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Leis municipais de proteção

Ao se fazer referência às Leis Municipais de Proteção aos Bens Culturais, é preciso destacar e reafirmar que a Lei Orgânica Municipal, a exemplo da Constituição Federal passou a ser um marco legal na delimitação de dispositivos de proteção ao Patrimônio Cultural local. Aliás, é a Constituição Federal que dá competências privativas ao Município para legislar

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sobre o Patrimônio Cultural, além de determinar ao Poder Público que o proteja. A partir desta competência, associada ao princípio constitucional da autonomia que o caracteriza, qualquer Município dispõe de capacidade normativa que lhe é própria obrigando-o a elaborar sua lei orgânica, legislar em assuntos que lhe são privativos, além de ter competência suplementar em matéria de seu interesse (SOUZA FILHO, 2010).

Ao considerar que é vasta a competência da esfera estadual, o autor sobredito afirma ser mais ampla ainda, pois

Do ponto de vista temático material, é a competência municipal, que tem como limite não a matéria, o interesse específico do espaço que administra. Assim, a competência legisferante municipal é atribuída pelo reconhecimento do interesse local ao caso concreto, que deve prevalecer aos interesses do Estado e da União (SOUZA FILHO, 2010, p. 118).

Reforça-se, desta maneira, o entendimento já esposado em capítulo especial, de que o Município tem inquestionável e irremediável competência para legislar na área do Patrimônio cultural e, especialmente no intuito de preservá-lo e protegê-lo, assente no pressuposto de que o Patrimônio Cultural, objeto dos cuidados municipais, expressão profunda e indelével de interesse local. O juízo de Marés de Souza Filho (2010, p.118), com valiosa prática em encargos administrativos de serviço público da Cultura, é indisceptável ao assinalar que “a competência municipal para com o Patrimônio Cultural depende da existência de bens e serviços, no caso concreto, cujaproteção seja de interesse local, porque não é a matéria que determina esta competência, mas o interesse”.

Na trilha reflexiva, embasada, também e certamente, na sua experiência de gestor público da Cultura, o autor observa que há uma obrigação do Município para com o

Patrimônio Cultural, independente de sua competência legislativa, mesmo que este tenha sido

objeto de norma internacional, estadual ou municipal. E sugere que o Município, mesmo antes de organizar serviços próprios de gestão cultural, tome pequenas medidas protetivas concretas e imediatas, exemplificando que não sejam autorizados alvarás ou licenciamentos que ponham em risco o Patrimônio Cultural, seja por qualquer tipo de poluição ou eventualidade que o prejudique. Continua o autor, afirmando que a primeira obrigação do Município, fruto de sua autonomia e imperativos constitucionais – competência que lhe é privativa – é criar órgão, serviço ou função, que sob critérios definidos e normatizados possam fiscalizar e proteger os bens culturais, das diferentes esferas da Administração Pública, situadas no território municipal.

Ao construir a legislação de proteção do Patrimônio Cultural, é recomendável legislar sobre conceitos e conteúdos culturais aos quais se está reportando e dizer quais instrumentos serão utilizados, além dos já existentes e autorizados pela Constituição, bem como criar novos e variados mecanismos acautelatórios, além de, na medida do possível, sistematizar, hierarquizar e responsabilizar os serviços que no Poder Público municipal terão tais encargos.

Carlos Marés de Souza Filho (2010, p. 121-122) reforça claramente a importância do papel do Município e sua ampla – e em boa medida desconhecida – competência para instituir leis de preservação cultural completa e complexa, porque poderá agregar normas eficazes, como são as constantes do planejamento urbanístico, de impostos municipais sobre a propriedade urbana, uso e parcelamento do solo, solo criado, transferência de potencial construtivo e tantos outros institutos jurídicos urbanísticos.

A presente pesquisa procura nomear, além de breve análise, em diferentes tópicos, senão a totalidade, ao menos a expressiva maioria dos instrumentos jurídicos à disposição – existentes, conhecidos, usados ou não – do Poder Público municipal interessado, de fato e com direitos, a proteger, efetivamente, o Patrimônio Cultural existente no âmbito de seu território.

O conhecimento jurídico reconhecido e a prática de gestor público eficiente do professor-pesquisador Souza Filho, que respaldam suas convicções e abordagens, servem de indicativo a todos os Municípios, mas certamente aos que ainda não elaboraram, e consequentemente não promulgaram, a legislação protetiva do Patrimônio Cultural, para que motivados produzam uma Lei consistente, abrangente, exeqüível e que

(...) tratasse dos bens culturais locais, nele incluídos não apenas o patrimônio edificado, mas as mais variadas expressões culturais do povo, como os cantos e danças, jogos e brincadeiras, crenças e mitos, arte e costumes, que tratasse dos institutos urbanísticos em relação a este patrimônio e que cuidasse dos bens culturais estaduais e federais e da guarda e utilização dos documentos governamentais, seria um verdadeiro código de proteção cultural, muito mais completo e eficaz que qualquer lei federal ou estadual (2010, p. 122).

Não tem sido uma tradição dos Municípios brasileiros cuidar adequada e eficazmente de seu Patrimônio Cultural, corolário que se firma porque, embora poucos dados estatísticos confiáveis, a observação à realidade da maior parte das cidades do País revela o descaso, a insensibilidade e o abandono para com esses Bens existentes no seu território ou para o significado de múltiplos valores compartilhados, de laços, braços e abraços que lhes dão a verdadeira essência e dimensão do que representam e significam. É essa trajetória que os Bens Culturais, tomados individualmente ou em conjunto, realizam como portadores de referência à

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identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade, cuja base viva é o Município, que os torna plenos de significações para a cidade e seus cidadãos.

