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As mudanças associadas ao envelhecimento podem ser agrupadas em três dimensões basilares: biológica, psicológica e social (Schroots e Birren, 1980 cit. por Paúl, 2005b) pelo que se pode afirmar que o envelhecimento constitui “um período do ciclo de vida em que a generalidade das características pessoais (biológicas, psicológicas e sociais) muda de uma forma relacionada entre si, orientando-se progressivamente para a construção de uma imagem de si mesmo como «idoso»” (Fonseca, 2012a, p. 96).

O envelhecimento biológico e psicológico tem uma natureza indivídual na medida em que se refere a uma progressiva maior fragilidade física dos indivíduos, bem como a uma menor capacidade para a autorregulação e à tomada de decisões adaptadas à sua velhice. Importa atender, contudo, que o declínio físico e/ou psicológico decorrente de uma maior idade não é linear nem idêntico em ritmo e intensidade em todos os indivíduos. Por sua vez, o envelhecimento social está sobretudo relacionado com as representações, expectativas e limites que a sociedade assume ou impõe aos seus membros à medida que estes vão envelhecendo. Refere-se, portanto, a uma alteração dos papéis sociais definidos pela sociedade para os mais velhos e que são assumidos por estes (Dias; Rodrigues, 2012). No caso do mercado de trabalho, a dimensão social do envelhecimento tem subjacente a perspetiva da sociedade sobre os trabalhadores mais velhos, nomeadamente ao nível das suas competências e aptidão para o trabalho.

Iníciaremos uma discussão mais aprofundada das dimensões do envelhecimento atendendo aos seus aspetos biológicos. O aumento da idade cronológica é acompanhado por um envelhecimento celular e, em consequência, traduz-se num funcionamento mais débil do organismo. Há, portanto, uma maior vulnerabilidade física dos indivíduos e um aumento de probabilidade de morte. Este processo é resultado do envelhecimento biológico ou da senescência (Paúl, 2005b). Não obstante os importantes avanços da ciência para adiar a idade da morte e proporcionar um melhor estado de saúde aos indivíduos à medida que a sua idade aumenta, o facto é que o envelhecimento do corpo humano é um processo natural, inevitável e gradual.

Associado ao conceito de envelhecimento biológico está o de longevidade. O primeiro pode ser entendido como uma diminuição da capacidade funcional dos indivíduos, enquanto o segundo se refere ao tempo de duração de vida de um organismo. Ainda que independentes, estes dois conceitos estão relacionados na medida em que a longevidade depende da progressão do envelhecimento biológico: um mais rápido ou mais lento processo de envelhecimento implicará, respetivamente, uma menor ou maior longevidade. Este último conceito é de grande importância dado que veio suplantar as dificuldades decorrentes da difícil mensuração de uma menor capacidade funcional dos indivíduos e, em consequência, dos diferentes estádios de envelhecimento (Almeida, 2012), tendo introduzido uma maior objetividade na sua análise.

É hoje amplamente aceite que o estudo da longevidade humana permite melhor conhecer melhor a probabilidade de um indivíduo morrer: já no início do século XIX os estudos de Benjamin Gompertz (1825) confirmavam que, após os 30 anos de idade, a cada 8 anos há uma duplicação da probabilidade de morte. A explicação deste fenómeno radica numa maior incidência de doenças verificada entre os mais velhos que, por um envelhecimento das suas células e tecidos, ficam mais frágeis do ponto de vista físico. O envelhecimento biológico é então consequência de um conjunto de erros no corpo humano que se acumulam e não são combatidos e reparados pelos seus próprios mecanismos de defesa, de si já enfraquecidos pelo aumento da idade. Não obstante a ação de medicação ou de terapias anti-envelhecimento que prolongam o tempo de vida e melhoram a saúde dos indivíduos, mitigando os efeitos de uma maior idade, o envelhecimento é geneticamente determinado e, por isso, natural e irreversível.

