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2.3 Dignidade no âmbito das organizações

2.3.1 Dignidade do trabalhador e dignidade no trabalho

Os estudos sobre dignidade do trabalhador e dignidade no trabalho, apesar de adotarem perspectivas e objetivos distintos, apresentam em comum o interesse por aclarar questões referentes à dignidade nas relações existentes no ambiente interno da organização. O foco está na dignidade presente nas relações de trabalho entre a organização e seus empregados.

Veja-se, em primeiro lugar, o tema da dignidade do trabalhador. Nem sempre as ideias relacionadas a esta perspectiva dantes exposta tiveram um entendimento uniforme e harmônico, nem no aspecto temporal, nem no geográfico. Até o advento do capitalismo e do ideário protestante no mundo ocidental cristão, o trabalho não estava associado à dignidade humana, mas à ideia de atividade vil e degradante, própria de escravos, servos, ou dos economicamente desfavorecidos. O trabalho não era considerado dignificante, porém degradante (GOSDAL, 2006).

No mundo ocidental católico, a partir da segunda metade do Século XIX, ressalta Reis (1997), foi enfatizada uma época de dignificação do trabalho como valor ético central da sociedade, inaugurada com a encíclica papal Rerum Novarum (lançada em 1891 pelo Papa Leão XIII), com a proposição da Igreja Católica retomada por outras encíclicas, tais como a

Quadragesimo Anno, do Papa Pio XI e Mater et Magistra, do Papa João XXIII, Assim, o

trabalho passou a ser compreendido como simultaneamente o único meio de vida, meio de libertação e de fundamento da dignidade do trabalhador.

Com o desenvolvimento de relações capitalistas de produção (GOSDAL, 2006), a apropriação privada dos meios de produção e da riqueza, a necessidade de se permitir a apropriação do trabalho para formação do lucro e de se garantir a circulação de mercadorias, levaram, num primeiro momento, à exploração do trabalhador e da sua força de trabalho.

O novo entendimento das relações de produção, entre o trabalhador e a organização que usa a sua força de trabalho passou a se orientar no sentido de se promover, em paralelo, uma série de ações tendentes a enfatizar e proteger a dignidade do trabalhador, inclusive criando normas jurídicas para esta proteção.

A atual norma constitucional brasileira, por exemplo, coloca a menção à valorização do trabalho humano antes da referente à livre iniciativa.

Nas relações interpessoais dentro das organizações deve-se ter em conta os respectivos fundamentos legais, inclusive nas relações hierárquicas, regidas que são, em determinados casos, pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho, e bem assim, noutras situações, pelas da legislação sobre os servidores públicos, a saber, no caso do direito federal, de um lado, a Lei do Regime Jurídico Único, e de outro o Estatuto do Magistério, aquela de âmbito geral para todos os servidores federais, esta, como lei especial, apenas relacionada aos direitos, deveres e obrigações dos membros do magistério federal (REIS, 2012).10

A Constituição brasileira, ao preceituar, no seu art. 170, mencionado anteriormente, que a ordem econômica, tendo por finalidade assegurar a existência digna da pessoa humana, está reconhecendo, em primeiro lugar, essa dignidade, como vetor para a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, conforme os ditames da justiça social. A tutela da

10 O presente estudo não envolve, em nenhum aspecto, as relações de hierarquia e disciplina próprias das Forças

Armadas, o que não poderá ser entendido como qualquer referência, ou ausência desta, à dignidade das corporações e dos seus integrantes. Igualmente, não analisa as normas e princípios existentes nas legislações estaduais e municipais relativas aos seus servidores públicos. É prudente registrar que se uma unidade política (Estado ou Município) adota a CLT para disciplinar as relações de emprego com o seu pessoal, está abdicando do seu direito de criar um sistema legal próprio, para utilizar uma lei federal (REIS, 1993).

dignidade do trabalhador compõe o elenco de direitos fundamentais que, por sua natureza, antecede ao próprio Estado e, com maior razão, aos empreendedores (ALMEIDA FILHO et

al., 2010).

