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A articulação da cultura da organização é talvez a parte ou tarefa mais difícil que muitos profissionais têm a cumprir. Diante desta situação, eles se transformam e se comportam muitas vezes de maneira robotizada ou como se fossem simples burocratas ou operadores de equipamentos, ficando além do sentimento, da emoção, da dor e da dúvida que traumatiza o corpo e a mente.

Para entender esta articulação ou mesmo a ciência da administração, principalmente no que diz respeito à prestação de serviços em qualquer instituição que tem sua legitimidade nos princípios de eqüidade, qualidade, eficiência, efetividade e aceitabilidade, supõe-se uma liderança administrativa a partir da compreensão da própria ciência da saúde.

Com inspiração nas teorias biológicas e pela sua extensão, Platão ofereceu ao universo sua teoria da justiça, não se limitando de fato ao ensinamento de que cada classe de cidadãos ocupasse um lugar natural diferente na sociedade. Usou princípios similares para tentar interpretar o mundo dos corpos físicos e segundo suas diferentes classes ou espécies.

No entanto, a ocupação de um lugar natural e de destaque é que torna o cidadão diferente e importante na sociedade. É a consciência, respeito recíproco, enfoque no cliente (primazia) e disposição para aprender. São os valores que criam e identificam as organizações. Elas devem começar com um grupo central de valores, tornando-se, assim, o fundamento, o compromisso e a identificação e, sem clareza desses valores, não é possível criar uma organização forte.

É com República61 que Platão de fato escreve a respeito da justiça e o faz de modo que nos leva a crer não haver omitido qualquer teoria que conhecia.

Mas é nas leis que Platão, segundo Popper (1987, p. 111),

“sintetiza sua réplica ao igualitarismo na fórmula: ‘O tratamento dos desiguais engendra a iniqüidade’, isto foi desenvolvido por Aristóteles na fórmula: ‘Igualdade para os iguais; desigualdade para os desiguais’. Esta fórmula mostra o que pode ser chamado a objeção-padrão ao igualitarismo; a objeção de que a igualdade seria excelente, se acaso os homens fossem iguais, mas é manifestamente impossível, visto como eles não são iguais nem podem ser tornados iguais”.

Essa igualdade faz os profissionais serem portadores de um quadro de valores da sociedade na qual estão inseridos. Este quadro de valores repercute nos negócios, principalmente em seus deveres pessoais e profissionais, formando uma relação direta entre o exercício da profissão (deontologia) com os negócios (ética).

É com a autodeterminação que se procura estabelecer os direitos dos profissionais e, através do consentimento, eliminar desrespeitos tanto com outros profissionais como também sobre a integridade do cliente, mediante intervenções ocultas.

Com o estabelecimento dos direitos e deveres do profissional, concordamos com Sen (1999, p. 72), quando diz que

“o indivíduo é livre para empenhar-se por seus interesses (sujeito a essas restrições), sem nenhum impedimento. Contudo, é preciso reconhecer que a existência desses direitos não indica que seria eticamente apropriado exercê-los por meio do comportamento auto-interessado. A existência de um direito como esse serve de restrição para que outras pessoas não impeçam esse indivíduo caso ele decida buscar a maximização de seu auto- interesse, mas isso não é razão para que ele realmente se empenhe por esse interesse”.

Conforme Châtelet (1994, p. 100), Kant vai direto ao ponto. Talvez, diz ele, não haja moral possível, mas, se existe uma, ela deve ser fundada sobre esta prescrição fundamental: “Age sempre de tal maneira que possas exigir a máxima da tua ação em lei universal”.

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“Lendo isto, não podemos duvidar de que Platão conhecesse a força da fé e, acima de tudo, da fé na justiça. Nem podemos duvidar de que a República devesse visar à perversão dessa fé, substituindo-a por uma fé diretamente oposta. À luz das provas disponíveis, parece-me probabilíssimo que Platão soubesse muito bem o que estava fazendo. O igualitarismo era seu arquiinimigo e ele se dispusera a destruí-lo, sem dúvida acreditando sinceramente ser ele um grande mal e um grande perigo. Mas seu ataque ao igualitarismo não foi um ataque honesto. Platão não ousou enfrentar abertamente o inimigo. Passo a apresentar a prova que apóia esta afirmação” (POPPER, 1987, p. 107).

Muitas vezes essas ações estão fundamentadas em direitos que, com freqüência, têm sido vistos como forma de restrições a que os outros simplesmente têm de obedecer. Então moralidade implica que se seja justo e que ser justo implica que se seja eqüitativo, tendo na eqüidade a maneira de se fazer o que é melhor para cada um, tomando cada indivíduo em consideração ao bem-estar de todos.

