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1 O Direito e a Literatura

Sendo o Direito um produto cultural, que se transforma a partir do modo de produção social, necessita do apoio de outros meios, ou seja, de outras técnicas sociais, como a economia, filosofia, sociologia e a literatura. É nesse contexto que a literatura e o Direito se entrelaçam. Um ponto comum entre ambos é a comunicação (SCHWARTZ, 2006, p. 47), não apenas através da linguagem, mas também por meio de outros sentidos. Literatura e Direito emergem de um caldo cultural e se constroem em ba- ses de uma realidade social:

A doutrina européia atual, analisando o uso de máquinas, da televisão e dos meios telemáticos, denuncia que muitos contratos de massa são feitos “em silêncio” ou “sem diálo- go”, por coisa ou imagem de coisas, palavras ditadas, pré- escritas e outros símbolos visualizados em meios não pere-

nes e virtuais; atos existenciais, sem real dialética, pela não presença do outro, pela representação do outro através de máquinas e prepostos sem poder, por atos, imagens, núme- ros, cartões, senhas, visões, toques, clicks, deste homem atu- al, que denominam, não mais homo loquens, dada a perda da importância da palavra, e sim homo videns, em face da importância das sensações e sentidos, do toque à visão para a realização de um contrato. (MARQUES, 2005, p. 67-68).

A estreita relação entre ambos – Direito e Literatura – se materializa no momento da interpretação, quando se exerce o processo hermenêutico, seja na análise singular, ou na comparação, sobre o conteúdo de ambos os textos. Ronald Dworkin afirma que “[...] a prática jurídica é um perene exercício de interpretação, a exemplo da descoberta do significado dos

textos, postura que plasma atitudes literárias”.1

Outro ponto, em que se vislumbra essa relação, é a utilização da literatura para a solução de problemas jurídicos, a partir dos fatos literári- os, dando uma solução a um fato pronto, para então aplicar ao caso con- creto, ou seja, a partir de algo fictício como a Literatura, o Direito busca encontrar as soluções para os problemas da realidade.

Há, também, a tópica2 jurídica literária, ou seja, a tópica que se

encontra e é proveniente das obras literárias, que decorre das expressões literárias, e se entrelaça com a realidade jurídica, para criar soluções para o direito constituído; ou ainda criticá-lo, com a finalidade de alterá-lo. Esta forma de empregar a tópica é deveras importante para combater o tecnicismo, muito presente no Direito.

Ademais, vê-se o quanto o Direito e os juristas são criticados em diferentes obras literárias, representando os atores juristas como pessoas desonestas e sem moral, ou ainda, apontando ineficácia sobre Direito ou

1 Dworkin em um trecho do texto faz uma comparação entre a interpretação dos textos

literários e jurídicos. Vejamos: “Diz ainda que a interpretação literária tem como objetivo demonstrar como a obra em questão pode ser vista como a obra de arte mais valiosa, e para isso deve atender para características formais de identidade, coerência e integridade, assim como para considerações mais substantivas de valor artístico. Uma interpretação plausível da prática jurídica também deve, de modo semelhante, passar por um teste de duas dimen- sões: deve ajustar-se a essa prática e demonstrar sua finalidade ou valor. Mas finalidade ou valor, aqui, não pode significar valor artístico, porque o Direito, ao contrário da literatura, não é um empreendimento artístico. O Direito é um empreendimento político, cuja finalidade geral, se é que tem alguma, é coordenar o esforço social e individual, ou assegurar a justiça entre os cidadãos e entre eles e seu governo.” (DWORKIN, 2000, p. 217).

2 A tópica jurídica desenvolvida por Theodor Viehweg em sua “Tópica e Jurisprudência” é

uma forma de solução a partir da problematização. Desenvolvida por Aristóteles, e redescoberta por Viehweg para seu emprego no mundo jurídico. Sobre o assunto ver: GARCÍA AMADO, 1988.

Direito e Literatura: a família nos contos de Nelson Rodrigues 81

sua má aplicação. Erasmo de Rotterdam, acidamente, faz esta critica ao advogado e ao sistema jurídico, dizendo que:

Pretendem os advogados levar a palma sobre todos os eru- ditos e fazem um grande conceito da sua arte. Ora, para vos ser franco, a sua profissão é, em uma análise, um trabalho de Sísifo. Com efeito, eles fazem uma porção de leis que não chegam à conclusão alguma. Que são o digesto, as pandectas, o código? Um amontoado de comentários, de glo- sas, de citações. Com toda essa mixórdia, fazem crer ao vulto que, de todas as ciências, a sua é a que requer o mais subli- me e laborioso engenho. E, como sempre se acha mais belo o que é difícil, resulta que os tolos tem em alto conceito essa ciência.(ROTTERDAM, 1979, p. 92-93).

Assim, vê-se o quão importante para o desenvolvimento do Direito é o estudo feito a partir da literatura, pois, ao serem usados elementos des- ta, é possível se obter uma melhor interpretação aos casos concretos da- quele.

Logo, a proposta do exercício comparativo entre Literatura e Direito é identificar pontos de apoio que forneçam ao Direito meios de compreen- são necessários, a serem amealhadas e reprocessadas por sua lógica funci- onal – sobre o bem e o mal, o justo e o injusto e o legal e o ilegal. Dessa maneira, a Literatura poderá conduzir o Direito a um aprofundamento dos seus valores e de suas decisões, mormente porque baseados em um

texto (direito positivado)(SCHWARTZ, 2006, p. 52).

Sendo a literatura uma ferramenta para retratar diversos aspectos sociais da realidade, e possuindo, portanto, um papel importante na rela- ção com o público (sociedade), a obra é criada a partir da experiência social do autor. Assim, pode se entender que a ela é criada através da inter-relação do autor com o grupo social, e que é o resultado de diversas práticas, pressupostos, concepções expressas em valores e posturas, reco- nhecidos enquanto tal, pela coletividade.

Nesse contexto, quando se percebe a situação histórica e social da obra e do autor, definindo o lugar onde eram escritas, quais as finalidades das questões levantadas por esses intelectuais perante a sociedade, em que veículos eram publicados e a que tipo de público o autor se dirigia, tem-se à mostra a visão do escritor sobre a sociedade e os debates públicos mais importantes de sua época. Compreende-se, então, o contexto da época e a lógica da visão de mundo, dos juízos de valor e das opiniões políticas, que os escritores elaboram em suas obras. Tem-se em mãos toda essa com- plexidade do objeto literário e, com isso, desenvolve-se um entendimento

sociológico, apto a captar as características e peculiaridades intrínsecas na arte literária.

Sem dúvida, Nelson Rodrigues foi um dos maiores escritores brasi- leiros, do Século XX. Soube retratar fielmente a realidade de uma socie- dade conservadora, criticando-a e escrevendo sobre temas socialmente incômodos, como o adultério, incesto e assuntos ligados à família e ao casamento.

Revelou, desde muito cedo, o dom para a escrita; aos trezes anos, iniciou sua carreira jornalística como repórter policial. Atuando, posteri- ormente, em diversas funções, nas redações dos jornais cariocas, atingiu sua consagração, como escritor, já no final de sua vida.

Quando escrevia, buscava sempre mostrar a realidade, o que lhe rendeu muitas críticas. Ao tratar das famílias, mostrou-se um exímio escri- tor, surpreendendo ao público, com a profundidade de suas produções sobre o tema.

Neste liame, utilizando-se da obra de Nelson Rodrigues, realizar- se-á uma análise do Direito de Família Brasileiro, para compreender a evolução desse ramo do Direito, no Brasil, a partir da década de quarenta, do Século XX.