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Investimento em propaganda estatal nos governos FHC, Lula e Dilma

A expansão do ensino superior no Brasil faz parte de um projeto que se intensifica no início dos anos 2000, mas teve suas bases na mudança de perspectiva sobre o tipo de sociedade que se deseja. Para isso, muitas medidas que poderiam ser analisadas ao longo dos últimos vinte ou vinte e cinco anos como isoladas, se mostraram parte de algo muito maior. Quando Fernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência em 1995, ele deu continuidade a uma política econômica que havia iniciado com Fernando Collor de Melo, em 1990, que prosseguiu com Itamar Franco. A ideia de um Estado menos interventor, mais dinâmico e eficiente se desenrolava antes da chegada de FHC ao poder.

A maior marca dessa diminuição da máquina estatal estava nas medidas de privatização das empresas públicas. Elas foram iniciadas em 1991 e continuaram nas gestões seguintes. Mas a forma com que o governo federal buscou lidar com a opinião pública desde o início, indica a tendência que se seguiria. O governo Collor veiculou vídeos publicitários que defendiam as privatizações apontando a necessidade das

mesmas e as vantagens que elas traziam para ampliar o investimento em educação, saúde e segurança pública.

A defesa das privatizações nas publicidades estatais era apresentada com uma linguagem que dialogava com o público de maneira direta para convencê-lo, que iniciava com “já foi importante uma forte presença do Estado na economia”. A produção usava um elefante para representar o Estado e uma música infantil ao fundo, terminando o primeiro filme com a frase: “Um Estado pesado incomoda muita gente” (DESESTATIZAÇÃO..., [1990 ou 1991]a). A estratégia segue por outras três produções que afirmam que o Estado deve ser competitivo e encerra com um filme que apresenta dados de satisfação de uma pesquisa realizada com a população sobre a privatização (DESETATIZAÇÃO..., [1990 ou 1991]b, [1990 ou 1991]c, [1990 ou 1991]d). A partir desse momento, a forma de se comunicar com os cidadãos mudaria dramaticamente.

Nos anos seguintes, principalmente a partir de 1995, o governo tem investido na ampla divulgação dos processos de avaliação dos sistemas de ensino e dos programas de acesso ao ensino superior, principalmente através de filmes de curta duração, veiculados em canais de televisão e internet. Mas, antes que a publicidade audiovisual digital se popularizasse, o governo de FHC investiu em diversas modalidades midiáticas disponíveis na época.

Para isso, sistematizou-se um plano de comunicação social que se utilizou de todas as ferramentas disponíveis para desenvolver ações que esclarecessem os cidadãos sobre seus direitos e deveres em relação à Educação. (BRASIL, 1997, p. 4).

O uso das verbas públicas com campanhas publicitárias pelo MEC, desde o primeiro mandato de FHC, sofreu acréscimo exponencial. Os dados disponíveis de 1995 até 1999 não permitem verificar o gasto efetivo do Ministério da Educação, mas o orçamento previsto para comunicação social saltou de R$ 795.088,00 (setecentos e noventa e cinco mil e oitenta e oito reais) em 1995, para R$15.374.651,00 (quinze milhões, trezentos e setenta e quatro mil e seiscentos e cinquenta e um reais), em 1996. Em outras palavras, o governo de FHC lançou mão de uma política de publicidade das ações do Estado, principalmente da Educação, comprovando que não

se tratava de uma medida aleatória, mas de uma parte do projeto que estava se desenhando. Pois, considerava-se que até aquele momento não havia um projeto de conscientização permanente através da publicidade. (BRASIL, 1997)

Com isso, as campanhas anteriores a 1995 seriam “ineficazes”, de acordo com o ministro da Educação daquele período, Paulo Renato (BRASIL, 1997, p.2). Com o título “Acorda Brasil. Está na Hora da Escola!” o governo federal empreendeu, então, uma enorme mobilização com o objetivo de fomentar na população uma “mudança da visão e do comportamento da sociedade em relação à Educação” (BRASIL, 1997, p. 4). A campanha se direcionava a todos os segmentos sociais e buscava conferir à Educação prioridade nacional.

