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CAPÍTULO IV – PARTICIPAÇÃO SOCIAL, GESTÃO DEMOCRÁTICA E AS

4.2 DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES COMPLEMENTARES EM

4.2.5 Principais mudanças nas diretrizes das ACCs ao longo dos anos

Os documentos que determinam as diretrizes para a implantação e execução das ACCs nas escolas, apresentados no capítulo três, deixam explícito que houve mudanças nos critérios que devem ser observados e atendidos pelas

escolas. Entendendo que estas alterações podem influenciar de maneira significativa as ações, perguntamos aos gestores quais as principais diferenças percebidas ao longo dos anos para o funcionamento das ACCs. No gráfico 08 estão sintetizados os pontos destacados nos relatos dos gestores.

Notadamente, a principal mudança, trata-se do enquadramento do professor no plano de carreira do magistério público estadual. Segundo foi ressaltado pelos gestores, nas configurações atuais, somente podem assumir as ACCs os professores que fazem parte do Quadro Próprio do Magistério (QPM), ou seja, professores concursados com habilitação específica para o exercício do magistério. Acreditamos que este fato ganhou destaque, dentre outros motivos, porque algumas escolas não possuem professor com este enquadramento na área específica em que poderiam abrir projetos ou, porque os professores neste enquadramento não possuem carga horária disponível, não têm interesse ou perfil para trabalhar com ACCs.

“o do esporte se manteve porque a nossa professora de educação física ela é QPM, então era uma coisa que eles exigiam, colocavam no critério e a gente tinha, a professora QPM pra poder tocar o projeto. E os dois projetos nossos, o de matemática e o de história também QPMs” (Gestor 6).

“Existe mais um fator determinante, que é o professor que pode assumir um projeto, e tem professores que tem mais perfil pra

46%

30% 10%

7% 7%

Gráfico 08 - Principais mudanças nos critérios para as ACCs Enquadramento do professor no Plano de carreira Diminuição do número de projetos Impossibilidade de trabalhar com turmas mistas

Diminuição da carga horária do professor

Não houveram mudanças significativas

trabalhar com projetos e isso acaba também influenciando e impactando até nos resultados. Aí vem por uma questão de direitos, as vezes, um professor que assume determinado projeto ele não tem o perfil e acaba prejudicando” (Gestor 9).

“O professor do projeto do AETE tem que ser um QPM, não pode ser nem extraordinária, na verdade um já não pode pegar porque é extraordinária” (Gestor 12).

“o principal problema está na questão de contratação de professores. Por exemplo, nós temos o AETE, ele só abre a contratação do professor no início do ano se o professor for concursado. Mas porque que tem que ter um professor concursado se eu tenho um professor que é PSS? Não tem esse professor concursado, o que acontece? Fecha o projeto. Então assim, parece que está de todas as formas restringindo. O professor concursado as vezes não tem disponibilidade pra sair pra jogos. Nós temos duas professoras que são lotadas aqui no colégio, uma delas é envolvida com jogos, os filhos já são crescidos então assim ela consegue isso, de ir para os jogos. A outra já não, tem filhos pequenos, então não tem disponibilidade pra ir pra jogos. Na hora da distribuição de aulas é sempre um transtorno até que a gente consegue encaixar isso. Daí só pode um projeto na linha funcionar, não pode nem dois, tem que ser um só, então acaba restringindo muito. O que dá impressão mesmo, é que o estado colocou essas delimitações para que não houvesse mesmo professor, pra eles não precisar dizer, não nós queremos fechar sim, vamos deixar que...” (Gestor 16).

“um dos problemas que eu percebi quando vai distribuir aulas é que ela tem que ser vinculada a um professor que seja concursado. E geralmente esse professores que são concursados, aqui nós temos uma grande dificuldade, porque eles não querem o AETE, uma que quando vai, participa de jogos tem eu ficar fora, e então a nossa professora ela é concursada por 20 horas e ela não tem costume de pegar extraordinária. Ela só pegou o AETE pra nós não perdermos o programa, mas deveria ser aberto pra escolha também, [...] tem escolas que quase fecharam porque teve que fazer uma jogada ali pra poder manter, isso eu acompanhei (Gestor 15).

Essa questão do enquadramento do professor no plano de carreira é mais um dos indícios de que essa política pública está a mercê das políticas de governo de restrição de gastos pela não contratação de professores, haja vista que, nos anos anteriores que representaram o ápice destas políticas de ampliação da jornada escolar em contraturno, eram contratados professores por meio de teste seletivo simplificado exclusivamente para trabalhar com atividades em contraturno.

