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CAPÍTULO IV – PARTICIPAÇÃO SOCIAL, GESTÃO DEMOCRÁTICA E AS

4.2 DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES COMPLEMENTARES EM

4.2.7 Dificuldades e aspectos negativos na execução das ACCs

Outro aspecto investigado, junto aos gestores, diz respeito às dificuldades, problemas, limitações ou aspectos negativos, tanto para o desenvolvimento cotidiano das ACCs, quanto para as questões que pudessem levar a extinção ou desistência das ACCs na escola. No gráfico 10, foram sintetizados os pontos elencados pelos gestores.

Ao apontarem como aspecto negativo a instabilidade das políticas públicas, os gestores relatam situações ligadas às políticas de governo que modificam ou, interrompem a continuidade dos programas desenvolvidos nas escolas ou até mesmo, à necessidade de trabalhar com as incertezas.

“Como é que eu vou te explicar isso? Nessa questão de política pública educacional que não tem tipo um Plano Nacional de Educação que são anos de vigência e teria que ser mantido, coisas boas né, mas entra governo e sai governo e muda tudo. Como já mudou tudo de novo no novo governo. As vezes você tem um percurso, tem uma experiência que tenha dado certo e ela é retirada. Então assim, nós estamos em uma instabilidade no governo, um governo que tá pensando em números. Nós estamos pensando no processo educacional e parece que ele quis mostrar que criou-se uma crise e agora nós temos que reverter com números. Parece que é um sistema criado para estarmos em crise. Então retirou tudo, mas já foi fracassando lá atrás. Agora nós vamos tirar tudo e vamos começar com uma nova ideia porque isso não deu certo, mas é obvio que isso não vai dar certo, se estava plantado a três, quatro anos num governo e hoje já trocou. [...] no governo do Beto Richa já foi fracassando, então lá já existiu certa instabilidade. Esse governo vai tirar tudo, tanto que tirou, ainda manteve-se porque estava aí numa troca de secretarias. Nesse ano ainda é o ano que só tem isso e que não sei se a gente terá no próximo ano, nós estamos num terreno instável. [...] A escola não está sendo visto como escola, no lugar é vista como uma empresa” (Gestor 3).

“A gente fica sempre na incerteza, porque as vezes muda governo ou sempre no final do ano fica, será que o ano que vem vai ter? O professor fica assim, porque não é uma coisa certa, que vai ter sempre. Então a gente fica sempre naquela ansiedade, naquela dúvida esperando se ano que vem vai acontecer” (Gestor 13).

21% 21% 10% 21% 3% 14% 10%

Gráfico 10 - Aspectos negativos e dificuldades nas ACCs

Instabilidade das políticas públicas

Perfil do professor que desenvolve as ACCs Exigências burocráticas dos Programas de ACCs Insuficiência de recursos financeiros e espaço físico Falta de incentivo da família

Frequência dos alunos nas ACCs

Não relataram aspectos negativos

“Se o governo corta, nós não temos como ofertar de outra maneira. Por mais que a gente tenha parceria com a prefeitura, nós não conseguimos fazer essa oferta, porque daí quando corta, corta a demanda de muitas coisas juntas” (Gestor 24).

A instabilidade e a descontinuidade das políticas públicas, em educação, não se configuram como momentos isolados na história da educação brasileira. Estas questões ocorrem devido a diversos fenômenos, destacando-se os das ordens política e financeira. A ausência de políticas de Estado faz com que, na sucessão de governos, as políticas sejam marcadas por instabilidades, rupturas e, até mesmo, por descontinuidades para neutralizar as marcas do governo antecessor. E os depoimentos acima, mostram de alguma forma as angústias e as incertezas que vivem os gestores frente a instabilidade das políticas educacionais. Eles ilustram os problemas trazidos pela administração “zig-zag” discutida por Cunha (1997) que converte o ensino em “experimentalismo pedagógico”.

A tônica "zig-zagueante" das administrações, tratada por Cunha (2009), traz como consequência direta, além da impossibilidade de avaliação das políticas educacionais, a desconfiança desenvolvida pelos professores diante das mudanças a cada início de gestão, ou, neste caso específico, no início de cada ano letivo. Conforme o autor, as razões para tal forma de gestão, estão sustentadas em três aspectos: o eleitoreirismo - a adoção de propostas de impacto para atrair votos, o experimentalismo pedagógico - entusiasmo em adotar em toda a rede escolar experiências sem bases científicas e, o voluntarismo ideológico - a pressa em resolver os problemas da educação em pouco tempo (CUNHA, 2009).

