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2.3 Dignidade no âmbito das organizações

2.3.2 Dignidade organizacional

Para a construção do conceito de dignidade organizacional, Teixeira (2008, p.81) partiu da ideia de buscar como contribuir para o estabelecimento de um ambiente empresarial

responsável frente aos demais segmentos da sociedade, “uma vez que os segmentos empresariais desempenham não apenas um papel econômico, mas também, social e político preponderante”.

Com a intenção de expandir o entendimento sobre o tema para as relações estabelecidas entre as empresas e outros stakeholders, Teixeira define:

A dignidade organizacional [...] consiste na relação entre pessoas da organização e outras, denominadas aqui de stakeholders, pautadas pela ação comunicativa, onde o que se diz é o que se pensa, de forma inteligível, e onde se estabelecem acordos baseados no entendimento e, portanto, não há intenção de usar o outro para o alcance dos próprios fins (TEIXEIRA, 2008, p. 82).

O conceito de dignidade organizacional proposto por Teixeira (2008, p. 85), a primeira a utilizar o termo no Brasil, se diferencia do conceito de Margolis (1997) – um dos primeiro autores a empregar o termo ‘dignidade organizacional’ - não apenas “por adotar uma perspectiva habermasiana, mas por contemplar a interação entre stakeholders internos e externos à organização, extrapolando o contexto intraorganizacional”.

Margolis, (1997), seguindo o ponto de vista de Kant, alega que as organizações são contextos nos quais se pode promover a capacidade dos indivíduos moldarem suas próprias ações, vez que a dignidade é inerente à pessoa humana.

O foco dos estudos de Margolis (1997, p. 7) foi o de “conhecer como as práticas e condições organizacionais promovem ou diminuem a dignidade individual”, elaborando um modelo em que as organizações devem não só respeitar a dignidade, mas também promovê-la. As organizações, continua o autor, devem se preocupar com a questão da dignidade, pois elas, além de terem objetivos econômicos, deverão ter outros parâmetros igualmente necessários como: ética, contribuição à comunidade e à dignidade.

Mesmo utilizando a expressão dignidade organizacional em seu modelo, Margolis (1997) focaliza seus estudos sobre dignidade no trabalho.

a dignidade como uma construção social e defende um modelo econômico humanizado. Este modelo econômico humanizado é fundado na reciprocidade, segundo o qual “a dignidade organizacional existe nas relações que são estabelecidas pelos membros da organização entre si e com os demais atores sociais, pressupondo que as decisões que afetam as vidas dos atores sociais interagem para a construção de acordos baseados no entendimento” (TEIXEIRA, 2008, p. 91).

Em 2010, Teixeira e colaboradores consideraram a organização como ator social, posicionando-se diferentemente do entendimento adotado em Teixeira, 2008. Assim, passaram a adotar a organização em si como unidade de análise para o estudo de “dignidade organizacional”.

A ideia das organizações serem consideradas “atores sociais” é exposta por King, Felin e Whetten (2009, apud TEIXEIRA et al., 2010). Eles afirmam que as organizações afetam a vida dos indivíduos, influenciam comunidades e modificam o ambiente em que convivem. Lembram que o reconhecimento da organização, enquanto uma entidade social distinta das demais, já era adotado há algumas décadas, tanto por sociólogos quanto por economistas, evidenciando o caráter individual e distinto das organizações enquanto atores sociais.

Duas são as premissas que os mencionados autores se basearam para defender a tal ideia, como foi exposto por Teixeira et al. (2010, p. 5):

a) “As organizações são percebidas pelos stakeholders como capazes de ação (premissa de atribuição externa) status que lhe é atribuído praticamente e linguisticamente por outros atores sociais”.

b) “Intencionalidade – que se refere à capacidade do ator social de deliberação, autorreflexão e direcionamento da ação com relação a objetivos”.