A eqüidade, como maneira de se fazer o melhor, é o reconhecimento dos direitos fundamentais das pessoas sem distinção de classe, sexo e idade, repercutindo na organização que não ficará alheia à linguagem reivindicatória dos direitos como consentimento.

A questão da moralidade e da eqüidade das empresas das mais diversas proveniências e origens que atuam na sociedade (mercado), é portadora de valores próprios, buscando uma melhor otimização dos recursos e da maximização dos resultados econômicos e financeiros.

A ordem dos valores deve ser considerada como algo a ser (re)descoberto, através do juízo prévio, tradição e autoridade; para ser entendida como liberdade de criação, resulta da crítica sistemática das distorções.

Mesmo considerando como um princípio de ordem, os valores se contrapõem às coisas, isto é evidente se levarmos em conta os valores como expressão da autonomia (no sentido kantiano) e da liberdade como um poder de renovação e inovação, uma criatividade espontânea.

Para Châtelet (1994, p. 101), “a moral de Kant62 desemboca em uma filosofia da história que radicaliza os ensinamentos da Idade das Luzes e já ultrapassa para indicar outros horizontes”. No campo da moral63, podemos considerar a análise kantiana como sendo a fundadora de uma vontade de liberdade que não se poderia ignorar.

Como crença absoluta, temos na moral um reflexo da realidade que só funciona se as pessoas acreditarem que ela tem um fundamento objetivo.

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“O essencial da moral de Kant reside em nos recordar que a liberdade é o que há de mais precioso. É o que ele nos quer dizer quando afirma que é somente no ato que o homem atinge o absoluto” (CHÂTELET, 1994, p. 101).

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“A aceitação moral dos direitos (especialmente os que são valorizados e apoiados, e não apenas respeitados na forma de restrições) pode requerer afastamentos sistemáticos do comportamento auto-interessado” (SEN, 1999, p. 73).

Os fundamentos objetivos são valores éticos que derivam de uma base biológica, da influência do meio cultural e de um grau de liberdade individual.

Segundo Roux (1920) ao citar Augusto Comte (1798-1857), “a moral consiste em fazer prevalecer os instintos simpáticos sobre os impulsos egoístas”. Entende-se por instintos simpáticos aqueles que aproximam o indivíduo dos outros.

A moral, como conjunto das normas para o agir específico ou concreto, está contida nos códigos, que tendem a regulamentar o agir das pessoas. A moral como o direito baseia-se em regras que visam estabelecer uma certa previsibilidade para as ações humanas.

Alguns autores afirmam que o direito é um sub-conjunto da moral. Esta perspectiva pode gerar a conclusão de que toda a lei é moralmente aceitável. Existem muitos conflitos entre a moral e o direito, como, por exemplo, a desobediência civil que ocorre quando argumentos morais impedem que uma pessoa acate uma determinada lei.

O direito busca estabelecer o regramento de uma sociedade delimitada pelas fronteiras do Estado. As leis têm uma base territorial, elas valem apenas para aquela área geográfica onde uma determinada população ou seus delegados vivem (GOLDIM , 2000).

Para Sen (2000, p. 264),

“o direito de uma pessoa a alguma coisa deve corresponder ao dever de outro agente de dar à primeira pessoa essa coisa. Os que insistem nesse encadeamento binário tendem a criticar severamente, em geral, a invocação dos ‘direitos’ retóricos nos ‘direitos humanos’ sem uma especificação exata dos agentes responsáveis e de seus deveres de levar a efeito a fruição desses direitos. Assim, as reivindicações de direitos humanos são vistas simplesmente como conversa mole”.

A propriedade iniciou-se com um conteúdo absoluto: direito de vida ou morte sobre pessoas e direito total sobre a coisa própria. Pouco a pouco seu conteúdo foi sendo adaptado ao bem comum. Quando falamos em direitos humanos, tem-se a conotação como sendo aqueles direitos que são comuns a todos, independentemente da cidadania. Mesmo que não seja dever específico de nenhum indivíduo assegurar que a pessoa usufrua seus direitos, mas de um modo geral as pretensões podem ser dirigidas a todos os que estiverem em condições de ajudar.

Precisamos de um código civil que atente aos anseios da maioria, para os direitos chamados emergentes, mas que são os direitos de sempre: o de morar, em especial, e o direito à qualidade de vida. Entretanto, todos os direitos civis se resumem à proteção do patrimônio, às sucessões, às obrigações, à família. Estes direitos se restringem a uma minoria porque os pobres não têm patrimônio e não garantem obrigações, muito menos constituem patrimônio familiar.