Um segundo aspecto negativo, apontado pelos gestores, é o da insuficiência de recursos financeiros, de materiais e de espaço físico para o desenvolvimento das atividades, uma vez que, não são previstos recursos específicos para estes fins, tampouco ampliação ou adequação do espaço físico das escolas.

“A gente percebe assim que é financeiro, porque a escola ela recebe o fundo rotativo que é uma quantia que... No caso a gente consegue fazer mais, mas nós não conseguimos por causa dessa questão financeira [...] mas não temos, então na verdade por falta de estrutura física e por falta de financeiro nos impede de ter mais projetos nesse sentido” (Gestor 11).

“O obstáculo acaba esbarrando nessa questão do recurso financeiro. Como eu tinha dito, a gente foi persistente, porque se for analisar

pelo lado lógico, não compensaria ter essas atividades, justamente por causa do aumento dos gastos que tem. Então assim, a parte financeira é um setor que complica bastante o funcionamento” (Gestor 22).

“E outra questão também, essa questão material e física da escola, porque os professores tem vontade de fazer uma coisa diferente, de ampliar, mas a questão financeira é muito complicada e a física também. O espaço físico nosso, você pode ver que a nossa escola é sala de aula de frente para o pátio, aluno passando, outro na sala estudando, aquele atrapalha. Tem uma quadra aqui na frente, tem espaço, mas é, a estrutura física da nossa escola e material, o formato dela é muito difícil para o trabalho” (Gestor 23).

Observamos ainda a fala do Gestor 25, o qual aborda várias questões objetivas que tem dificultado o trabalho com as ACCs nas escolas.

“Os pontos negativos do projeto, a eu acho que essa questão assim do número de alunos, se fosse menor, se pudesse ser misto também, se ele tivesse a flexibilidade. Questão assim, de ser misto, por exemplo, num dia se o professor achar que é coerente fazer o masculino no outro dia o feminino, até pra facilitar no número de alunos para que tenha o projeto. E a questão de material de repente, se tivesse um recurso destinado específico para isso, além daquele do fundo rotativo, poderia ajudar. A estrutura física das escolas, tem algumas que não tem cobertura, outras não tem a quadra. Eu tenho viajado bastante as escolas aqui, tenho visto muita coisa bonita, muita coisa boa, teve muitas reformas. Mas tem a escola X ali, não tem a cobertura o vento levou embora, na verdade tinha, mas o vento arrancou tudo. Transporte as vezes também, as vezes os alunos até querem vir, mas não podem por causa do transporte” (Gestor 25).

Essas dificuldades estão relacionadas ao que Paro (1992, p. 6) aponta como condicionantes materiais da participação, isto é, “às condições objetivas em que se desenvolvem as práticas e relações no interior da unidade escolar”. Conforme o autor, não se pode esperar que estas condições proporcionem por si só relações democráticas e participativas.

O que parece se dar na realidade de nossas escolas públicas é que, na medida em que, para a consecução de seus objetivos com um mínimo de eficácia, faltam recursos de toda ordem, o esforço despendido para remediar tais insuficiências tem competido com o que se poderia empregar para se modificarem as relações autoritárias que vigem dentro da instituição escolar (PARO, 1992, p. 6).

Em estudo recente, Parente (2019), corrobora com esta discussão ao afirmar:

[...] a ausência histórica de infraestrutura leva, muitas vezes, à oferta de atividades complementares mesmo sem as devidas condições de infraestrutura. Essa opção política, por um lado, inibe o aproveitamento máximo dos benefícios previstos pelas atividades complementares (enriquecimento curricular) e, por outro, pode atrapalhar a oferta adequada do currículo escolar mínimo, já que muitas vezes atividades complementares e atividades curriculares concorrem entre si em termos de espaço físico, material e humano (PARENTE, 2019, p. 337).

Na mesma proporção das questões anteriores, os gestores ressaltam as dificuldades com relação ao perfil dos profissionais que são contratados para trabalhar com as ACCs.

