de controle dos gastos públicos para coibir o abuso de autoridade (SOARES, 2009). No entanto, atender às características educativa, informativa e de orientação social não impede de promover os interesses de um determinado projeto de governo fazendo com que a publicidade tenha a dupla função de garantir ampla divulgação de interesse público e ao mesmo tempo incentivar determinados comportamentos e costumes.

A propaganda estatal no Brasil não se caracteriza como um elemento novo, ao contrário, sendo bastante comum na sociedade (BALANDIER, 1982). Desde a apropriação dos meios de comunicação de radiodifusão pelo governo de Getúlio Vargas, essa prática tem sido amplamente utilizada no esforço de divulgar e estabelecer vínculos de proximidade com o público alvo. As pesquisas desenvolvidas

no campo da propaganda de massa apontam que as diferentes linguagens midiáticas empregadas apontam para a busca de empatia com determinado projeto de governo ou campanha de largo alcance.

O uso da propaganda pelo Estado na moderna sociedade de massas é inevitável. Isto porque, numa sociedade de massas, o governo necessita de instrumentos de comunicação de massa. Além disso, no Estado contemporâneo, a informação corre um mundo globalizado quase que em tempo real e o número de fontes de informações é tão elevado que inviabiliza ao cidadão comum a possibilidade de checar a veracidade da informação. Cabe ao governo a condução do interesse público e o uso dessa ferramenta denominada propaganda para persuadir a população a condutas de interesse público, como campanha de vacinação, entre outros exemplos. (SOARES, 2009, p. 48)

A publicidade cumpre o seu papel de construir uma identificação do produto ou serviço com seu público alvo (POLIDÓRIO, 2002). Desta forma, os interesses de seus idealizadores estão contemplados na maneira com que a propaganda está apresentada. O veículo de divulgação também expressa qual o objetivo que se deseja alcançar ou que setores se deseja beneficiar. Isso significa que o processo de comunicação faz parte de um projeto muito maior e que as ações de planejamento e execução se relacionam diretamente com uma demanda, não apenas de quem a idealiza, mas de um público a que se destina, caso contrário esse diálogo corre o risco de fracassar.

O intuito de qualquer propaganda é fazer com que o público alvo (independentemente de quantas pessoas sejam) pense como, aja como, sirva e/ou se aproxime daquele que propaga. No caso da propaganda política, o que se quer é difundir ideias e concepções de mundo e perspectivas futuras. [...] (SOUZA; SILVA, 2015, p. 373)

No campo político a propaganda é a grande aliada para formar o imaginário em torno de determinada proposta. Não significa que todas as iniciativas se ancorem exclusivamente na publicidade bem-feita, ou que basta a propaganda para que o efeito desejado se concretize. Na realidade ela complementa e ressalta pontos (positivos) sobre o projeto e os benefícios de aderir a ele. Em outras palavras, mesmo

com uma legislação que normatize e coíba práticas abusivas, a publicidade estatal não se distancia daquela do mercado consumidor.

Com o aumento do consumo de informação por meio das mídias de massa pela sociedade, a intenção passa a ser de despertar o desejo pelo que está anunciado, há um compromisso de vender uma imagem. Mas, ao contrário da época em que a comunicação de massa foi utilizada pela primeira vez, a informação passou a ter velocidade de acesso muito maior nos últimos vinte anos. Por isso, o cuidado com a veiculação de conteúdos, independente de regulação legal, tem sido maior, conforme expressa a Instrução Normativa nº 7, de 19 de dezembro de 2014 que os órgãos estatais deverão “priorizar a divulgação de ações e resultados concretos, em detrimento a promessas ou realizações ainda não implementadas” (BRASIL, 2014a, p. 2).

Toda essa diferença em relação ao passado no uso da comunicação de massa sugere uma mudança na forma de pensar o público alvo das ações publicitárias do Estado. Como mencionado no capítulo anterior, em uma economia de mercado a perspectiva de acesso a direitos tende a se transformar em acesso a prestação de serviços ou objetos de consumo. O que é proposto aqui é uma análise sobre como a publicidade dos programas estatais passou a ser uma peça fundamental na comunicação estabelecida pelo governo com a população, atendendo a interesses privados também. Para o tratamento desse tema vamos nos valer de dados relativos à evolução dos gastos do MEC com comunicação social e de dados relativos a legislações que regulamentam a comunicação oficial.

Essa transformação de conceitos de cidadão para consumidor é indicada pela Organização Mundial do Comércio (OMC), segundo Borges (2011) e está presente nas concepções de uma sociedade globalizada. Neste sentido, todos os elementos que compõem o projeto de governo precisam ter tratamentos similares. Se a educação superior passa a ocupar uma posição de serviço a ser ofertado, tudo o que envolve esse formato está diretamente ligado, desde a ampliação do acesso até o conceito de propaganda.

Para a OMC a educação superior assume o caráter de um serviço que tem grande status na sociedade do conhecimento, portanto, sua organização deve priorizar a formação de indivíduos qualificados para o mercado.

Para isso, a diversificação desse nível de educação é colocada como uma orientação da OMC, recomendação esta que visa a promover, por intermédio da presença de instituições universitárias e não- universitárias no campo da educação superior, um maior atendimento dos interesses das empresas e dos indivíduos, ambos tratados como consumidores. Percebe-se, dessa forma, a operação de uma mudança conceitual, a educação deixa de ser considerada como um direito humano fundamental e é tida como um serviço que pode ser comprado no mercado educacional; de outra parte, os indivíduos deixam de ser tratados como cidadãos e são posicionados como consumidores. (BORGES, 2011, p. 87)

As propagandas dos programas de ampliação do acesso à educação superior, como serão apresentadas adiante neste trabalho, ganharam características próprias ao longo dos governos. Neste chamamos a atenção para a importância que a publicidade estatal foi adquirindo nos últimos quinze anos para divulgação e expansão do ensino superior no Brasil, fazendo parte de um projeto que evidencia a transformação do Estado em termos políticos, sociais e econômicos. Para isso, recorre-se a dados fornecidos pelo MEC para prestação de contas dos gastos com publicidade no período de 1999 a 2015.