Tais qualidades, inerentes aos seres humanos, podem ser empregadas dentro de uma perspectiva de funcionalidade similar em entidades de diversos níveis, mesmo que estejam organizadas com estruturas diferentes. Por isso, King, Felin e Whetten (2009) sustentam que tais organizações podem ser consideradas como atores sociais (apud TEIXEIRA et al., 2010).

Assim, Teixeira et al. (2010, p. 6) ao examinar as organizações como atores sociais, entendem que as mesmas podem “ser consideradas dignas, ou não, denominando a dignidade que lhes é inerente como sendo a dignidade organizacional, que pode ser percebida por

stakeholders internos e externos, decorrente das suas deliberações e ações na consecução de

seus objetivos”.

Uma organização pode ser considerada digna quando seus stakeholders percebem que as ações tomadas para atingir seus objetivos transcorrem dentro dos preceitos de dignidade organizacional (TEIXEIRA et al., 2010, p. 6).

Os citados autores realizaram uma pesquisa, com o objetivo de identificar as características de empresa digna, na percepção de trabalhadores brasileiros. Foram obtidas 551 respostas e como resultado da análise de conteúdo a partir dessas respostas, encontraram 9 categorias – (I) valores; (II) relações com funcionário; (III) relações com cliente; (IV) relações com governo; (V) características empresariais; (VI) responsabilidade social; (VII) resultado para stakeholders; (VIII) características dos funcionários e (IX) responsabilidade ambiental - descobrindo, assim, o que seria uma empresa digna para aqueles respondentes. Concluíram, então, que a dignidade organizacional “consiste num conceito diverso da dignidade no contexto do trabalho, ou do trabalhador” e “mesmo que tendo sido aplicada com empregados, os fatores resultantes contemplam outros stakeholders” (TEIXEIRA et al., 2010, p. 6).

A partir das respostas obtidas no estudo ora mencionado, e em conjunto com outras pesquisas realizadas, também no âmbito do projeto Capes/PROCAD (REOUÇAS; SANTOS,

2008), um grupo de pesquisadores, em 2011, realizou uma recategorização das respostas sobre características de empresas dignas, chegando a quatro categorias relativas à dignidade organizacional: (I) práticas, (II) atributos, (III) valores relativos aos stakeholders e (IV) valores gerais, criando um instrumento.

A partir disso, desenvolveram um questionário com 103 assertivas, aplicado em uma amostra não probabilística para trabalhadores do Brasil,12 para mensurar as quatro características de dignidade organizacional (TEIXEIRA et al., 2011).

Após análise fatorial exploratória, foram encontrados cinco fatores para práticas relativas à dignidade organizacional [Quadro 3(2)], um fator de atributos relativos à dignidade organizacional [Quadro 4(2)] e um fator de valores relativos à dignidade organizacional [Quadro 5(2)], totalizando 49 assertivas.

Quadro 3(2) – Práticas relativas à dignidade organizacional (5 fatores) (continua)

Fator 1: Promove o desenvolvimento de empregado

Oferece programa de carreira

Oferece condições de desenvolvimento profissional Avalia o funcionário

Possibilita a participação dos empregados em processo de seleção Oferece oportunidades aos empregados

Investe em treinamento Reconhece o valor do empregado

Promove por mérito

Possibilita a participação dos empregados em processo de mudança Dá autonomia aos empregados

Divulga a avaliação dos funcionários Contrata por competência Promove o trabalho em equipe

Fator 2: Oferece produtos e atendimento de qualidade

Oferece produtos e serviços de qualidade Oferece bom atendimento

Oferece produtos e serviços bons para as pessoas Respeita o código de defesa do consumidor

Quadro 3(2) – Práticas relativas à dignidade organizacional (5 fatores) (conclusão)

Fator 3 : Respeita o direito dos empregados

Paga em dia

Prioriza a quitação de suas obrigações trabalhistas Contrata pela CLT (legislação trabalhista)