Um segundo aspecto destacado nas falas refere-se à diminuição no número de projetos desenvolvidos nas escolas. Conforme verificamos na figura 01 (p.34) e

no gráfico 5 (p. 136) é notável a diminuição no número de matrículas a partir do ano de 2015, e consequentemente, no número de projetos.

“Tinha artes, tinha meio ambiente, português e matemática que os alunos tem muita dificuldade. Até depois o governo vai pra mídia e fala que os alunos são analfabetos, que os professores são analfabetos, mas não é bem assim. A educação não é hoje que você investe e amanhã se tem resultados, são décadas, pra você ter um resultado, não é assim uma coisa imediata, e daí você tira, tira esse direito [...]. Infelizmente todos esses projetos foram cortados, numa mudança de política corta-se verba, corta-se tudo, como agora está cortando, cortando tudo, diminuindo, tirando tudo, tiraram isso também [...]” (Gestor 3).

“E tinha um projeto aqui do meio ambiente que era o mais concorrido, mas aí o Estado cortou. Desde o ano passado [2018] já não teve mais e era o que eles mais gostavam. Porque aqui a gente, a nossa comunidade é na beira do rio, então o meio ambiente pra eles é tudo, daí eles cortaram, cortou de todos, cortaram do Paraná inteiro” (Gestor 12).

“As resoluções tem dificultado, tem piorado, diminuído o número de horas, reduzido, reduzido a matrícula de alunos, tem todo um processo que reduziu. Era mais aberto, pegava mais gente, o horário, tem num turno não tem no outro, só pegou os alunos da tarde por exemplo, então não oferece para todo mundo. Então essas resoluções tem só complicado, e tem um limite de horas que o Estado oferece para todas as escolas e acaba reduzindo e limitando tudo isso por causa do custo também” (Gestor 18).

Embora essa questão, da diminuição do número de projetos de ACCs e, consequentemente, de matrículas tenha relações mais amplas com as políticas educacionais e os inúmeros âmbitos que lhes dizem respeito, o Gestor 25, esclarece que este fator tem relações, também, com o monitoramento das atividades desenvolvidas.

“É na verdade, esses projetos eles são acompanhados, eles tem um número mínimo de alunos, eles tem uma porcentagem de frequência, de aulas na semana que tem que ter. Então quando o projeto, o aluno perde o interesse, por n motivos, ou começou a trabalhar, ou o professor que está ali de repente não conseguiu articular com eles, e há uma evasão grande, hoje nós temos, por exemplo, presente na escola, programas que pegam a frequência diária disso aí. Então fica constatado o sucesso ou insucesso do projeto e quando tem insucesso as vezes é aberto para fazer uma justificativa, ou para mudar a disciplina ou para uma questão esportiva, e se a escola não tem interesse para aquilo o projeto é cessado” (Gestor 25).

Os gestores apontaram, também, como mudança, o fato de os projetos não possibilitarem a matrícula de turmas mistas, especialmente no que se refere às atividades ligadas ao AETE nas modalidades esportivas coletivas. Isso é enfatizado, sobretudo, por gestores de escolas menores, nas quais a matrícula de turmas mistas seria determinante para atingir o número mínimo de alunos exigidos para as ACCs.

“Antes poderia ser turmas mistas, mas não tem como mais, se é masculino é masculino, se é feminino é feminino. Então a gente optou pra ser os meninos que tem mais, é a maior quantidade” (Gestor 1).

“é a quantidade de alunos, tem que ter aquele X de alunos e não pode ser misto, com isso aí a gente encontrou uma dificuldade” (Gestor 19).

Em menor número, alguns gestores alegaram que não houve mudanças significativas. Notamos que esta questão também foi relatada por gestores de escolas menores pois, mesmo em anos anteriores, não havia número de alunos e professores para o desenvolvimento de um maior número de projetos, assim como os professores atuantes já se enquadravam como QPM.

“o processo foi o mesmo pra nós, não tem muita mudança porque a relação dos nomes de quem, de candidatos a aulas sempre foi... e a questão de número de alunos a nossa escola...” (Gestor 2).

“Como a nossa escola é uma escola de pequeno porte, ela permaneceu. O professor não aumentou e também não diminuiu. A gente tenta manter a média, tipo se sai um a gente já tenta colocar outro [projeto] e assim a gente sempre vai mantendo. A professora é QPM, ela trabalha lá no ginásio de esportes com os alunos, hoje mesmo é dia de aula” (Gestor 17).

