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Discurso pronunciado por José Álvares Pessoa na Tenda Espírita São Jerônimo (Rio de Janeiro, 30/09/1954)

No documento Origem Umbanda (páginas 48-50)

A Umbanda caminha a passos largos para a realização de um ideal que acariciamos há longo tempo e que pequenina semente, plantada por um grupo de homens de fé e de boa vontade há mais de 40 anos, orientados e dirigidos pelos Espíritos de eleição que são o Caboclo das Sete Encruzilhadas e os seus abnegados companheiros. Nasceu e cresceu regada com o suor de tantas criaturas altruístas que vêm dando o melhor de sua vida por tão nobre causa, e hoje, qual mangueira frondosa, aconselha-nos à sua sombra acolhedora. Este ideal que é a transformação de Umbanda na religião que dominará todo o território brasileiro, e daqui, com a graça de Deus, há de espalhar-se por este continente abençoado que é o continente do futuro, nós o veremos concretizado em obra imorredoura e, apesar dos tropeços que a cada momento ainda perturbam a nossa marcha, para a qual são inúteis os obstáculos, haveremos de vencer com galhardia, triunfando de todos os empecilhos que porventura ainda teremos de enfrentar.

Achamo-nos arregimentados como para uma batalha iminente e, escudados na nossa fé inquebrantável em Nosso Cristo Oxalá e amparados pelas inúmeras hostes de Espíritos benfazejos que almejam ver implantadas nesta Terra uma religião isenta do interesse vil das coisas materiais, nada tememos, porque o limpo de coração tem Deus consigo.

É preciso que nos convençamos e que conosco se convençam todos os que direta ou indiretamente tiverem conhecimento do nosso movimento, que Umbanda não deseja ser tomada como Espiritismo, nem experimental, nem mágico, porque Umbanda faz questão de mostrar-se tal qual é – pura e simplesmente religião, magia e espiritismo religioso cristão que um dia empolgará a Terra de Santa Cruz e se espalhará pelos quatro cantos deste continente.

Umbanda é simples, humilde, espiritual, magia, espiritismo e cristianismo; propugna pela felicidade dos humildes que a procuram, levando alívio aos que, abatidos pelos sofrimentos, quer moral, material ou espiritual, não se envergonham de ajoelhar-se aos pés dos Pretos-Velhos ou dos seus intrépidos Caboclos para implorar o seu auxílio e a sua graça. Os Espíritos que baixam em nossos Terreiros não vivem na beatitude excelsa dos Céus dos padres católicos; permanecem sempre, como eles mesmos dizem, na Aruanda, que é lugar de trabalho onde estão sempre alertas aos sofrimentos dos desgraçados deste planeta de expiação, para acorrer no momento propício, para dar-lhes força para levarem avante as demais provas a que estão sujeitos. E nós, a exemplo dos nossos Guias admiráveis, só nos preocupa o alívio que possam obter os nossos irmãos em sofrimento.

Em Umbanda não nos preocupamos com as pesquisas dos laboratórios científicos e psíquicos, onde se pesa o fluido, verificam-se as formações do ectoplasma que produz as materializações e modelam-se em cera os membros dos Espíritos materializados; nem tampouco nos debruçamos horas a fio sobre os livros para indagar da natureza do corpo físico de Jesus.

O que nos interessa não é o corpo físico do Mestre Divino e sim a sua essência mesmo, o seu ego imponderável, a caridade que irradia sobre nós todos, é que a seus pés vivamos em oração.

Nos Terreiros de Umbanda, onde despidos dos enfeites dos sacerdotes que oficiam nos grandes templos, os seus médiuns, pobres e humildes como os pescadores que acompanhavam o Salvador, deixam as canseiras dos seus trabalhos de cada dia para servirem de instrumentos aos Guias que realizam a Caridade, que a milhares já têm beneficiado; onde não reina o espírito de lucro, nem domina o ideal do mando. Não há tabela de preços para a quantidade de graças que espalham os Pretos-Velhos e os Caboclos, pelos filhos que os buscam; não há hora para se fazer a caridade, porque inúmeras são as vezes que pobres operários e humildes empregados, desprezando o tempo que lhes sobra para o descanso a que têm direito, entram pela madrugada nos trabalhos do Terreiro para levar a esperança que sempre se concretiza numa realidade boa para o desgraçado ou o poderoso que bate à porta de nossas Tendas sempre escancaradas para todos e freqüentadas por enormes multidões. É verdade que há umbandistas desgarrados que recebem pelos trabalhos de seus Guias, mas onde há o trigo há sempre o joio e é preciso que ambos cresçam para que este seja colhido e lançado ao fogo.

