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Ricardo Pedro Bom Filho Resumo: O presente estudo tem por objeto questões sobre

direito público, e especialmente aquelas ligadas aos interesses econômicos, que podem ser extraídas da obra intitulada Max Havelaar, de Eduard Douwes Dekker (Multatuli). O romance, publicado em 1860, descreve o contexto da época, com tom irônico e satírico, criticando a sociedade holandesa do Século XIX e denuncia os abusos do Estado holandês na colônia das índias orientais (atualmente uma parte da Indonésia). Rico em detalhes sobre a administração pública, pode-se estudar sua organização e as diversas relações de poder presentes no enredo, constituindo uma memória do direito público. A crítica de Multatuli ao governo e ao comércio toma por base, principalmente, a Verdade e a Moral, que, mesmo avocadas por eles, não eram respeitadas. Aquelas acabam por refletir a personalidade do protagonista, Max Havelaar, que busca resistir a esse sistema que explora e oprime os nativos da colônia. A condição a que estes são expostos é descrita de forma franca e amarga, revelando uma interpretação econômica do indivíduo e a conivência, ou quiçá o fomento, dessa política econômica por parte do Estado. A partir do exposto é possível estudar o Direito (público) na Literatura e, ainda, aproximar o estudo com a realidade brasileira, até porque certas questões preservam a sua atualidade.

O Direito em Max Havelaar – Um Estudo sobre a Relação entre Direito Público e Economia na Obra de Multatuli 197

1 “[…] obra prima da sátira, editada várias vezes e traduzida em inúmeros idiomas, conside-

rada como contribuição de primeira grandeza da Holanda para a literatura universal: ‘Max Havelaar’. Podemos comparar sem susto esta obra com a famosa ‘Cabana do Pai Tomás’, mas salientando ser mais profunda e de estilo mais delicado”. STUIVELING, Garmt. Excursão

através da literatura holandêsa. Tradução: Carlos Cotrim. Amsterdã: Hilversum Holanda,

[195?]. p. 13.

2 Disponível em: <http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=12015>. Acesso em:

27 ago. 2011.

3 Eduard Douwes Dekker é criticado por ter usado sua obra, antes da publicação, como

chantagem para conseguir, malogrado ao final, retornar à administração pública.

Introdução

ste artigo, resultado de uma pesquisa preliminar e pontual, veicula a aproximação e intersecção de dois importantes campos cognoscitivos, a saber, o Direito e a Literatura, tomando-se como referência o livro Max

Havelaar. Objetiva-se em um primeiro momento retratar o contexto

institucional explorado na obra e, após, examinar os problemas jurídicos extraíveis dela, limitando-se aos que sejam relacionados com o tema espe- cífico proposto: a relação entre o Direito público e a economia. Embora afastado do âmbito estritamente normativo, o estudo do Direito na Litera- tura torna possível, em certa medida, “[...] um enfoque de época e institui-

ções, ‘captando o jurídico, como produto cultural’”(OLIVO, 2005, p. 24).

Abordar o Direito na obra Max Havelaar, ou os leilões de café na

companhia holandesa de comércio é um pequeno desafio que vale ser su-

perado. Clássico das literaturas holandesa e internacional1, publicado em

1860 e escrito por Eduard Douwes Dekker – sob o pseudônimo de Multatuli –, foi traduzido para diversos idiomas, mas para o português consta so- mente uma única publicação em 1976, em Portugal. Citado como um dos mil e um livros para ser lido antes de morrer (SHATENSTEIN, 2007,

p. 147), já se criticou a ausência de sua tradução e publicação no Brasil2.

Em razão dessa deficiência, o presente trabalho adotou a tradução em inglês. Superada essa dificuldade inicial, imprescindível o leitor saber su- cintamente o contexto da obra, uma vez que a novela se aproxima de uma autobiografia. Dekker foi funcionário da coroa holandesa e traba- lhou como residente assistente na ilha de Java, uma das colônias neerlan- desas, atualmente onde se situa a capital da Indonésia (Jacarta). O livro foi escrito com o indubitável intuito de atingir o governo holandês, criti- cando a política adotada e desmascarando o que ocorria nas colônias

holandesas orientais3. O termo multatuli significa “sofri muito”, e a histó-

ria do protagonista Max Havelaar se aproxima tanto da vida Dekker que, na introdução à edição de 1875, ele apontou os nomes das pessoas a quem se referiam alguns personagens. Percebe-se, portanto, que o texto é

4 “[...] my book also concerns millers, and the clergy, and the Sellers of Holloway’s pills, ans distillers, and tilemakers, and the people Who live from gilt-edged securities, and pumpmakers, and ropemakers, and weavers, and butchers, and brokers’clerks, and the shareholders in the Dutch Trading Company, and, in fact, properly speaking, everyone else too... And the King, as well... yes, the King above all! My book must go out into the world”. DEKKER, Edward D. Max Havelaar: or the Coffe Auctions of a Dutch Trading Company. Traduzido para o inglês por

Roy Edwards. Londres: Penguin Classics, 1987. p. 54.

5 O livro é redigido em forma de novela, que originalmente, segundo o próprio autor, não

teria divisões em capítulos, constituindo um único texto. O próprio autor chega a ironizar os perigos de um livros caótico. O resultado é um texto que apresenta idas e vindas das narra- tivas, sem contar os momentos em que o livro dialoga diretamente com o leitor. O fato é que os personagens Droogstoppel e Havelaar não dialogam entre si, pois estão em planos distintos.

carregado de ideologia e de sentimento pessoal do autor, com forte cunho político, o que reflete na forma irônica, sarcástica e satírica da escrita de algumas passagens, assim como a franqueza e amargura em outras. Tem como destinatários todos os holandeses (da época), mas principalmente

os comerciantes de café e, acima de tudo, o rei4.

De modo algum se deve imaginar que não se trate de uma obra literária, tal como já fora criticado; ao contrário, utiliza-se dessa arte para se manifestar. E é justamente em razão disso que a obra tem seu valor no estudo do Direito na Literatura, ao transmitir a sua interpretação do Di- reito e das instituições do Estado holandês de meados do Século XIX.