De fato, é evidente nos relatos, que as características que as atividades de ampliação da jornada escolar, supostamente em direção a implantação da educação integral em tempo integral tem assumido nos últimos anos, são marcadas por políticas de governo instáveis.

Embora as discussões sobre as questões da participação social como elemento da gestão democrática, no âmbito das ACCs serão foco principal no próximo bloco, especificamente, acreditamos na relevância de trazer para discussão este aspecto no que se refere às mudanças nas diretrizes orientadoras. Por isso,

questionamos os gestores se houve alguma forma de consulta às escolas e/ou a outros membros da comunidade escolar sobre as mudanças relatadas anteriormente.

“Infelizmente não. Quando a mudança vem, ela vem muito rápida e, ou você se adapta ou você desiste. Mas essas consultas não existem, sempre quando vem mudanças é automático, só da ciência, a gente não tem direito a opinar” (Gestor 7).

“Não, não há consulta. Até porque, vamos colocar assim, a uns 4 ou 5 anos atrás, houve assim uma grande abertura de vários projetos em todas as áreas. Mas ainda é engraçado que o governo disponibilizou, foi final do Requião e tal, naquela época. Mas quando abriu, abriu muito projeto em todas as escolas, mas o grande problema é que os projetos não funcionaram [...] A gente não sabe muito precisar se o governo tirou por questões de custo porque tinha, imagina você, abriu vários projetos em todas as escolas, em quantidade, as vezes, a gente ficou até... o negócio era assustador, tinha muito projeto. Então assim, eles não foram funcionando e por n motivos, as vezes por falta de material, as vezes pelo profissional que estava ali, as vezes pela escola que não deu estrutura, foram n fatores” (Gestor 8).

“Somente a partir das instruções das distribuições de aulas no início do ano, só dessa forma, chegou como uma determinação, mas assim, da noite para o dia, não foi nada assim, nem no ano anterior a escola foi informada que seria dessa forma” (Gestor 9).

“Olha, é secretaria do estado que, ela abre esses projetos e o Núcleo vê a escola. Várias escolas fecharam projetos. O Núcleo determina, tal escola, quantidade de alunos, quantos projetos. Depois eles vieram fechando, só deixaram abertos mesmo as que realmente, que funcionavam normal da maneira que tinha que ser, mas a determinação mesmo vem de lá de cima” (Gestor 19).

“Foi determinação, até nós ainda continuamos por pensar nos alunos mesmo, que a gente sabe que é importante pra eles, estar mais tempo na escola porque se for ver pra escola, está gerando mais gastos com material de limpeza, alimentação e esses recursos não estão sendo repassados. Teve esse corte e foi de forma arbitrária, não consultaram a gente” (Gestor 22).

“Não, porque o que sempre acontece é que assim, [...] depois do primeiro bimestre ela abria [referindo-se a atividade] e antes do final do ano letivo ela fechava, e daí assim, ela ficava aberta no sistema mas a gente não sabia se no outro ano ia ter ou não sabe, então era uma coisa assim, esse ano tinha, as vezes o ano que vem não tinha. E não tinha aviso se nós iríamos ter ou não” (Gestor 24).

No que se refere a esta questão, ainda, verificamos que as falas dos gestores das escolas e do NRE são compatíveis e refletem uma política pública pensada por organismo do governo e, somente, repassada para as instituições onde serão executadas. O Gestor 25 esclarece, com relação à consulta as escolas e/ou NRE,

“Olha, desde que eu entrei não. Nós estamos vendo assim a renovação destas atividades para o ano que vem. Então assim, nós estamos adequando algumas atividades, teve alguns colégios que não tiveram o devido cuidado com o projeto, então no caso, na área da educação física mesmo, nós até vimos hoje isso aí, a readequação de dois projetos para outro colégio. E na verdade, esses projetos eles são acompanhados, eles tem um número mínimo de alunos, eles tem uma porcentagem de frequência, de aulas na semana que tem que ter. Então quando o projeto, o aluno perde o interesse, por n motivos, ou começou a trabalhar, ou o professor que está ali de repente não conseguiu articular com eles, e há uma evasão grande, hoje nós temos por exemplo presente na escola, programas que pegam a frequência diária disso aí. Então fica constatado o sucesso ou insucesso do projeto e quando tem insucesso as vezes é aberto para fazer uma justificativa, ou para mudar a disciplina e se a escola não tem interesse para aquilo o projeto é cessado” (Gestor 25).

