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Dimensão dos estudos sobre catadores no Brasil

No documento ARI ROCHA DA SILVA 2018 (páginas 78-82)

2 VERTENTES DE ESTUDOS DAS AÇÕES E FLUXOS NAS SOCIEDADES

2.3. DIMENSÕES E ESTUDOS SOBRE A ATUAÇÃO DOS CATADORES

2.3.2 Dimensão dos estudos sobre catadores no Brasil

Nas últimas décadas foram pródigos os estudos científicos ao tratarem da relação de temas vinculados ao Trabalho e ao Meio Ambiente. Principalmente aqueles que não deixaram de enfocar o trabalho da catação, das representações e das práticas de segmentos de trabalhadores da reciclagem de materiais, sejam eles associados a cooperativas de trabalho ou não. Embora tenhamos observado que geralmente as ênfases dos estudos visam entender as organizações formais dos trabalhadores associados ou a constituição de processos de coletivos urbanos de trabalho informal.

Nos deparamos, assim, com uma farta literatura, principalmente dissertações de mestrado e teses de doutorado, que abordam uma variada gama de percepções e problematizações de estudo envolvendo os catadores de materiais recicláveis.5

5 Grande parte da literatura sobre catadores que tivemos contato foi por intermédio do Banco de Teses da Capes <http://bancodeteses.capes.gov.br/>. Quase duas centenas de trabalhos

Tais estudos, por sua vez, não se circunscrevem apenas as áreas das Ciências Sociais, mas abarcam um montante de disciplinas e áreas de estudos (Administração, Saúde Coletiva, Engenharias Civil, Ambiental e Sanitária, Economia, Planejamento Urbano e Regional, Direito, entre outras) com aportes investigativos diversos a respeito de modelos e práticas de administração, cuidados com a saúde, desenvolvimento urbano e regional, legislação ambiental, gestão dos resíduos sólidos nas cidades e demais temas e abordagens que se fazem relevantes na atualidade (ABREU, 2011; BATISTA, 2014; FLORES, 2012; NETO, 2013; OLIVEIRA, 2012)

Porém, estudos voltados à área das Ciências Sociais são a maioria dos trabalhos apresentados, em grande parte, vinculados aos temas de educação popular, condições de vida, organização do trabalho, discursos identitários, conflitos e embates dos catadores na sociedade, envolvendo dinâmicas com o Estado, organização cooperativa, movimento e luta social nas definições de políticas públicas, participação política, melhores condições para o exercício da atividade de catação, representações simbólicas e linguísticas, além de outros interessantes temas à compreensão de problemáticas e questões que envolvem estes atores e seus cenários sociais.

O trabalho de Ribeiro (2011), por exemplo, ajuda-nos compreender o significado de um aterro de lixo na região metropolitana do Rio de Janeiro para um conjunto de catadores. Em seu texto, podemos perceber o teor de importância de um espaço de trabalho que possibilita a determinados sujeitos viverem com uma renda monetária oriunda dos materiais retirados do lixo urbano, embora façam parte deste panorama muitas tensões, vulnerabilidades e incertezas. Nesta perspectiva, a autora percorre duas associações que exercem atividades no aterro sanitário Jardim Gramacho, na cidade de Duque de Caxias, buscando compreender como se forjam as identidades dos grupos e como se dimensionam as relações familiares locais, em um contexto previsto de fechamento do aterro por parte das autoridades públicos locais.6

defendidos com a palavra-chave de busca, Catador. Acesso em diferentes momentos ao longo

deste trabalho (2014-17).

6 O Aterro sanitário Jardim Gramacho, maior aterro de lixo da América Latina até sua extinção (fechado em 2012), foi local de trabalho de muitos catadores informais e seu fechamento gerou muita apreensão e incertezas no montante das pessoas que dependia dele para trabalhar e sobreviver com os materiais que encontravam no lixo (Jornal O Dia, Rio de Janeiro, 11.09.2016).