A dignidade humana passa a ser um parâmetro que pode ser promovido ou, ao contrário, violado. Por ser o seu conhecimento resultante de um relacionamento entre indivíduos ou entre grupos sociais, pode-se falar, como o fez Jacobson (2009), ao fazer a clssificação das formas de dignidade, quando o faz em duas principais, complementares, mas distintas, a dignidade humana e a dignidade social: a primeira inerente ao ser humano, a outra resultante do relacionamento social. Juntas, estas formas apontam para uma teoria da dignidade como uma qualidade dos indivíduos e de entes coletivos, a qual se constitui através da interação e interpretação e é estruturada por condições relativas aos atores, relacionamentos, configurações e, mais amplo, pela ordem social.

Se a dignidade humana é considerada como uma qualidade abstrata e universal, assegurada aos seres humanos pelo fato de estes serem humanos, a dignidade social resulta das interações entre individuos e entre comunidades e sociedades. Assim, a dignidade social pode ser apresentada por dois prismas: a auto-dignidade (digntiy-of-self) e dignidade nas relações (dignity-in-relation). (JACOBSON, 2009, p.4)

Então, para essa autora, a auto-dignidade é identificada pelas suas caracteristicas de auto-estima, a saber: a confiança, a integridade e uma atitude descrita como digna. Já a dignidade nas relações é resultante do relacionamento de pessoas, e se refere às maneiras em que o respeito e o valor são transmitidos através de um comportamento individual e coletivo. Os seus elementos, portanto, são contingentes e podem ser medidos, promovidos ou violados.

Esta auto-dignidade é uma condição inerente ao ser humano, está reconhecida desde a Antiguidade clássica e resulta dos sentimentos positivos que residem no âmago das pessoas, tais como o respeito, a auto-estima, a confiança, a valorização em si mesmo. Já a dignidade

nas relações se refere às maneiras pelas quais o respeito e o valor são transmitidos através de um comportamento individual e coletivo, englobando também o sentido histórico da dignidade decorrente do status ou posição que cada individuo ocupa no seu grupo social, como foi referido anteriormente. Assim, a verificação como a dignidade deve ser e as percepções de quando esta está presente ou ausente vai depender dos costumes e tradições de uma determinada comunidade ou sociedade.

Por isso, aduz Jacobson (2009), nas relações humanas poderá haver o “encontro de dignidades”, resultante do tipo de relacionamento entre os participantes. Como exemplo, podem ser destacadas as relações de poder, isto é, de mando/obediência, que, em alguns casos dão origem ao relacionamento hierárquico. Então, a promoção da dignidade vai resultar dos efeitos diretos desse relacionamento.

Toda interação humana tem o potencial para ser um encontro de dignidade, uma interação na qual a dignidade vem à tona e pode ser violada ou promovida. Tais encontros envolvem indivíduos ou coletividades, atores cujas relações são compostas de camadas de marcadores, gestos, interpretações e respostas. Encontros de dignidades ocorrem em contextos específicos, públicos ou privados, isto é, em ambientes físico e social nos quais os atores se envolvem em certos padrões habituais de comportamento (escritórios, salas de aula, prisões, empresas).

A violação da dignidade é mais nitidamente observada, quando o relacionamento entre os participantes do grupo é assimétrico, na medida em que um dos participantes está em uma posição de vulnerabilidade, ou, ao contrário, quando “tem mais autoridade, conhecimento, riqueza ou poder que o outro.” (JACOBSON, 2009, p. 4). Ademais, continua a autora, a violação da dignidade pode estar, também, ligada a uma forma de desigualdade baseada em raça, sexo, cor ou condição social. Ou ainda, quando um dos participantes está doente, pobre, indefeso, envergonhado, confuso.

Por outro lado, a promoção da dignidade torna-se mais provável quando um ator no contexto da relação dentro da organização está numa posição de confiança, isto é, tem um senso de autoconfiança e esperança e se sente merecedor de coisas boas. No outro lado, está um ator numa posição de compaixão, quando ele é gentil, aberto, honesto, e tem boas intenções. Tais encontros são mais propensos a resultar na promoção da dignidade quando o relacionamento entre os atores é de solidariedade, isto é, quando a relação é caracterizada por qualidades como a reciprocidade, relacionamento, confiança, empatia. Formas de promoção da dignidade são aquelas que apresentam características humanas circunstanciais, tais como acessibilidade, transparência, simpatia, beleza e calma. Finalmente, a promoção da dignidade é mais provável de ocorrer em uma ordem social justa que busca efetivar o aprovisionamento a cada ator de renda e moradia adequadas, o acesso à educação e saúde, e também do investimento social em outros bens públicos. (JACOBSON, 2009, p. 6).

