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4.9 O Estatuto da Cidade

4.9.3 Plano Diretor

A Constituição Federal, de 2008, torna-se um marco para a concepção e execução da política urbana, incluindo-se aí, também, o cuidado para com o Patrimônio Cultural, como visto no decorrer da pesquisa.

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Ao tratar da Política Urbana, o ordenamento constitucional, em seu artigo 182, dá ao Município expressa competência para executar a política de desenvolvimento urbano, a partir de diretrizes estabelecidas em lei, em cujo objetivo se inscreve a obrigação de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

As diretrizes que a lei deveria fixar só ocorrem, já referido alhures, com o advento do Estatuto da Cidade, através da Lei 10.257, de 2001. Nela aparece o Plano Diretor como o principal instrumento para estabelecer e cumprir as normativas constitucionais. Tem-se, então, a fundamental importância que recai sobre o planejamento para que haja uma qualificada e eficaz política de ordenamento das funções (sociais) da cidade. O Plano Diretor se constitui na base mais sólida, na pedra fundamental, na expressão coletiva da Política Urbana, que além de normas técnicas específicas, deve ter, também, na essência de sua elaboração, a participação ativa da comunidade em suas diversas fases.

O Estatuto da Cidade ultrapassa o expresso na Constituição, e indica quais municípios são obrigados a elaborarem Plano Diretor, além das cidades com mais de 20.000 habitantes. Encontram-se neste rol: cidades de regiões metropolitanas; as que integram regiões de especial interesse turístico; cidades situadas em áreas de influência; de empreendimentos ou atividades de marcante impacto ambiental, a nível regional ou do país. É certo que como integrantes das áreas referidas de especial interesse turístico devem constar as cidades que abrigam sítios ou conjuntos históricos, razão pela qual estão obrigadas a, também, terem planos diretores urbanísticos.

Reafirma-se o papel do Plano Diretor, instrumento fundamental no ordenamento urbanístico e sua importância e abrangência na salvaguarda do Patrimônio Cultural, quando, nos seus preâmbulos, o Estatuto da Cidade diz que, dentre as diretrizes gerais consta a proteção, a preservação e a recuperação do meio ambiente natural e construído, do Patrimônio Cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico.

O Estatuto da Cidade, como se vê, obrigatório, ao dedicar todo o seu capítulo III ao instituto do Plano Diretor, revela a importância que pretende que ele alcance, além de prever sanção por improbidade administrativa ao Prefeito, caso este não tome providências para sua aprovação, nos cinco anos após entrar em vigor. Além disto, possibilita que através de Ação Civil Pública, caso necessário, que o Ministério Público ou entidade para tanto capaz, busquem em juízo, liminar ou no mérito, que a Câmara de Vereadores seja obrigada a aprovar o Plano Diretor.

De outra parte, importa registrar, que os planos de ordenamento urbanístico devem observar, no entendimento de José Afonso da Silva (2000, p. 256), os seguintes princípios:

o princípio da legalidade, composto pelos sub-princípios da homogeneidade, da planificação, da tipicidade dos planos urbanísticos, o do desenvolvimento urbanístico em conformidade com o plano e o da obrigatoriedade da planificação; o da definição pela lei, do procedimento de elaboração dos planos urbanísticos; o da diferenciação pela lei de um regime particular para certos tipos de bens; o princípio da hierarquia; o da proporcionalidade em sentido amplo ou da “proibição do excesso; e o princípio da igualdade.

Destarte, o Plano Diretor constitui-se no preciso e abrangente instrumento à disposição, não apenas do Poder Público, mas de igual modo da comunidade, uma vez que é enfatizada a participação ativa desta em sua elaboração, para que seja organizado, adequadamente e atendendo interesses sociais da propriedade em favor do bem coletivo, o território urbano, prevendo (e provendo de mecanismos aplicáveis) que rumos há de se dar ao seu crescimento e ao seu desenvolvimento planejado. Evidencia-se, então, incontroversa, a possibilidade concreta e objetiva de que lhe sejam incorporadas diretrizes e instrumentos, os mais pertinentes e exequíveis, aptos a protegerem o Patrimônio Cultural dos, nem sempre previsíveis, mas quase sempre possíveis, danos resultantes da expansão urbana a qualquer custo.

Vale destacar, por importante, a dimensão educativa inerente à concepção e elaboração do Plano Diretor, que a participação da população pressupõe, bem como o caráter legitimador que é dado aos propósitos de valorizar o espaço na sua dimensão social e coletiva. Ainda se deve distinguir a visão de que o Plano Diretor, através dos diferentes instrumentos devidamente normatizados, está imbuído do sentido de inspirar e motivar ações, individuais e coletivas, para que as mudanças previstas não sejam apenas normas dissociadas da realidade, mas instiguem novos e conscientes comportamentos capazes de transformar a cidade mais habitável, mais equânime, mais acolhedora e mais humana.