Concordamos com Sen (2000, p. 261), quando ele diz que

“a idéia dos direitos humanos tem avançado muito em anos recentes, adquirindo uma espécie de status oficial no discurso internacional. Comitês influentes reúnem-se regularmente para debater a fruição e a violação dos direitos humanos em diversos países do mundo. Certamente, a retórica dos direitos humanos, hoje em dia, é muito mais aceita – na verdade, invocada com muito maior freqüência – do que já foi no passado. Pelo menos a linguagem da comunicação nacional e internacional parece refletir uma mudança de prioridades e ênfase em comparação com o estilo dialético prevalecente mesmo algumas décadas atrás”.

Atualmente, nos debates políticos, freqüentemente existe ambigüidade com relação ao sentido em que se invocam os “direitos”, se estão sendo discutidos direitos institucionalmente sancionados que têm força jurídica ou se a referência é sobre a força prescritiva de direitos normativos que podem preceder o ganho de poder. Neste sentido a distinção não é inteiramente clara, mas existe uma questão que deve ser ressaltada quanto ao direito de poder ou não ter uma importância normativa intrínseca e não apenas uma relevância instrumental em um contexto legal.

Segundo Foucault (1977, p. 8), as dúvidas são tanto mais legítimas quando reconhecemos que o esgotamento do modelo do Estado Social se ficou em larga medida a dever à utilização indiscriminada do médium poder. Utilização perniciosa que, à custa da administração e burocratização generalizadas, procurou dar uma resposta unilateral às necessidades sociais de regulação, com o sacrifício da solidariedade e a repressão dos contextos comunicacionais de vida. Trata-se de um poder arrogante e expansivo, que assume a forma de controle administrativo da vida social nas suas múltiplas dimensões e dá lugar a uma nova ‘economia’ de poder, isto é, procedimentos que permitem fazer circular os efeitos de poder de forma ao mesmo tempo contínua, ininterrupta, adaptada e ‘individualizada’ em todo o corpo social.

Entendemos que o surpreendente avanço tecnológico, as transformações aliadas aos progressos, vêm transformando o mundo principalmente na maneira do homem se comportar, trazendo grandes mudanças nas relações sociais e, conseqüentemente, nas relações entre usuários e profissionais da saúde.

As mudanças foram de tal ordem, que os profissionais muitas vezes não conseguem compreender e acompanhar as transformações, tanto no plano material como no plano da técnica, que ocorrem nas relações sociais e, portanto, nos direitos que possuem como cidadãos, que Salm (1992), apresenta como um composto de atributos para os trabalhadores deste momento do qual vivemos: “... raciocínio lógico, autonomia, articulação verbal, capacidade de iniciativa, de comunicação, de cooperação e de tomada de decisões”.

Baseada na “legalidade” temos uma legitimidade, sobretudo nas crenças, na validade de preceitos legais e na “competência” objetiva, que está fundamentada sobre normas racionalmente criadas, na orientação para uma obediência às obrigações legalmente estabelecidas, que, para Sen (1999, p. 27), nada mais é do que “em defesa da hipótese de que o comportamento real é igual ao comportamento racional. Poder-se-ia dizer que, embora isso tenda a conduzir a erros, a alternativa de supor qualquer tipo específico de irracionalidade muito provavelmente conduziria a erros bem mais numerosos”.

Esta segurança protetora poderá estar limitada64 a um apoio exclusivo na responsabilidade pessoal e seu papel essencial, que são extremamente dependentes das circunstâncias pessoais, sociais e ambientais.

É uma responsabilidade do indivíduo decidir que uso fazer das oportunidades de emprego que opções de trabalho escolher para mudar o mundo em que vive e apreciar a força da idéia que as próprias pessoas devem ter.

Esta responsabilidade é também muitas vezes um fator que dificulta a mudança, na qual a falta de rotinas e procedimentos de trabalho torna mais difícil caracterizar a transformação, necessária formalização do processo de trabalho.

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“Como seres humanos competentes, não podemos nos furtar à tarefa de julgar o modo como as coisas são e o que precisa ser feito. Como criaturas reflexivas, temos a capacidade de observar a vida de outras pessoas. Nosso senso de responsabilidade não precisa relacionar-se apenas às aflições que nosso próprio comportamento eventualmente tenha causado (embora isso também possa ser importantíssimo), mas também pode relacionar-se de um modo mais geral às desgraças que vemos ao nosso redor e que temos condições de ajudar a remediar” (SEN, 2000, p. 321).