Sobre essas questões, compartilhamos do entendimento de Höfling (2001, p. 31) de que a educação como uma política pública social, uma política pública de corte social, de responsabilidade do Estado – mas não pensada somente por seus organismos. Assim, as demandas a serem supridas pelas políticas públicas somente serão atendidas à medida que a população, foco da política, seja consultada e possa efetivamente contribuir com a sua construção e implementação, tornando-se corresponsável.

4.2.6 Aspectos positivos e benefícios das ACCs

O desenvolvimento das ACCs pode representar uma maneira profícua para o desenvolvimento humano e social no âmbito escolar. Logo, as atividades realizadas podem estimular os alunos na conscientização e enfrentamento de questões emergentes da realidade, trazendo benefícios não só para os alunos, mas para toda a comunidade escolar e externa também. Nesse sentido, indagamos aos gestores

sobre os aspectos positivos e benefícios para a formação dos alunos, tanto em aspectos cognitivos, quanto afetivos, sociais, políticos e culturais observados ao longo do desenvolvimento das ACCs. No gráfico 09 é possível observar os pontos positivos mais citados pelos gestores.

Para elucidar estas percepções destacamos a fala do gestor 25.

“Para o professor, a sala de aula, você tem os conteúdos para ensinar lá, no ensino aprendizagem, você não pode ficar focando em treinamento, na nossa área da educação física, e com esses projetos aí eu já posso, determinar olha, aqui a gente já tem uma visão mais apurada, aqui a gente vai avançar mais. Então para o professor nesse sentido vai ajudar muito, porque há uma cobrança muito grande em cima do professor. Ele não tem obrigação nenhuma de fazer nada disso, mas o vínculo dele com o aluno, o amor e o carinho que ele pega, muitas vezes, fica difícil ele falar não para o aluno. E para o aluno também, aquela questão que eu te falei, as vezes a prefeitura não tem lá um professor para cada modalidade esportiva. Vamos pegar por exemplo, Jardim Alegre, ali nós temos o handebol, hoje está tendo basquete, está tendo vôlei, está tendo atletismo, mas tem município que não tem. Então para o aluno estar ali na escola, participando, é um local que ele está seguro, está aprendendo, então eu vejo um crescimento para tudo isso aí” (Gestor 25).

Fica evidente, na fala dos gestores, que as contribuições nas dimensões sociais e afetivas se sobressaem diante das demais dimensões. Os gestores destacam o fortalecimento da instituição escolar como espaço singular de convivência, de interação e diálogo, além de figurar como possibilidade de melhoria

14% 18% 25% 23% 11% 4% 5%

Gráfico 09 - Aspectos positivos e benefícios das ACCs

Incentivar a prática de esportes

Destaque em competições esportivas

Melhoria da socialização, convívio e relacionamentos pessoais

Ampliar conhecimentos e melhoria da aprendizagem

Tirar os alunos das ruas e coisas erradas

Preservação do espaço escolar

Minimizar evasão e abandono escolar

das questões sociais como tirar os alunos das ruas, da violência, das drogas e afastá-los de atitudes indesejadas em direção a uma formação cidadã. Entendemos que não é possível a escola ignorar situações de vulnerabilidade que vivem as criança e adolescentes, porém não se pode secundarizar sua função primordial de formação, construção e produção de conhecimentos.

Pelo exposto, ficou perceptível que a implantação de ACCs, nas escolas, trouxe a possibilidade de um número maior de vivências na dimensão social, todavia, as abordagens referentes a avanços na aprendizagem dos alunos foram menos enfatizadas e tratadas de forma genérica. Importante ressaltar que este fato pode estar relacionado a restrição/ausência atual de projetos em áreas específicas do conhecimento tal qual existiu em anos anteriores, como português, matemática, química, entre outras. Contudo, compartilhamos do entendimento de Cavaliere (2007) quando defende que a ampliação do tempo escolar deve proporcionar uma formação omnilateral, ou seja, mais completa, com uma visão de totalidade que abrange os âmbitos cognitivo, sociocultural, político, afetivo-emocional, psicomotor, ético, estético etc.

Por fim, ainda que se destaquem aspectos positivos, percebemos que os gestores não dispõem de uma sistemática de monitoramento e de instrumentos de avaliação das ACCs nas escolas, com dados objetivos que pudessem contribuir com o planejamento das ações. A avaliação positiva, feita pelos gestores, é oriunda das vivências junto às ações e do compartilhamento de opiniões com professores e demais membros da comunidade escolar.