Reconhece o direito a férias É pontual em seus compromissos

Fator 4 : Favorece o meio ambiente e o social

Investe no meio ambiente Coloca em prática ações filantrópicas

Ajuda o terceiro setor

Oferece produtos e serviços bons para o meio ambiente Cumpre obrigações para com a sociedade

Fator 5 : Não engana os stakeholders

Tenta enganar o cliente Tenta enganar o funcionário

Sonega impostos Explora os funcionários Fonte: Teixeira et al. (2011)13

Quadro 4(2) – Atributos relativos à dignidade organizacional

Fator 6 – Atributos

É socialmente engajada É socialmente responsável

É desejada pela sociedade Dá orgulho para sociedade

Fonte: Teixeira et al. (2011)

Quadro 5(2) – Valores relativos à Dignidade Organizacional

Fator 7 – Valores

Humana Honesta

Coerente Respeita o projeto de vida do empregado

Leal Cordial

Valoriza o funcionário enquanto ser humano É justa na distribuição de tarefas

Respeita os funcionários Humilde

Justa É justa na distribuição de proventos

Generosa Valoriza a diversidade

Fonte: Teixeira et al. (2011)

13 Na proposição “contrata pela CLT”, deve se entender que, na área governamental, a noção deve ser

Como se pode observar, não houve separação entre valores gerais e valores relativos a

stakeholders.

Do mencionado questionário a pesquisa valeu-se do bloco relacionado às práticas relativas à dignidade organizacional, constituído por 5 fatores, num total de 31 assertivas, por ter sido, até o momento, o bloco que apresentou mais consistência em pesquisas anteriores.

Práticas relativas à dignidade organizacional, construto pesquisado nesta dissertação, não deixam de ser práticas organizacionais. Mas, o que vem a ser isto?

Apesar da ampla utilização da expressão ‘práticas organizacionais’ e de sua reconhecida importância na vida da organização, a literatura sobre o tema aparece com necessidade de definições mais estruturadas e generalizáveis para este construto (KOSTOVA, 1996, 1999).

Demo (2010) elencou em seu trabalho numerosas práticas adotadas na gestão de pessoas e o relacionamento destas práticas com estratégias competitivas e políticas organizacionais. Porém, não ofereceu uma definição para o termo práticas, explicando que este seria utilizado na acepção de hábito, rotina, ação ou atividades inseridas ou derivadas das políticas de gestão de pessoas adotadas pela organização.

Nos estudos que envolvem este construto constata-se que, grande parte emprega equivocadamente os termos rotina, ação, procedimento, processo, programa, política, tarefa, atividade, técnica, em muitos casos de forma intercalada, ou em sinonímia com a expressão prática organizacional, devido à falta de uma estrutura teórica mais consistente, como alerta Bedani (2008).

Para Verbeke (2000, apud BEDANI 2008) as práticas organizacionais seriam teorias em uso que representam os comportamentos e procedimentos típicos adotados pelos membros da organização. Ou seja, seriam as ações que ocorrem no dia-a-dia da organização ao longo do tempo, dando sentido de continuidade.

Durante o processo de socialização, continua o citado autor, os funcionários desenvolvem estas teorias em uso e, assim, podem agir e reagir em situações de trabalho específicas. Nesta perspectiva, as práticas representam primordialmente um conjunto de conhecimentos tácitos e empíricos, circunstância que dificulta a comunicação verbal a seu respeito entre os membros da organização. Portanto, a aprendizagem das práticas depende do engajamento das pessoas na execução das tarefas e da participação do grupo na solução dos problemas organizacionais.

Práticas relativas à dignidade organizacional podem ser entendidas como um subconjunto das práticas organizacionais, aquelas que são percebidas pelos empregados como relacionadas à dignidade da organização, contempladas em 5 grandes categorias: promover o desenvolvimento de empregado; ofertar produtos e atendimento de qualidade; respeitar o direito dos empregados; favorecer o meio ambiente e o social e não enganar os stakeholders.