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A Constituição Federal, no artigo 29, estabelece que o Município reger-se-á por Lei Orgânica que deve atender aos princípios estabelecidos na Constituição Federal, na Constituição do respectivo Estado, além de diversos preceitos nela enumerados.

A Lei Orgânica, para cada município, mutatis mutandis, equivale-se à Constituição Federal, uma vez que o organiza político-administrativamente. Através dela estabelecem-se formas de funcionamento, normas de ordenamento de seus poderes, de organização das finanças públicas, da ordem social, econômica e territorial. Como visto alhures, e aqui relembrado pelo jurista José Afonso da Silva 2010, p. 642), a Lei Orgânica

Cuidará de discriminar a matéria de competência exclusiva do Município, observadas as peculiaridades locais, bem como a competência comum que a Constituição lhe reserva juntamente com a União, os Estados e o Distrito Federal (art.23). Indicará dentre a matéria de sua competência aquela que lhe cabe legislar com exclusividade e a que lhe seja reservado legislar supletivamente.

O conteúdo normativo básico que deve estar presente na Lei Orgânica foi enumerado, como retro-observado, no artigo 29 e seus respectivos incisos. Ao pertinente olhar sobre instrumentos de proteção ao Patrimônio Cultural local, importa destacar, como já feito alhures, os fundamentos da competência dos Municípios, estampadas no artigo 30 da Lei Maior. Dentre os enumerados explicitamente, destacam-se

(...) (2) suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; aí, certamente, observa SILVA, competirá aos Municípios legislar supletivamente sobre: (a) proteção do patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; (b) responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, turístico e paisagístico local; (c) educação, cultura, ensino e saúde no que tange à prestação desses serviços no âmbito local; (d) direito urbanístico local, etc; (...) (8) promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano; (...) (9) promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual (SILVA, 2010, p. 643).

A proteção de um Bem Cultural, como esclarece, sabiamente, Marés de Souza Filho (2010, p. 35-36),

Começa por sua individuação, para que ele possa ser exatamente localizado, conhecido e reconhecido como bem cultural preservável. Ao ser individuado o bem jurídico, ganha status de cultural ou artístico o histórico etc. É modificada em profundidade sua essência jurídica, e por isto não só o conceito de bem cultural

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como também o processo de sua constituição estão expressos na lei, quer dizer, têm relevância jurídica.

A Lei Orgânica constitui-se, pois, em poderoso instrumento para estabelecer disposições pertinentes e específicas, que abarquem as mais diversas dimensões da realidade cultural expressa na multiplicidade do Patrimônio Cultural do Município.

Toma-se, para exemplificar, a Lei Orgânica do Município de Santa Maria. Embora o Estado do Rio Grande do Sul, diferentemente da maioria dos outros Estados da Federação, já oportunizava, antes da Constituição de 1988, que os municípios tivessem suas Leis Orgânicas próprias e independentes, não ocorrendo, como de praxe alhures, que havia um modelo único estadual para todos os municípios. Mesmo que tivesse Leis Orgânicas diferenciadas, com o advento das novas Constituições – a Federal (1988) e a Estadual (1989) - também os municípios sul-rio-grandenses tiveram seu “processo constituinte” em suas Câmaras de Vereadores.

Assim, em Santa Maria, a Lei Orgânica, fruto dessa concepção processual participativa dos cidadãos, foi promulgada em 02 de abril de1990, após amplos debates em comissões técnicas e temáticas, em plenário, em assembléias populares, em audiências públicas, em seminários e encontros com especialistas nos temas mais pertinentes e consentâneos com as normativas oriundas das Constituições Federal e Estadual.

No que tange especialmente à Cultura e ao Patrimônio Cultural, a Lei Orgânica do Município de Santa Maria74, estabelece, além de capítulo próprio, o seguinte: Capítulo II – Da Competência do Município - Seção I – Da Competência Privativa – (...) Art. 9º:

Compete ao Município no exercício de sua autonomia, dentre outras, as seguintes atribuições: (...) XLI – Promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Seção II – Da Competência Comum – Art. 10º - Compete ao Município, em comum com a União e os Estados, observadas as normas de cooperação fixadas em Lei Complementar: (...) III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV – impedir a evasão, a destruição e descentralização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico, cultural e ambiental; V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência; VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII – preservar as florestas, a fauna e a flora.