Tomando-se como exemplo o Município de Santa Maria, registre-se que o primeiro esboço de planejamento urbano que se poderia chamar de Plano Diretor, como entendido hoje, só se estabelece 1948, sobre o qual não se tem muitos elementos informativos à disposição. Em 1969, com a cidade já experimentando um êxodo rural acentuado38, mercê de considerável contingente de jovens que se deslocam à cidade para prestarem o serviço militar ou em busca de trabalho ou de estudo, principalmente em seus colégios ou em sua Universidade Federal instalada em 14 de dezembro de 1960, Santa Maria esboça idéias que apontam para o esforço de planejá-la, ao estabelecer diretrizes para o sistema viário e

38 No censo de 1960 Santa Maria apresentava uma população rural de 43 por cento. Em 1991, o percentual de

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zoneamento de usos.39 Somente em 1980 Santa Maria conhece seu primeiro Plano Diretor,

que perdurou até 1993. Antes, portanto, da obrigatoriedade advinda da Constituição de 1988, para municípios com mais de 20 mil habitantes.

Por sua vez, a Lei Municipal 3665, de 02 de julho de 1993, “Dispõe sobre Política de

Desenvolvimento Urbano do Município de Santa Maria, Institui o Plano de Expansão e Desenvolvimento de Santa Maria e dá outras providências”. Nesta Lei, no Plano de Expansão e Desenvolvimento de Santa Maria que apresenta – já obedecendo às disposições

constitucionais -, está explicita a preocupação em “fazer o tombamento de construções e

monumentos mais importantes, para a memória cultural do Município”, além de incentivar atividades e projetos culturais ou retomar os que existiam e estavam desativados, bem como criar o Conselho Municipal de Cultura.40

De outra parte, o Plano Diretor de Santa Maria, atualmente em vigor (2011), dentro dos pressupostos da Constituição e do Estatuto da Cidade, foi amplamente discutido com a comunidade e teve sua construção participativa, de baixo para cima, democraticamente expressando vontades e objetivos da comunidade. Foram mais de 350 reuniões, durante mais de um ano, em que a comunidade, coordenada pela Equipe da Secretaria de Município de Planejamento, transformada posteriormente em autarquia municipal41 - Escritório da Cidade -, pôde expressar-se e dizer qual sua compreensão de cidade e quais rumos ela deveria tomar.42

No que tange especialmente ao Patrimônio Cultural, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, na Lei Complementar 034, de 29 de dezembro de 2005, que Dispõe sobre a Política de Desenvolvimento Urbano e sobre o Plano Diretor de

Desenvolvimento Urbano e Ambiental do Município de Santa Maria, traz na Subseção IV – Do Patrimônio e da Paisagem Urbana – o Art. 18 que estabelece: “A política de proteção do

Patrimônio e da Paisagem deve: I – Garantir o direito do cidadão à fruição da paisagem; II – Garantir a qualidade ambiental do espaço público; III- Favorecer a preservação do patrimônio histórico-cultural e ambiental urbano; IV – Criar instrumentos técnicos, institucionais e legais de gestão do patrimônio, da paisagem e do espaço urbano, garantindo melhor qualidade, tanto

39 Essas informações constam das Diretrizes que integram a Lei Municipal 3665, de 02 de julho de 1993,

considerada o terceiro Plano Diretor de Santa Maria

40 A Secretaria de Município da Cultura, uma das primeiras de municípios gaúchos, foi criada pela Lei Municipal

3266, de 28 de novembro de 1990. Por sua vez, o Conselho Municipal de Cultura de Santa Maria, também dentre os primeiros do Rio Grande do Sul, foi criado pela Lei Municipal 4166, de 26 de junho de 1998.

41 A Lei Municipal 4875, de 22 de dezembro de 2005, “Cria o Escritório da Cidade, Dispõe sobre sua

organização e dá outras providências”.

42 No que tange especialmente ao Patrimônio Cultural foram encaminhadas diversas propostas, muitas delas

incluídas no Plano Diretor, outras para serem implementadas numa visão prospectiva da cidade e seu desenvolvimento integrado e sustentável, de acordo com um dos principais objetivos definidos pela população no processo que resultou em Lei.

pelo setor público, quanto pelo privado; V – Formular legislação própria de disciplinamento e ordenamento dos elementos componentes do patrimônio e da paisagem urbana, assegurando o equilíbrio visual entre os diversos elementos que a compõem, favorecendo a preservação do patrimônio histórico-cultural e ambiental urbano e garantindo ao cidadão a possibilidade de identificação, de leitura e apreensão da paisagem e de seus elementos constitutivos, públicos e privados; VI – Assegurar a participação da comunidade na identificação, valorização, criação, preservação , conservação e gestão dos elementos significativos do patrimônio e da paisagem urbana implantando processos que envolvam a coletividade na construção desses valores; VII – Elaborar normas específicas de uso, ocupação e volumetria das edificações para os distintos setores da cidade, considerando a diversidade de paisagem nas várias regiões que a compõem, bem como os elementos presentes da paisagem urbana; VIII – Instituir novos padrões de caráter informativo e indicativo de comunicação visual, estabelecendo parâmetros de dimensões, posicionamento, quantidade e interferência que evitem a poluição visual e sejam adequados à sinalização de trânsito, aos elementos construídos e à vegetação; IX – Instituir mecanismos eficazes de fiscalização sobre diversas intervenções no patrimônio e na paisagem urbana; X – Implantar programas de educação ambiental visando sensibilizar a população a respeito da importância da valorização do patrimônio e da paisagem urbana como fator de melhoria da qualidade de vida.

A seguir, analisa-se o primeiro item do Plano Diretor, ou seja, o instituto do direito de preempção.