Essa ação envolveu diversos profissionais da comunicação, inclusive artistas e a contratação de empresas do setor para que as realizações do MEC se tornassem notórias entre a população e pudessem gerar avanço na Educação básica do país. Isso fazia parte de um projeto muito maior que envolvia o alinhamento com políticas internacionais, que haviam sido propostas em 1990 na Conferência Mundial de Educação Para Todos, em Jomtien, Tailândia13. A partir desse período, o orçamento da comunicação social do MEC se manteve bem acima daquele verificado para o primeiro ano de seu governo. Com o passar do tempo e com a consolidação de políticas de fomento à educação, a publicidade tornou-se uma ferramenta cada vez mais indispensável para garantir os objetivos dos projetos de governo, tanto nessa época, quanto nos governos seguintes.

Os dados analisados foram coletados nas páginas oficiais do Governo Federal na internet, como Portal Transparência, Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República, Portal da Legislação do Planalto e Câmara dos Deputados. Foram utilizados neste trabalho os valores previstos de despesas da Unidade Orçamentária do MEC, comparando-se com os valores destinados para a comunicação social da pasta. Foram analisadas as informações da Lei Orçamentária Anual de 1995 a 2015 (BRASIL, [2019]a, [2019]b, [2020]). A Tabela 1 apresenta os valores relativos às despesas da Unidade Orçamentária do MEC e para a comunicação social da pasta.

13 Na ocasião, o Brasil firmou compromisso com outros países do Grupo Education For All (EFA-9). (UNICEF, 1990)

Tabela 2: Previsão orçamentária do MEC e orçamento destinado à Comunicação Social do Ministério de 1995 a 1999.

ANO ORÇAMENTO MEC ORÇAMENTO DA COMUNICAÇÕES SOCIAL PORCENTAGEM

1995 R$ 783.178.086,00 R$ 795.088,00 0,10% 1996 R$ 720.247.049,00 R$ 15.374.651,00 2,13% 1997 R$ 741.489.951,00 R$ 10.000.000,00 1,35% 1998 R$ 818.654.674,00 R$ 7.500.000,00 0,92% 1999 R$ 1.757.033.295,00 R$ 5.625.000,00 0,32% 2000 R$ 1.011.675.165,00 R$ 8.000.000,00 0,79% 2001 R$ 1.943.807.398,00 R$ 10.000.000,00 0,51% 2002 R$ 4.411.437.692,00 R$ 7.000.000,00 0,16% 2003 R$ 3.454.040.064,00 R$ 5.000.000,00 0,14% 2004 R$ 1.839.852.046,00 R$ 22.136.312,00 1,20% 2005 R$ 2.030.246.214,00 R$ 12.150.000,00 0,60% 2006 R$ 1.448.034.284,00 R$ 17.475.000,00 1,21% 2007 R$ 1.830.892.606,00 R$ 14.560.000,00 0,80% 2008 R$ 2.008.615.673,00 R$ 18.500.000,00 0,92% 2009 R$ 5.604.105.548,00 R$ 28.720.000,00 0,51% 2010 R$ 4.771.811.115,00 R$ 27.000.000,00 0,57% 2011 R$ 6.068.380.948,00 R$ 27.000.000,00 0,44% 2012 R$ 3.389.580.064,00 R$ 27.000.000,00 0,80% 2013 R$ 2.640.187.345,00 R$ 61.000.000,00 2,31% 2014 R$ 5.222.616.044,00 R$ 31.000.000,00 0,59% 2015 R$ 2.019.432.667,00 R$ 31.000.000,00 1,54%

Fonte: Elaborado pelo autor. BRASIL, BRASIL, [2019]a, [2019]b, [2020].

De acordo com a tabela 1, o orçamento dedicado aos gastos com o MEC, sofreu diminuição em valores absolutos de 1995 para 1996, no entanto, o orçamento destinado à comunicação social no mesmo período aumentou quase vinte vezes, passando de 0,10% para 2,13% de um ano para outro. Mesmo analisando valores sem correção monetária, a verificação através do percentual dedicado denota uma mudança de foco na preocupação com publicidade institucional.