Não é nosso objetivo discutir em profundidade as várias teorias acerca das causas e consequências do envelhecimento biológico. Contudo, importa referir que atualmente existem duas grandes perspetivas teóricas sobre o mesmo: as genéticas e as estocásticas. As primeiras salientam a importância dos genes, não obstante a importância de fatores ambientais; as segundas enfatizam uma menor funcionalidade dos mais velhos, a qual tem origem numa acumulação aleatória de lesões em moléculas vitais que resultam num progressivo declínio fisiológico (MotaFigueiredo; Duarte, 2004).

Apesar da diversidade de definições de envelhecimento biológico que decorrem das orientações teóricas adotadas, é comum a aceitação de que este processo envolve uma perda da funcionalidade dos indivíduos, um aumento da sua suscetibilidade e a incidência de doenças em consequência de uma maior idade (Almeida, 2012).

Um segundo eixo de análise prende-se com a dimensão psicológica do envelhecimento. São precisamente os aspetos psicológicos que nos permitem perceber como os indivíduos encarnam e desempenham o papel social de idoso, ainda que esteja definido e difundido pela sociedade. Trata-se portanto de considerar “os processos cognitivos, personológicos, emocionais e adaptativos que caracterizam o funcionamento psíquico dos mais velhos” (Paúl; Ribeiro, 2012, p. 93) que se iniciam na segunda metade da vida e que são fortemente condicionados pela trajetória desenvolvimental dos indivíduos ao longo da sua vida. Este aspeto remete-nos para a importância das vivências e da satisfação sentida ao longo da vida a qual tem um grande poder explicativo na forma como estes experienciam e encaram o envelhecimento.

Até finais do século XX, um desenvolvimento positivo na velhice era sinónimo da inexistência de comportamentos negativos ou indesejáveis. Em oposição, na atualidade há uma visão distinta das consequências psicológicas do envelhecimento, que toma forma pela ideia fundamental de que a existência de traços positivos de desenvolvimento psicológico potencia processos de transição-adaptação a esta fase da vida. De outra forma, é hoje aceite que ao longo do processo de envelhecimento psicológico os indivíduos desenvolvem um conjunto de ajustamentos enquanto resposta às alterações de amplo espetro que ocorrem no self (Fonseca, 2012a).

Trata-se, portanto, de mecanismos de adaptação ao nível do corpo, cognição, regulação emocional, expetativas sociais, rede de sociabilidades, trabalho, família, entre outros. Sendo o envelhecimento um processo que ocorre ao longo de toda a vida e não apenas num estágio num momento final desta, fatores como as condições de vida, o nível educacional e as trajetórias profissionais determinam ou condicionam a experiência individual da velhice. De facto, as dinâmicas, forças e estruturas sociais que enformam o papel dos indivíduos na sociedade impactam diretamente na sua experiência de envelhecimento (Moody, 2006). Além disso, um investimento desigual ao longo do ciclo de vida traduz-se, necessariamente, em diferentes experiências na velhice.

Para uma melhor compreensão da importância do curso de vida dos indivíduos na forma como experienciam o envelhecimento, importa desenvolver os conceitos de capital apresentados por O'Rand (2011). O primeiro refere-se ao capital humano, capacidades produtivas dos indivíduos, o qual constitui um mecanismo primário de desigualdade com base na idade. Relacionado com este está o conceito de capital social,

acionadas na sua velhice. Existe, portanto, uma interdependência dinâmica entre as formas de capital que influenciam a acumulação de outras, existindo um ciclo de troca de capitais. De outra forma, não podemos falar num desenvolvimento psicológico uniforme na velhice atendendo à grande variedade interindividual na vivência do envelhecimento, que potencia diferentes formas de envelhecer e de encarar este processo. Assim, as diferenças individuaís são um elemento chave na compreensão do desenvolvimento psicológico na velhice, resultando daí uma multiplicidade de combinações de aspetos biológicos, psicológicos e sociais, não tendo qualquer um destes supremacia sobre os restantes. Acresce a importância da questão relacional na compreensão da variedade de trajetórias de desenvolvimento ao longo de toda a vida (Fonseca, 2004).