74 Duas curiosidades sobre Leis Orgânicas do Município de Santa Maria: 1ª) - Emancipado político-

administrativamente de Cachoeira do Sul, Santa Maria foi instalada em 17 de maio de 1858. Em 10 de setembro de 1891, criou-se Comissão para Elaboração da Lei Orgânica, constituída por Francisco Abreu Vale Machado (primeiro Intendente), Astrogildo César de Azevedo (Médico e mais tarde (1908) Vice-Intendente e Intendente de 1916 a 198, quando renunciou) e Leonel Antonio de Sá; 2ª) – A Lei Municipal 14/48, de 25 de março de 1948, “Considera Feriado o Dia 29 de março de 1948, data da Promulgação da Lei Orgânica do Município”. Certamente um grande e cívico evento que mereceu tamanha comemoração, após o período da Ditadura Vargas.

O tratamento especial sobre Cultura, na Lei Orgânica em referência, diz no Capítulo II, Seção II - Da Cultura – Art. 194:

O município estimulará a cultura em suas múltiplas manifestações, garantindo o efetivo exercício dos direitos culturais e o acesso às formas de cultura, bem como a valorização e a difusão das manifestações culturais.Parágrafo único: Para o estímulo, valorização e difusão de que trata o caput deste artigo, o Município, através de lei especial, criará estímulos fiscais para a realização de projetos culturais no âmbito do território municipal.

Art. 195 – O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural por meio de inventários, vigilância, tombamento, desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação.

§1 – Os proprietários de bens de qualquer natureza tombados pelo Município receberão incentivos para preservá-los e consertá-los, conforme definido em lei; §2– Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos na forma da lei; §3 – As instituições públicas municipais ocuparão, preferencialmente, prédios tombados, desde que, ao usá-los, não se lhes ameace a preservação.

Art. 196 – Constituem direitos culturais garantidos pelo Município: I – liberdade de criação e expressão artística;

II – acesso à educação artística e ao desenvolvimento da criatividade; III – acesso a todas as formas de expressão cultural;

IV – acesso ao Patrimônio Histórico e cultural do Município, entendendo-se como tal o patrimônio natural e os bens de natureza material e imaterial, portadores de referências à identificação, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade santa-mariense, quais sejam:

a) os modos de fazer, criar e viver;

b) as criações artísticas, científicas e tecnológicas;

c) as obras, objetos, monumentos naturais, paisagens, documentos, edificações e demais espaços públicos e privados destinados às manifestações políticas, artísticas e culturais;

d) os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, científico e ecológico.

Art. 197 – O Ensino do Município contemplará as diferentes características da formação histórica e cultural de sua população, valorizando o estudo de suas crenças, costumes e de sua verdadeira história.

Art. 198 – O Município desenvolverá programas de combate a todo tipo de preconceito e discriminação.

Parágrafo único – Ninguém poderá sofrer qualquer manifestação ou impedimento que se constitua em prática racista ou discriminatória.

Ainda merecem destaque algumas disposições contidas na Lei Orgânica, no Ato das Disposições Transitórias, pela inserção de normativas diretamente pertinentes à Cultura e ao Patrimônio Cultural. Estabelece o Art. 5º que a Lei disciplinará a organização e o funcionamento do Conselho Municipal do Meio Ambiente, Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia, Conselho Municipal de Cultura.

Interessante, igualmente, registrar - pela novidade dessa abordagem em âmbito do Município – o que consta do Art. 8º das Disposições Transitórias da Lei Orgânica: O

Município implantará, a partir da promulgação desta Carta, o tombamento da área denominada “Sanga da Alemoa”, como Patrimônio Público Municipal, cuja utilização far- se-á, na forma da lei, única e exclusivamente para fins de estudo.

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Figura 15 - Encontrado em 1903, o Scaphonyx fischeri, confere a Santa Maria, o título de “Berço dos Dinossauros”, além de ser o único local no Brasil onde os Rincossauros, grupo do Scaphonyx, são encontrados.

Fonte: BARBERENA, M. (1987)

O local denominado Sanga da Alemoa, desde 1902 constitui-se em área de pesquisa e estudos reconhecido internacionalmente. Nessa área foi encontrado o “primeiro réptil terrestre fóssil da América Latina”, por Jango Fischer segundo Romeu Beltrão (1965) 75, um dos primeiros a pesquisar a campo e a defender a permanência do material coletado em Santa Maria. Denominado de Scaphonyx fischeri (Figura 15) para homenagear seu descobridor, está na Universidade de Tubing, levado para estudos e, que, como tantos outros exemplares a paleontologia, não voltaram.