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4.9 O Estatuto da Cidade

4.9.4 Direito de preempção

Preempção, etimologicamente derivado do Latim significando uma pré-compra, uma precedência na compra, inclui-se no Estatuto da Cidade, como Direito de Preempção, instituto jurídico, regulamentado no Estatuto da Cidade, nos seus artigos 25 a 2743. Constitui-se em instrumento legal que confere ao Poder Público do Município preferência para a aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares, para atender finalidades urbanas específicas.

Através de lei municipal, com base no Plano Diretor, devem ser definidas as áreas sobre as quais incidirá o Direito de Preferência. A lei também deve definir o prazo de vigência

43 Os artigos 25 ao 27 integram a Seção VII – Do Direito de Preempção – do Estatuto da Cidade. O texto

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que não ultrapassará cinco anos, podendo ser renovado a partir de um ano após o decurso do prazo em que iniciou sua vigência (§ 1º. Art. 25).

Por sua vez, o Estatuto da Cidade dispõe que o Direito de Preempção será exercido toda vez que o Poder Público necessitar de áreas para atendimento de ações de política urbana, que se enquadrem em uma ou mais finalidades apontadas no artigo 26 e seus incisos, tais como: I- regularização fundiária; II- execução de programas e projetos habitacionais de

interesse social; III- constituição de reserva fundiária; IV- ordenamento e direcionamento da expansão urbana; V- implantação de equipamentos urbanos e comunitários; VI- criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; VII- criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; e completando, o último inciso, destaque-se

o que aponta para a “VII - proteção de áreas de interesse histórico, cultural e paisagístico”. [grifamos]

Oportuno observar que o Decreto-Lei Nº 25, de 1937, já ensejava que a União, os Estados e os Municípios, com base no estabelecido em seu art. 22, exercessem o direito de preferência sobre bens tombados, quando de sua alienação onerosa. O mesmo poderia ocorrer nos Municípios, para os bens culturais resguardados, caso já tivessem leis de tombamento que determinassem o uso do referido instituto jurídico.

Todavia, somente com o advento do Estatuto da Cidade e as possibilidades de implantação de políticas urbanísticas consentâneas com a realidade e as necessidades impostas pelo crescimento caótico dos aglomerados urbanos, instrumentos de proteção ao

Patrimônio Cultural puderam ser implantados. O Direito de Preempção constitui-se em um

deles.

Embasado nos pressupostos legais que o fundamentam, Miranda (2006, p.2) traça um roteiro prático para que se alcance efetivamente o direito de preferência:

a) O proprietário do bem inserido na área em que vige a restrição deverá notificar sua intenção de alienar o imóvel para que o Município, no prazo máximo de trinta dias, manifeste por escrito seu interesse em comprá-lo;

b) Á notificação será anexada proposta de compra assinada por terceiro interessado na aquisição do imóvel, da qual constarão preço, condições de pagamento e prazo de validade.

c) O Município fará publicar, em órgão oficial e em pelo menos um jornal local ou regional de grande circulação, edital de aviso da notificação recebida e da intenção de aquisição do imóvel nas condições da proposta apresentada.

d) Transcorrido o prazo de 30 dias sem manifestação do Município, fica o proprietário autorizado a realizar a alienação para terceiros, nas condições da proposta apresentada.

e) Concretizada a venda a terceiro, o proprietário fica obrigado a apresentar ao Município, no prazo de trinta dias, cópia dó instrumento público de alienação do imóvel.

f) A alienação processada em condições diversas da proposta apresentada é nula de pleno direito.

g) Verificada a transação em desconformidade com a proposta anteriormente apresentada o Município poderá adquirir o imóvel pelo valor da base de cálculo do IPTU ou pelo valor indicado na proposta, se este for inferior àquele.

Assente nas premissas legais e no procedimento indicado, será possível utilizar tal instituto jurídico, dentre tantas situações, para garantir, por exemplo, que o Município adquira propriedades localizadas no entorno de bens culturais tombados, com o intuito de assegurar que o todo seja preservado. De forma idêntica, também, para aquisição de conjuntos arquitetônicos ou bem cultural ambiental, de valor histórico- simbólico ou natural, que necessitam restauro e revitalização para atenderem suas finalidades sócio-culturais.