“Está complicado devido essa troca de professor, aí o aluno fica desmotivado. Igual a semana passada mesmo, a professora estava de atestado, não conseguiu perícia, os alunos ficaram sem aula, então isso já vai desmotivando. Porque as vezes eles estão indo firme, daí falta duas vezes, já desmotiva” (Gestor 10).

“Eu acho que em todas as escolas que tem o projeto, deveria ser o professor contratado para estar dando aula nesse projeto, tem que ser um professor que goste daquilo que faz, que trabalhe por amor, não por dinheiro, porque os alunos eles merecem. [...] Eu acredito que aqui na nossa escola, acredito que se eu tivesse uma pessoa, não assim falando mal, nosso professor é bom ele vem, ele dá aula, mas ele é fechado, ele é uma pessoa assim que é muito difícil você ver ele dar um sorriso para um aluno, e você chegar na escola e trabalhar com a cara feia, que motivo que você vai dar, apesar que você pode ter o pior problema na sua casa, mas eu acho que no ambiente trabalho você tem que chegar alegre, sorrindo e falta motivação para eles nesse sentido” (Gestor 19).

“Existe assim uma rotatividade muito grande de professores. Então nós não temos um trabalho contínuo, e muitos professores, alguns casos, aconteceram de não estar levando a sério esse trabalho e estar comprometendo todo o andamento. Porque além do treinamento por si só, que já é essencial, tem toda a parte burocrática, parte de preenchimento, a parte de relatório que assim, fica bem a desejar. Então o professor ele está mais como um treinador do que como um professor que tem cumprir as chamadas e preenchimento e tal. É uma crítica de muitos diretores, se for pesar isso, acabaria mesmo, porque assim, tem momentos que é uma dor de cabeça, que é melhor não ter mais, para não ter mais problema,

mas como se diz, como é uma gestão democrática, para os alunos, se fosse a vontade da direção eu acredito que acabaria (Gestor 20). “Tem horas que você fala assim, será que vale a pena ter o contraturno? As vezes pelo professor que acaba não se envolvendo tanto, as vezes ele não gosta da modalidade que ele tem que trabalhar e ele não trabalha da forma como deveria. Mas quando você pega alguém que se dedica mais, aí você percebe que vai valer sim, que tudo vai da dedicação” (Gestor 21).

Com base nos relatos, apreende-se que a falta ou insuficiência de uma formação adequada e continuada e, ainda o comprometimento profissional pode provocar efeitos negativos no desenvolvimento das ACCs. Esse é um fato bastante significativo, na medida em que, como apontado por Luck (2009, p. 21), os professores são profissionais que influem, diretamente, na formação dos alunos, a partir de seu desempenho baseado em conhecimentos, habilidades e atitudes e, sobretudo, por seus horizontes pessoais, profissionais e culturais. De sua postura diante da vida, dos desafios, da educação e das dificuldades do dia-a-dia depende a qualidade de seu trabalho. Professores bem informados e bem formados são fundamentais para a orientação competente de seus alunos. Sua atuação junto de seus alunos deve ser aberta, com forte liderança e perspectivas positivas orientadas para o sucesso. Professores com elevadas expectativas no sentido de fazer diferença na aprendizagem de cada aluno são aqueles que mais contribuem para a formação.

Chamando atenção para a questão da formação e do desenvolvimento profissional dos professores, Gohn (2014, p. 42) alerta que “o profissional que vai trabalhar na escola hoje é extremamente carente de vários recursos, materiais ou na sua formação. Não adianta falar que se têm livros na biblioteca e computador na escola se o professor não sabe usá-los, ou não há manutenção técnica, ou não há tempo previsto para tal no calendário de atividades”.

Além destas questões, em número reduzido alguns gestores destacam, como limitações, a falta de incentivo da família, a qual não participa ativamente da vida escolar dos filhos, logo não valoriza ações desenvolvidas pela escola. E, também, como consequência disso, a baixa frequência dos alunos, os quais realizam a matrícula, contudo, com o decorrer do ano, deixam de participar das atividades. Por fim, chama a atenção, ainda, as narrativas dos gestores que afirmaram não passarem por dificuldades ou limitações, o que mostra uma contradição nas falas, uma vez que, em momentos anteriores, relatam dificuldades

com espaços, com materiais, com parcerias e, o próprio atendimento das demandas da escola em número de projetos, modalidades e número de matrículas.

4.3 PARTICIPAÇÃO SOCIAL COMO ELEMENTO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NO