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2.4 PROUNI e FIES

2.4.2 Trajetória do PROUNI

O PROUNI foi um dos instrumentos para “aumentar a proporção de jovens de 18 a 24 anos matriculados em curso superior para 30% até 2010” (CATANI, HEI, GILIOLI, 2006, p. 127), normatizando o preenchimento das matrículas em vagas ociosas no setor privado, que de acordo com Catani, Hei e Gilioli (2006) apresentavam os índices de 35% das vagas em 2002, 42% em 2003 e 49,5% em 2004.

O MEC pretendia instituir o programa através da Medida Provisória (MP) 213 (BRASIL, 2004b), mas decidiu encaminhar o Projeto de Lei (PL) 3582/2004 (BRASIL, 2004c) ao congresso em maio de 2004, seguindo os trâmites de discussão com a maioria das propostas de emendas encaminhadas pelas mantenedoras de IES privadas. (CATANI, HEI, GILIOLI, 2006). Em 2005, o texto definitivo foi aprovado e sancionado através da lei nº 11.096 em 13 de janeiro de 2005 (BRASIL, 2005). A partir deste ano, o PROUNI iniciou seu funcionamento através do oferecimento de bolsas integrais e parciais de 50% e 25% nas semestralidades ou anuidades de cursos superiores em IES privadas. A bolsa integral se destinou a estudantes com renda familiar per capita de até 1 salário mínimo e meio e, as demais bolsas, para estudantes com renda familiar per capita de até três salários mínimos. O benefício também exigia que o candidato tivesse estudado integralmente em instituição pública de ensino médio ou em instituição privada com bolsa. Estudantes deficientes e professores da rede pública de ensino faziam parte do perfil de habilitados a se beneficiar do PROUNI. (BRASIL, 2005)

Para as instituições, a adesão ao PROUNI passou a garantir o aumento nas matrículas e o retorno financeiro através das isenções fiscais. Em 2005, as IES com fins lucrativos ou sem fins lucrativos não beneficentes deveriam oferecer 1 bolsa

integral para cada 9 alunos regularmente pagantes, ou 1 bolsa integral para cada 19 pagantes, no caso de oferecimento de bolsas de 50% e 25% “na proporção necessária para que a soma dos benefícios concedidos na forma desta Lei atinja o equivalente a 10% (dez por cento) da receita anual” (BRASIL, 2005). Para os anos seguintes a regra previa o oferecimento de 1 bolsa integral para cada 10,7 pagantes, ou 1 bolsa integral para cada 22 pagantes, no caso de oferecimento de bolsas de 50% e 25% até o equivalente a 8,5% da receita anual. Em contrapartida, as IES ficariam isentas de diversos impostos e taxas.

Art. 8º A instituição que aderir ao Prouni ficará isenta dos seguintes impostos e contribuições no período de vigência do termo de adesão: (Vide Lei nº 11.128, de 2005)

I - Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas;

II - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, instituída pela Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988;

III - Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social, instituída pela Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991 ; e

IV - Contribuição para o Programa de Integração Social, instituída pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970. (BRASIL, 2005, p. 3)

O texto da lei também previa que para ser considerada uma entidade beneficente de assistência social seria necessário o oferecimento de 1 bolsa integral para cada 10 pagantes e, que, o compromisso de adesão ao PROUNI pelo prazo de 10 anos, respeitadas as proporções de oferecimento de bolsas, conferia às IES sem autonomia a liberdade de aumento do número de vagas em seus cursos, conforme Art. 11 da lai 11.096/2005 (BRASIL, 2005). Para essas instituições beneficentes, houve a possibilidade de renegociação de dívidas tributárias.

O PROUNI se tornou alvo de defesas e críticas desde o primeiro momento. As críticas, centradas no discurso da privatização do sistema de ensino superior, denunciavam, antes mesmo da aprovação da lei, o aligeiramento da discussão da proposta, a falta de informação à população sobre os valores da renúncia fiscal a atribuição de responsabilidades do setor público ao setor privado e a possibilidade de “cristalização da segmentação e diferenciação no sistema escolar” relegando aos mais pobres as instituições de menor prestígio (MANCEBO, 2004).

Catani, Hei e Gilioli (2006) fazem detalhada descrição do processo, que incluiu a discussão do governo com os representantes das IES privadas, editando o texto da

MP contemplando a maioria de suas propostas. Eles também observam que o PROUNI, comumente visto como política pública, por atender a população mais vulnerável, destaca-se como mantenedor de um sistema privatizante, contribuindo para a estratificação social ao legitimar a distinção dos estudantes por camada social de acordo com o acesso aos diferentes tipos de instituições, com prioridade para a inserção precária dos pobres no espaço privado. Ao mesmo tempo, os autores analisam que a democratização poderia ter sido efetivada pela via pública, uma vez que o PROUNI concedeu benefícios e não promoveu direitos.

Para Faceira (2008), o PROUNI é uma política pública de ação afirmativa com caráter socioeducativo que abarca mais questões que o acesso à educação superior. O programa surgiu em um momento de retração no número de candidatos ao ensino superior nas IES privadas, portanto, de acordo com o jogo político naquele período seria vantajoso para o Estado, setor privado e sociedade.

Para o Estado, a criação do PROUNI significou o aumento de estudantes no ensino superior sem maior endividamento público, uma vez que as vagas ociosas preenchidas no setor privado expandiriam o sistema sem que o setor público precisasse de maior investimento. Para o setor privado significava o benefício da renúncia fiscal. O PROUNI apresentava oportunidade de isenção de impostos e cancelamento de dívidas (no caso das instituições beneficentes de assistência social). Faceira (2008) chama a atenção para as IES com fins lucrativos que, através dessas regras, ganharam mais com a adesão ao programa, pois em contrapartida, a quantidade de bolsas obrigatórias era proporcionalmente baixa em relação aos benefícios fiscais. Esse formato de operação revela a força das organizações privadas que atuaram para garantir seus interesses com o PROUNI.

Para a sociedade, de acordo com a autora, o PROUNI representou a inserção de jovens de baixa renda no ensino superior. Como a proposta sempre foi desenhada para a população carente, os princípios de cuidados, com a diminuição das desigualdades, estavam presentes. Com isso, não apenas o ingresso ao curso desejado estava garantido, mas a sua permanência, pois diferente de um financiamento ou uma bolsa concedida isoladamente por uma instituição privada, o PROUNI contemplava a realidade desses estudantes.

Mesmo sem consenso sobre a eficácia do programa e apesar de todas as problematizações, a defesa do PROUNI está exatamente em seu caráter de inclusão social. Para Faceira (2008), a implementação do PROUNI não significa a solução de todos os problemas, pois há muito a se realizar no campo da inclusão de populações marginalizadas. No entanto, diante do cenário de uma política que oscila entre a diminuição da ação estatal e a necessidade de formação superior para o desenvolvimento da sociedade, esse programa significa um início, embora seja “necessário discutir a complexidade do problema educacional, levando em consideração à própria complexidade que caracteriza a dinâmica social” (FACEIRA, 2008, p. 16).