Há, no entanto, os Municípios que têm procurado dar fundamentação legal à obrigação constitucional de promover e proteger o Patrimônio Cultural local. Dentre esses, como em outros casos, servimo-nos da Legislação de Santa Maria, para ilustrar essa prerrogativa.

Entende-se importante, para exemplificar, referir legislação esparsa e anterior, antes daquelas que já são fruto da nova consciência de promoção e proteção do Patrimônio Cultural, em década mais recentes. Embora se possa vislumbrar atendimento a situações pontuais, não se pode ignorar sua existência e importância. Assim, a Lei Municipal 784, de 20 de dezembro de 1958, “Cria o Arquivo Histórico do Município e dá outras providências”. Certamente agora, avalia-se melhor a importância daquela lei e daquele ato. Mesmo com as precariedades conhecidas e enfrentadas em todos os lugares, ao se tratar da Cultura, o Arquivo Histórico do Município de Santa Maria tem sido ponto de referência em pesquisa histórico-documental, especialmente pela sua coleção de documentos e atos político-administrativos do Município, sua coleção de jornais, algumas completas e únicas, e em bom estado. E ao longo de sua existência, servido a pesquisadores autodidatas e, atualmente, a jovens pesquisadores interessados e qualificados pela sua formação acadêmica e pelo instrumental metodológico que dominam.

No entanto, embora outras leis contemplaram diferentes situações, foi através da Lei Municipal 2225, de 25 de maio de 1982, que “Dispõe sobre a Proteção do Patrimônio

Histórico e Cultural do Município de Santa Maria68“, que se busca melhor ordenadamente à

promoção, valorização e proteção do Patrimônio Cultural.

Por sua vez, atualizando a anterior, a Lei 3999, de 24 de setembro de 1996, “Dispõe

sobre a Proteção do Patrimônio Histórico e Cultural do Município de Santa Maria e dá outras providências” 69, tendo inclusive, em seu artigo 4º, criado o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural de Santa Maria - COMPHIC -, como órgão de assessoramento, vinculado ao Prefeito por linha de coordenação, com a competência de: a) – Inventariar e registrar os bens cujas características ensejam preservação; b) – Cadastrar os bens cujas características ensejam tombamento emitindo parecer fundamentado; c) – Apreciar, de ofício ou requerimento, a conveniência de tombamento, emitindo parecer ao

68 A Lei em referência foi a primeira que, em Santa Maria, de forma ampla, abordou a problemática do

ordenamento jurídico sobre o Patrimônio Histórico e Cultura, em 1982, antes, portanto, da promulgação da Constituição de 1988.

69 Esta Lei, promulgada pela Presidência da Câmara de Vereadores, corrobora um esforço positivo do Poder

Público, desde o final da década de 1950, em estabelecer mecanismos legais de promoção e proteção do Patrimônio Cultural, no Município.

tombamento fundamentado; d) – proceder ao tombamento provisório; e) – Encaminhar ao Prefeito para homologação, requerimento ou proposta de tombamento definitivo; f) – Articular-se com os demais órgãos da administração Municipal, para o atendimento de suas finalidades e, especialmente, para fiscalização do cumprimento da Lei.

Atualmente, com o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental70 – PDDUA - implantado ao início de 2005 e vigorando as Leis Complementares que o tornam mais consistente, abrangente e completo, Santa Maria possui um acervo legislativo preciso e considerável, não apenas para que as funções sociais da propriedade e da cidade se cumpram, mas particularmente, também, para que o Patrimônio Cultural seja valorizado, promovido e protegido adequadamente.

As Leis Complementares71, a de Nº 071, que “Dispõe Sobre Procedimentos Fiscais para o Código de Obras e Edificações do Município de Santa Maria, Lei de Uso e Ocupação do Solo, Lei do Patrimônio Cultural e dá outras providências” e a de Nº 072, que “Institui a Lei de Uso e Ocupação do Solo, Parcelamento, Perímetro Urbano e Sistema Viário de Santa Maria”, ambas de 04 de novembro de 2009, perfeitamente se enquadram nos propósitos de proteção do Patrimônio Cultural, aqui abordados.

70 A primeira referência a Plano Diretor encontra-se na Lei Municipal 0128, de 10 de outubro de 1951 que

“Aprova o Sistema de Ruas e Logradouros Públicos do Plano Diretor da Cidade”. Não se encontrou a Lei do Plano Diretor desse período.

71 Embora a importância dessas duas Leis Complementares, opta-se por não anexá-las na íntegra. No entanto, as

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Figura 14 - Timbaúva, uma das árvores tombadas por lei pelo Município de Santa Maria (2011). Fonte: Acervo Pessoal

Interessante referir também, que o Município de Santa Maria, tem um acervo considerável de árvores protegidas por leis municipais (Figura 14). Mais de 80 árvores, de diferentes espécies, foram tombados no perímetro urbano de Santa Maria, especialmente a partir da década de 198072. No entanto, esse zelo pelo patrimônio natural, protegido pelo tombamento, tem se arrefecido ao longo dos anos. Estudos apontam que das aproximadas 80 espécies de árvores tombadas, apenas em torno da metade ainda continuam protegidas no presente (2011). As mais diversas razões são justificativas para proceder à reversão da lei e das medidas protetivas73.

72 As Leis Municipais 2506/83 e 2859/87 indicam as árvores que compõem parte do patrimônio natural tombado

em Santa Maria.

73 Há um interessante estudo sobre o tema: “O Patrimônio Natural Tombado no Município de Santa Maria (RS):

Problematizando Questões Para a Educação e a Gestão Pública”, de Lenise Xavier dos Santos, orientado pelo professor Adriano Severo Figueiró que aborda em profundidade e detalhes essa questão.