Nos anos seguintes o orçamento praticamente se manteve com alterações muito pequenas, com exceção dos anos de 2002 e 2003, em que o orçamento diminuiu drasticamente até quase o patamar do início da gestão FHC. Neste período ocorreu o maior crescimento de IES federais desde a posse de Fernando Henrique,

em 1995, passando de 67 em 2001 para 73 em 2002 e 83 em 200314. As razões para esse decréscimo de verba dedicada necessitam de maior investigação.

A comparação de valores ajuda a compreender que a relação com a publicidade oficial se consolidou nas últimas décadas. O Gráfico 1 apresenta os gastos efetivos do MEC com a Comunicação Social. Os valores encontrados na Lei Orçamentária Anual dizem respeito apenas aos anos de 2000 a 2015.

Gráfico 2: Valores executados pelo MEC do orçamento geral e valores executados com Comunicação Social de 2000 até 2015

Fonte: Elaborado pelo autor. BRASIL, BRASIL, [2019]a, [2019]b, [2020].

Os valores absolutos não se encontram corrigidos de acordo com as perdas inflacionárias, mas o foco está no percentual dos valores executados em relação ao gasto total do MEC. Os orçamentos com publicidade foram utilizados quase na sua totalidade em relação à previsão orçamentária, conforme Tabela 1. O contraste entre o que estava previsto e a execução real fornece uma perspectiva bastante interessante.

Em 2003, por exemplo, primeiro ano de governo Lula, o orçamento com Comunicação Social estava fixado em 0,14% (cinco milhões de reais em valores da época) do orçamento geral do MEC. Mas o valor executado foi o dobro, ou seja, o governo federal utilizou 200% da verba destinada no orçamento em seu primeiro ano

14 De acordo com Tabela 8 – Evolução do Número de Instituições de Educação Superior por Categoria Administrativa – Brasil – 1980-2010 (AGUIAR, 2013).

de gestão. Os valores executados também foram acima do orçamento total de despesas do MEC em 2000, 2001 e 2007.

Em 2004 foi o ano de lançamento do PROUNI. Neste ano, o gasto com comunicação foi de 1,18% do orçamento total. Em 2009 e 2010 as despesas consumiram percentuais semelhantes e coincidiram com a mudança do acesso às IES federais, através do ENEM, e à implantação do SISU. Estas mudanças transformaram a maneira com que a população acessava o ensino superior. No período analisado, esses dois anos configuram como percentuais de gastos altos em comunicação. Em 2011, ano que figura como o terceiro maior percentual do período analisado, o MEC lançou a primeira campanha publicitária audiovisual do FIES.

Mas a grande discrepância de percentuais acontece entre 2012 e 2013. Nesses dois anos houve três eventos marcantes: a implantação da política de cotas nas IES federais, em 2012, e sua operacionalização, em 2013; o atingimento da marca de um milhão de matrículas do PROUNI em 201215 (BRASIL, 2012a) e a segunda e última campanha publicitária audiovisual do FIES no período analisado.

Em todos os anos é possível perceber que, mesmo que o orçamento total do MEC não tivesse sido executado, o orçamento destinado à comunicação social teve execução total ou próximo de 100%. Ou seja, mesmo que o MEC não tenha executado seu orçamento na totalidade, as despesas com a publicidade chegaram a consumir quase todo o valor destinado específico e em algumas ocasiões ultrapassou seu limite máximo. Isso é importante para a compreensão da preocupação com a publicidade e a imagem dos programas de governo que se quer apresentar.

O que se observa em termos de investimentos na comunicação oficial é uma crescente preocupação em manter um orçamento constante e significativo em todos os anos. Não se pode afirmar qual o percentual executado em comunicação foi direcionado para as campanhas publicitárias do ensino superior, mas o volume de materiais audiovisuais produzidos no período entre 1995 e 2015, os quais se encontram disponíveis, sugerem um investimento substancial na publicidade para a educação.

15 Esse cálculo de 1 milhão de matrículas não corresponde inteiramente a novas bolsas. Ele se baseia nos estudantes beneficiados com bolsas ativas até o primeiro semestre de 2012. Dentre os quais encontram-se aqueles que estão renovando a bolsa, uma vez que essa renovação ocorre semestralmente.

3.2 A regulamentação da publicidade estatal nos governos FHC, Lula e Dilma