A proteção da dignidade do trabalhador deve ser normatizada a fim de alcançar todos os aspectos da relação de trabalho que possam vir a ser afetados ou violados, seja por fatores externos à organização, seja por problemas internos de estrutura e funcionamento. Investir na pessoa humana, na sua formação, ajudando-a na realização pessoal, familiar e de trabalho, não é apenas um modo solidário de agir, como também um caminho para alcançar o sucesso organizacional (GOSDAL, 2006).

Existem leis estaduais e municipais sobre o tema da proteção à dignidade do trabalhador, definindo o assédio moral no trabalho e estabelecendo punições para o infrator (REIS, 2012). O assédio moral é tratado como sendo um procedimento para constranger o trabalhador, ao atentar contra sua dignidade como pessoa, ou seus direitos.

Daí a proteção legal que hoje se dá ao trabalhador que possa vir a ser vitima de assédio moral, ou, mais ainda, de assédio sexual, que é o constrangimento a alguém com intuito de

obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.11

Geralmente a vítima do assédio sexual é a mulher, porém existem não poucos exemplos de que este comportamento irregular tambem é praticado contra homens. Do mesmo modo o agressor pode ser homem (mais comum) ou mulher.

Araújo (2011) assegura que, dentre os exemplos de estudos que avaliam a dignidade do trabalhador, destacam-se os que abordam questões como a dignidade de empregados durante o processo de desligamento, em processos de downsizing e, até mesmo, em procedimentos de expatriação de trabalhadores estrangeiros irregulares.

Do ponto de vista da incidência da dignidade no contrato de trabalho e nas relações de trabalho, isto é, no relacionamento entre o trabalhador e a organização, afirma Gosdal (2006), o direito à existência digna destaca-se, como elemento fundamental, para a constituição de uma ética em condições que permitam aos indivíduos colocarem em prática sua concepção de dignidade, podendo aí serem incluídas várias questões, tais como o trabalho justamente remunerado, e prestado em condições de equidade, segurança e seguridade para o trabalhador: a previdência e a assistência social.

Do reconhecimento e respeito à dignidade do trabalhador nos relacionamentos dentro da organização decorrem, também, as questões de autonomia e liberdade, podendo o respeito, ou não, à autonomia do trabalhador promover ou violar sua dignidade, como ensina Hodson (2004). Este autor argumenta que o trabalho com dignidade é o fundamento para uma vida plenamente realizada.

No que concerne à dignidade no trabalho, é de se invocar a lição de Hodson (2004, p.3), quando este argumenta que o trabalho com dignidade é o fundamento para uma vida plenamente realizada. Define a dignidade como "a capacidade de estabelecer um sentido de

11 Lei n.º 10.224, de 15 de maio de 2001.

autoestima e autorrespeito e também de respeito por outros”. Para ele, trabalhar com dignidade é um aspecto fundamental para se alcançar uma vida bem vivida, porém o relacionamento com os colegas e os administradores, bem como o local de trabalho, muitas vezes colocam obstáculos desafiadores, pois seriam decorrentes de má gestão ou de abuso de gestão. A defesa da dignidade e a realização da autoestima através do trabalho são fundamentais para o bem-estar dos trabalhadores. Assegurar a dignidade dos trabalhadores é igualmente importante para as organizações, pois se trata de tentar fazer uso efetivo de seu capital humano.

Tomando a definição de dignidade de Hodson (2004), que vem de ser referida, é possível afirmar que a dignidade no trabalho tem caráter intersubjetivo pelas relações estabelecidas naquele contexto, ou seja, as geradas nas interações entre indivíduos e bem assim entre coletividades e sociedades. Interações positivas, buscando resultados adequados aos interesses de todos os participantes: a organização, os dirigentes, os trabalhadores e os usuários.