A regulação e a plasticidade do desenvolvimento humano são hoje variáveis chave para a compreensão de aspetos de ordem intra e interindividual do envelhecimento, estando na base da variabilidade das experiências deste processo. São estes dois elementos que justificam um desenvolvimento psicológico adaptado à velhice, reforçando-se a capacidade dos indivíduos em, não só nesta fase mas ao longo de todas as fases da vida, se adaptarem às suas características e condicionantes. A observação de aspetos positivos de desenvolvimento está profundamente relacionada com o conceito de envelhecimento bem-sucedido (Baltes, 1990), conceito difundido na última década do século XX e com uma importância notória ao nível das estratégias de envelhecimento adotadas. Este conceito será mais bem desenvolvido aquando da apresentação das teorias do envelhecimento.

A ideia de desenvolvimento no envelhecimento implica necessariamente recusar uma visão dos mais velhos enquanto um problema. Fonseca (2012) sustenta a defesa do potencial de desenvolvimento dos mais velhos em duas hipóteses. A primeira radica na defesa de um potencial para a mudança intraindividual ao longo da vida, associado às virtualidades da estimulação dos indivíduos, seja pelos próprios ou pela sociedade, para o alcance de resultados positivos no envelhecimento. Esta estimulação pode ocorrer, nomeadamente, através da criação de espaços de natureza e objetivos diversificados onde os mais velhos possam desenvolver um leque diversificado de atividades (universidades séniores, centros culturais, entre outros). A segunda hipótese defende que quando um idoso revela competências e demonstra querer exercer um papel ativo no seu desenvolvimento, há a experiência de uma trajetória de desenvolvimento em que interagem diversos contributos que se reforçam mutuamente e que estimulam o self a ter

um papel ativo no seu meio ambiente. O autor esclarece que esta hipótese tem inerente a existência de contextos que favoreçam e estimulem o desenvolvimento psicológico nos moldes adequados, ou seja, que propiciem as condições necessárias, que respeitem as necessidades e os interesses dos mais velhos e que lhes permitam explorar a globalidade das suas capacidades. Podemos falar, portanto, na existência de “um conjunto de domínios de «ativos» ecológicos – humanos, físicos e institucionais, relacionais e comunitários – que estruturam os recursos e as oportunidades de desenvolvimento na velhice” (Bronfenbrenner, 1999 cit. por Fonseca, 2012a).

Um dos modelos mais relevantes ao nível dos mecanismos de regulação durante o envelhecimento, e que tem em Baltes e nos seus colaboradores fortes impulsionadores, é o comummente designado por SOC – Seleção, Otimização e Compensação. Este modelo defende que ao longo da vida os indivíduos reformulam os seus objetivos e o próprio sentido atribuído à mesma. Esta mudança implica alterações nos recursos disponíveis que, na fase da velhice, são investidos essencialmente na manutenção dos ganhos ao longo da sua vida e na compensação das consequências, de forma a mitigar as decorrentes do envelhecimento. Para Fonseca (2012), os mecanismos apresentados pelo SOC estão correlacionados de forma positiva com o desenvolvimento psicológico na velhice e de forma negativa com a inadaptação e o desajuste. A relação que os mais velhos estabelecem com o meio em que estão inseridos é, portanto, fundamental para a criação de oportunidades para o seu desenvolvimento psicológico.