Semelhantes ao trabalho acima, vários trabalhos de pesquisadores sociais trazem o tema da construção identitária de grupos de trabalhadores catadores como enfoque preferencial para abordar a congruência de grupos de trabalhadores, como o trabalho de Nascimento (2012) que enfoca a questão identitária dentro de uma perspectiva de busca por reconhecimento social atrelada ao consumo. Tal problemática torna-se emblemática e vinculada às escolhas dos atores em suas investidas relacionais e resistências aos estigmas que sofrem na sociedade. Tal enfoque, ganha ainda mais importância ao percebermos que a luta por reconhecimento é uma condição contínua por parte dos catadores, observando que os materiais achados no lixo, muitas vezes, é o único meio que determinados indivíduos dispõem para ostentar minimamente o que consomem e serem visíveis à sociedade.

Relacionado ao tema da construção identitária de grupos de trabalhadores, são inúmeros os trabalhos a respeito da organização política e do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, visto tal enfoque abordar uma dimensão estruturante de um novo sujeito histórico que se organiza e reivindica seu espaço social de trabalho nas últimas décadas. O trabalho de Alves (2016), seguindo esta perspectiva, trata especificamente da construção pedagógica elaborada no e pelo MNCR, com o sentido de compreender como se consubstancia um processo de educação popular que se constitui pela construção de um método político-pedagógico que se denomina “de catador para catador”. Segundo a autora, o método tem sido a proposta popular gestada pelo movimento e compõe as bases para a construção de sua pedagogia e atuação política.

O que se observa, ratificando observações anteriores, é que os trabalhos referentes a catadores de materiais recicláveis, de forma geral, retratam a constituição de grupos, os aspectos identitários e apreensões simbólicas e representacionais de uma camada de trabalhadores diversos que se organizam predominantemente em coletivos de trabalho. As ênfases, de certo modo, enlaçam importantes questões e contextualizam este sujeito histórico, político, programático, reflexivo, associativo, dinâmico, que se aglutina a partir de problemáticas concretas e localizadas territorialmente, nos lugares em que vivem. Não obstante, alguns trabalhos referendam percepções individuais e mecanismos de consumo de determinados sujeitos, em suas práticas de trabalho e luta por visibilidade social (MIURA, 2004; ALVES, 2015).

Por nossa parte, cabe considerar a necessidade de aprofundar a ideia do ator social catador na perspectiva do indivíduo em suas trajetórias, experiências e disposições sociais, contribuindo com este importante marco intelectual que dá voz aos sujeitos sociais e elabora uma percepção refinada das configurações sociais matizadas pelas relações concretas desenvolvidas nas sociedades. A contribuição dos vários enfoques relacionados a um determinado sujeito que se insere na história é de fundamental importância para se perceber a complexidade a qual está envolvido. Nesse sentido, cabe, constantemente, localizá-lo no espaço e no tempo, atualizando abordagens e procurando outros vieses de entendimento.

Este capítulo objetiva estruturar uma relação entre uma problemática de fatores que busca perceber um território urbano e o engajamento do pesquisador em seu ambiente de estudo. Para isso, enlaça o âmbito local como aspecto determinante para pontuar circunstâncias sociais definidas pelas ações sociais estabelecidas por catadores de materiais recicláveis.

Em sua primeira seção, Caminhos que se encontram nas dúvidas e indagações (3.1), aborda a perspectiva da cidade e dos sujeitos concretos que nela atuam. Constitui um debate problematizando o objeto de estudo e enaltecendo a possibilidade de melhor compreendê-lo em suas ações, o que aprofunda o debate quanto às esferas do trabalho e da vida cotidiana dos pesquisados.

Na segunda, Lixo como fenômeno social (3.2), discute o problema do lixo urbano da cidade de Passo Fundo e adentra num debate a respeito das posições e ideias de atores quanto ao gerenciamento e tratamento dos resíduos urbanos na cidade de Passo Fundo.

Já a terceira seção, A pesquisa e suas configurações metodológicas (3.3), elucida os caminhos metodológicos implementados pelo estudo. Dá referências sobre as preocupações epistemológicas e das técnicas utilizadas para compor o trabalho de investigação. Para isso, esclarece as escolhas e definições estabelecidas para os contatos in loco do objeto de estudo, seus principais enfoques, dimensões e etapas estratégicas implementadas na pesquisa.

Enfim, este capítulo foi estruturado, eminentemente, para configurar as problemáticas e indagações do campo de pesquisa, bem como para pautar o enquadramento metodológico das escolhas e etapas que definiram a abordagem da investigação.

No documento ARI ROCHA DA SILVA 2018 (páginas 78-82)