Destaque-se que para a implementação de tais procedimentos, embasado no direito de preempção, não será necessário servir-se de medidas drásticas, mesmo legais, que em muitos casos significam arrestar e arrastar, tantos podem ser os problemas sociais e/ou jurídicos decorrentes de atitudes compelidas, à margem da negociação ou do entendimento.

O Direito de Preempção configura-se, assim, num instrumento legal acautelatório, do qual o Município pode dispor. Em tal legislação sobre Patrimônio Cultural resguardado pelo Município, pode estabelecer-se, por exemplo, que em havendo alienação onerosa de bens tombados, isto é, quando se proceder ao deslocamento ou a transferência destes, obriga-se o proprietário, possuidor, adquirente ou interessado, comunique a órgão municipal competente ou responsável pelo cuidado e administração da Cultura.

Ressalte-se, no entanto, que, concretizando-se a aquisição do imóvel, com base no instituto em análise inserido em lei local, obriga-se o Município a dar-lhe a destinação que justificou a aquisição (MIRANDA, 2006).

De outra parte, a área obtida através do Direito de Preferência só pode ser utilizada para os fins aos quais foi previamente estabelecida, caso em que tal não ocorra, sujeita o Prefeito Municipal a ato de improbidade administrativa, previsto expressamente no artigo 52, inciso III, do Estatuto da Cidade44.

Por último, a Lei 8.429/92 – Lei da Improbidade Administrativa45 - prevê sanções e punições quando áreas que foram incorporadas ao Patrimônio Cultural do Município, através

44 O texto referido do Estatuto da Cidade é: Art.52 – Sem prejuízo da punição de outros agentes públicos

envolvidos e da aplicação de outras sanções cabíveis, o Prefeito incorre em improbidade administrativa, nos termos da Lei n.8.429, de 2 de junho de 1992, quando:(...) III – utilizar áreas obtidas por meio do direito de preempção em desacordo com o disposto no art. 26 desta Lei.

45 A Lei 8.429, de 02 de junho de 1992 – Lei da Improbidade Administrativa -, “Dispõe sobre as sanções

aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências”

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do Direito de Preferência, estiverem abandonadas ou irregularmente utilizadas, permitidas ou toleradas ou que sofrem negligência quanto a sua conservação.

Fica clara e incontestável a responsabilidade das autoridades públicas do Município de não se omitirem na conservação, promoção e proteção de áreas que, pelo instituto da Preempção, foram incorporadas, não simplesmente para engrossarem os próprios públicos, mas especialmente porque revestidos de interesse local, enquanto Patrimônio Cultural.

Por sua vez, a Lei Complementar 034, de 29 de dezembro de 2005, que Dispõe sobre a

Política de Desenvolvimento Urbano e sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental do Município de Santa Maria, na Seção IV contempla, explicitamente, o Direito de

Preempção:

Art. 45 - A instituição do direito de preempção confere ao Município preferência para aquisição de imóveis objeto de alienação onerosa entre particulares. §1º - Direito de preempção somente pode ser instituído para: I - Regularização fundiária; II – Execução de programas e projetos habitacionais de interesse social; III – Ordenamento e direcionamento da área urbana; IV – Criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; V – Implantação de equipamentos urbanos e comunitários; VI – Proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou Paisagístico [grifamos]

§2º - A indicação dos imóveis sobre os quais incidirá o direito de preempção é feita por lei de iniciativa do Executivo, que deve conter, para cada imóvel, pelo menos uma dasfinalidades do §1º

§3º - O direito de preempção vigora pelo prazo de cinco anos, podendoser renovado após decorrido um ano da extinção do prazo anterior.

§4º - Aplicam-se ao proprietário do imóvel atingido e ao município as Disposições do artigo 27, da Lei Federal 10.257/01, de 10.07.200146.

É possível perceber que a legislação municipal praticamente transcreve, ipsis litteris, o Art.26 e seus incisos, do Estatuto da Cidade. Só não são transcritos os incisos III –

constituição de reserva fundiária e o inciso VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental. Quer isto dizer - e é desejável que assim

possa ser -, que tal preocupação aponta para uma busca de sintonia entre os ditames da legislação federal e os enunciados estabelecidos para que tal se concretize no âmbito municipal. Quanto mais houver sintonia e certa organicidade entre as diferentes políticas públicas nas esferas distintas do Poder Público, quem sairá ganhando, em primeiro lugar, são os cidadãos destinatários das ações governamentais e o próprio sentido da política que cumpre seus propósitos e seus objetivos sócio-culturais e ambientais.