Para o citado autor, o trabalho é uma das formas pela qual o trabalhador defende sua dignidade. Do mesmo modo que o faz com suas atitudes, ações e métodos contra certos procedimentos eventualmente adotados por gestores de organizações que posam vir a violar essa mesma dignidade, ou ao menos tentar fazê-lo.

Hodson, no estudo realizado em 2001, se propôs identificar e codificar as estratégias usadas por trabalhadores para manter a dignidade no ambiente de trabalho, chegando à conclusão de que estas estratégias são de quatro tipos: (1) resistência, (2) cidadania organizacional, (3) trabalho significativo e (4) desenvolvimento de relações sociais no trabalho.

No mesmo estudo identificou, também, quatro situações de restrição para um trabalho com dignidade: (1) má gestão e abuso de poder; (2) excesso de trabalho; (3) falta de autonomia e (4) envolvimento dos trabalhadores em novas formas de produção.

Daí ter chegado à conclusão de que a ponderação sobre a dignidade no trabalho decorre das contribuições dos trabalhadores para o desenvolvimento do seu trabalho, à produção do seu objetivo. A seu lado, a chave do impedimento do senso de dignidade vem do gerenciamento que recebem, já que as formas de mau gerenciamento e os abusos de poder por parte dos gestores tiram dos trabalhadores seu ânimo e sua capacidade de fazer um bom trabalho.

O resultado de um bom gerenciamento dos trabalhadores, para Hodson (2004), é o que ele designa como cidadania organizacional, na qual os empregados contribuem para o bom resultado dos trabalhos da organização.

Por outro lado, segundo o citado autor, a resistência por parte dos trabalhadores é custo do mau gerenciamento. Deste modo, os trabalhadores podem defender sua dignidade por meio de atitudes de resistência. Tal se reflete em ações que evidenciem a defesa da dignidade do trabalhador individualmente, ou de seu grupo, e neste caso estarão eles promovendo uma relação de trabalho digno. Relação esta que inclui as duas definições de dignidade: dignidade intrínseca e dignidade nas atitudes/ações.

Dignidade intrínseca, ao se referir à dignidade pessoal do trabalhador, nas suas relações com colegas de trabalho, chefes e usuários dos serviços.

Dignidade nas atitudes e de ações, relacionadas com a aceitação, ou não, pelo trabalhador da política da organização ou do governo, como o uso da greve como instrumento de pressão. Se bem que, afirma Reis (2012, p. 15), durante muito tempo a greve foi considerada “um caso de polícia”, hoje em dia, a greve é movimento social aceito e protegido pela lei em quase todos os países do mundo. No Brasil, o direito de greve é assegurado na

Constituição de 1988 aos empregados (art. 9º) e aos servidores públicos civis (art. 37, VII), proibida, no entanto, aos militares (art. 142, §3º, IV).

Portanto, a dignidade do trabalho decorre, por um lado, da dignidade da pessoa que trabalha e, por outro, das relações interpessoais entre dirigentes e colegas. A dignidade no trabalho, em muitos casos, de acordo com Araújo (2011, p.29), “tem sido representada pelos estudos que avaliam as condições de limpeza do ambiente de trabalho (ACKROYD, 2007), as dificuldades na rotina de trabalho de vendedores (MARGOLIS, 2001) e as consequências das ferramentas de tecnologia de informação na rotina de empregados (DOOLIN; MCLEOD 2007)”. De acordo com Almeida Filho et al. (2010, p. 360), “a salubridade do ambiente em que vive, a qualidade de vida e o tratamento igualitário e digno sob a proteção do Estado e suas instituições são, segundo Nunes, ao mesmo tempo a origem e as consequências resultantes das soluções que se idealizam ou se pretende realizar.

Constitui, assim, dever da organização a observância da dignidade e dos limites dados pelos direitos fundamentais dos trabalhadores de maneira integral, englobando a proteção de seu patrimônio moral. Por exemplo, impedir situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas, com o objetivo de desestabilizar o empregado forçando-o a desistir do emprego, agressões à sua integridade física, exigindo-lhe jornada de trabalho incompatível com os padrões aceitos de higiene e de segurança do trabalho, ou oferecendo-lhe ambiente de trabalho insalubre, situações que se confunde, de certo modo, com o desrespeito à dignidade no trabalho (MENDES, 2006).