A respeito das dimensões do envelhecimento importa ainda discutir a sua vertente social. A Sociologia tem assumido um papel central ao analisar a criação de relações entre o envelhecimento, a estrutura social e as forças que esta comporta. Do ponto de vista sociológico, as dinâmicas sociais decorrentes do modo de vida da velhice e dos processos de envelhecimento não podem ser dissociadas das estruturas sociais nem dos posicionamentos que os idosos ocupam na mesma (Machado, 2008). A Sociologia tem-se diferenciado ainda ao investigar os mecanismos de construção social do envelhecimento, de legitimação de estratégias de intervenção neste domínio e a forma como a sociedade e os indivíduos interiorizam estas construções e representações. Pensar o envelhecimento demográfico é indissociável da análise das condições de ordem social e cultural de uma sociedade. É precisamente a partir destas que se constroem as representações sociais sobre o processo de envelhecimento. Desde a infância que os indivíduos são sujeitos a uma socialização orientada em função da sua

sociais específicos que depois se traduzem em comportamentos e atitudes (Moody, 2006). São as representações sociais sobre a velhice que vão enformar o olhar sobre os mais velhos, sobre os seus limites e oportunidades e sobre as políticas de intervenção no domínio do envelhecimento, particularmente ao nível do papel do Estado. De outra forma, são as representações sociais sobre o envelhecimento demográfico que o elegem enquanto objeto de estudo de uma pluralidade de ciências sociais (Dias; Rodrigues, 2012). Além disso, a própria dimensão social da velhice é profundamente influenciada pelo tempo em que as representações sociais são produzidas, sendo exemplo disso a tradição hebraica de valorização dos mais velhos em oposição a uma visão atual de recusa da velhice. Para este fenómeno concorrem, particularmente, os media enquanto agentes difusores de imagens e mensagens que veiculam representações sociais negativas sobre a velhice, enfatizando o declínio físico e psicológico (Moody, 2006).

A experiência da velhice é fortemente condicionada pela trajetória de vida dos indivíduos e pelas representações sociais sobre o envelhecimento. Não obstante o carácter inevitável deste processo que é, antes de mais, um fenómeno biológico, importa reter que este não se manifesta de forma linear em todos aqueles que fazem parte de um determinado escalão etário. O envelhecimento comporta, de facto, uma grande variabilidade de experiências e vivências, resultando em larga medida de aspetos de cariz subjetivo consequentes de toda a trajetória de vida dos indivíduos.

Sendo o envelhecimento um fenómeno social total e, portanto, multidimensional, a sua análise implica necessariamente a consideração de quadros analíticos provenientes de um conjunto diversificado de áreas do saber. De facto, a “heterogeneidade do envelhecimento, refletida na pluralidade de abordagens da Gerontologia, exige de nós conhecimentos sólidos que, ao invés de nos aprisionarem, nos abram os horizontes para a valorização da diversidade da experiência humana” (Paúl; Ribeiro, 2012). A complexidade destas relações alerta-nos necessariamente para o perigo de abordagens isoladas, reducionistas do envelhecimento que abarcam a complexidade do fenómeno e das relações e dinâmicas dos mais velhos (O'Rand, 2011).

Não obstante o papel e importância de outras áreas do saber que têm analisado e intervindo ao nível do processo de envelhecimento, a Sociologia diferencia-se por analisar o significado atribuído pelos indivíduos à experiencia biológica, psicológica e social de envelhecer, ou seja, ao significado que a sociedade e os indivíduos atribuem ao envelhecimento. Na análise, em particular, dos aspetos sociais do envelhecimento, a Sociologia partilha a posição com a Gerontologia Social, não obstante a sua autonomia

e características próprias. Têm ainda em comum o facto de se terem desenvolvido ao longo na segunda metade do século XX, momento em que o envelhecimento demográfico assumiu características estruturais (Dias; Rodrigues, 2012). Para Fernández-Ballesteros (2004), a gerontologia social distingue-se ao assumir um carácter multidisciplinar, englobando na sua análise diferentes componentes do envelhecimento – biológicas, psicológicas e sociais. Do seu olhar sobre os determinantes do