Umbanda já é bastante conhecida, mesmo pelos que não a praticam; todos sabem que nos seus Terreiros a caridade é feita gratuitamente; o nosso lema é dar de graça o que de graça recebemos.

É, pois, chegada a hora em que desassombradamente devemos nos apresentar diante de todos em igualdade de condições com as outras religiões que sem perseguições vicejam à sombra da lei.

Umbanda, por seus elementos representativos, prepara-se para fazer frente aos que, convencidos de que são os únicos detentores da verdade e das lições do Divino Mestre, movem contra ela uma perseguição tenaz porque pressentem a sua vitória para muito breve.

Umbanda é grande, apesar da humildade com que se manifesta o seu ritual e a sua liturgia se encontra a cada passo no Velho e no Novo Testamento, nos templos do Egito e da velha Índia. Por mais remota que seja a religião encontra-se nela, sem nenhum esforço, vestígios da Umbanda.

É um engano pensar-se que Umbanda é uma invencionice de pobres pretos africanos, arrastados como escravos pela infâmia dos negreiros para as terras brasileiras. Umbanda é milenar; Umbanda não tem idade. É verdade que o movimento da implantação da Umbanda pura tem pouco menos de meio século, o que se compreenderá bem quando se dispensar alguns minutos para um raciocínio simples.

O Brasil que tem menos de cinco séculos tem sido desde a sua descoberta um campo de fácil conquista dos padres católicos que aqui aportaram com as primeiras caravelas. Tiveram esses senhores a visão profundamente inteligente do que seria no futuro a Terra de Santa Cruz.

É aqui que se implantaram e impuseram sua vontade. É de notar-se que naquela época os nossos colonizadores seguiam a religião dos seus antepassados; não havia concorrentes, portanto tinham cem por cento de probabilidade para se imporem e dominarem. Mas o tempo corre, as coisas mudam. O homem que é sempre irrequieto procura ver novos horizontes e busca sempre à novidade. Como a vinda dos pobres cativos não imaginavam os seus algozes que também veriam a semente da religião que no futuro faria concorrência à religião que trouxeram da terra mãe. E agora, a despeito de todos e de tudo, a magia de Umbanda se arregimenta para tomar o lugar que lhe compete como verdadeira religião, tão espiritual como qualquer outra, propugnando pelo ideal de doutrina cristã que nos toca a alma mais de perto.

Mas, a Umbanda trazida pelos pretos era tão velha, ou ainda mais velha do que o continente de onde vinha. Raça das mais antigas, a negra era detentora de segredos invioláveis que não transpunham os umbrais dos seus templos. Por isso, deturpada pelos seus portadores e sem ambiente para propagar-se rapidamente, demorou a Umbanda até agora a aparecer com a sua característica verdadeira, livre dos erros que no seu rito estavam arraigados, como o ouro que somente depois de bateado, desprende-se da terra suja com que se achava misturado.

A Umbanda é hoje esta magnífica realização que estamos vendo; palpita como um corpo vivo cujos órgãos são todos perfeitos. É uma máquina cujas peças ajustadas funcionam sem o menor embaraço. Prontos para uma ação decisiva estamos todos a postos, intrépidos, com os olhos voltados para o nosso Guia Maior, Nosso Cristo Oxalá, em cujos pés depositamos as nossas esperanças, os nossos anseios, os nossos sofrimentos e a certeza plena de vitória.

Sabemos que esta vitória ainda está longe, mas no longínquo horizonte onde se encontra esta vitória, divisamos a figura do Verbo Solar Oxalá, resplendente de luz, cercado pelas Sete Linhas de Umbanda que lhe rendem eterna homenagem e lhe pedem incessantemente que lhes conceda a graça de reunir num único bloco toda a família umbandista para que a Umbanda seja a maior força viva do Brasil, a sua verdadeira religião.

E sabemos também que neste dia glorioso em que mais uma vez nos achamos aqui reunidos para comemorar o nosso Orixá Xangô, as falanges gloriosas de todos os Orixás de Umbanda que presidem a nossa festa, rejubilando-se conosco, entoando curimbas ao Altíssimo, dão-nos a certeza de que com Ele contaremos para a realização da nossa missão; dar-nos-ão força para a luta, inspiração nos momentos difíceis, luz para não errarmos no caminho e a proteção do que necessitamos para alcançarmos o bem maior que é a absoluta felicidade espiritual.

Meus amigos, entoemos um hino de louvor ao nosso admirável São Jerônimo, o nosso todo poderoso Xangô, pedindo-lhe bênçãos e graças para todos nós e para a Casa que tanto amamos, a sua Tenda.

(José Álvares Pessoa – 1954)

Algumas reportagens do Capitão Pessoa, em época, estarão sendo disponibilizadas em nosso site, juntamente com esse livro

No documento Origem Umbanda (páginas 48-50)

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