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A Percepção da Qualidade de Vida

4 – DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Dos 341 idosos que constituíram a amostra o sexo feminino, é quase o dobro dos homens, com a média de idades a situar-se nos 81,2 anos. Ao longo do século XX, a proporção entre homens e mulheres diminuiu constantemente (Eliopoulos, 2005), e a esperança de vida ao nascer projecta um cenário demográfico que leva a dizer que ―o mundo dos idosos é o mundo das mulheres‖ (Camarano, 2006, p. 90). No tocante à escolaridade, constata-se que uma grande parte de idosos que referiu não saber ler nem escrever está em consonância com os dados do INE (2002) e de Paúl e colaboradores (2005), ao quantificarem em 12% os portugueses que não atingiram qualquer nível de

ensino, de entre os quais a maioria mulheres, agravando-se os resultados em relação aos idosos. A relevância deste dado, tem reflexos nos processos de socialização, determinando uma certa passividade no acesso aos cuidados de saúde, no controlo sobre as decisões acerca da sua saúde, particularmente quando se sentem mais vulneráveis (Shindler, 1999 e Roberts, 2004, cit. por Rodrigues, 2007).

Tendo por base o regime geral de aposentações, verifica-se que 63,1% dos idosos auferiaum rendimento mensal baixo, que se conjuga quer com a actividade profissional mais citada, a agricultura no sexo masculino, e o trabalho doméstico no sexo feminino, quer com o baixo nível de escolaridade atingido neste grupo etário. Aliás, nos idosos continua, ainda, a perpetuar-se o baixo nível de desenvolvimento sócio-económico e cultural que marcou o país durante muitas décadas. A importância de um estatuto sócio- económico elevado traduz-se em níveis de saúde mais altos, como consequência de um melhor acesso a cuidados de saúde, alimentação, condições habitacionais, integração e participação social (House, Kessler, Herzog, Mero, Kinney & Breslow, 1992).

No contexto geográfico do estudo, 61,6% referiu viver com a família, resultado que parece evidenciar a permanência dos traços de ruralidade e da tradição cultural portuguesa que atribui à família a responsabilidade de cuidar dos elementos mais idosos (Sousa et al., 2006). Por outro lado, assumem já expressão significativa os idosos que residiam sozinhos e em lares ou famílias de acolhimento, esboçando os contornos das mudanças sócio-demográficas, como resultado da maior mobilidade geográfica e do aumento da taxa de divórcios, com a família no final de vida a adquirir a sua estrutura e dimensão inicial: o casal sozinho (Relvas, 1996).

De acordo com a avaliação da dimensão da incapacidade física, foi apenas verificada em 5% dos idosos, com distribuição percentual muito semelhante em relação à visão (49,2%), mastigação (48,1%) e audição (46%). O envelhecimento é um processo irreversível das capacidades do organismo, expresso pela diminuição orgânica e funcional, nem sempre coincidente com o envelhecimento cronológico, mas que acontece inevitavelmente com o passar do tempo (Ermida, 1999). O início da idade do envelhecimento biológico é controverso, mas é aceite que este ocorra no final da segunda década de vida, estimando-se que, depois dos 30 anos, haja em média a perda anual de 1% da funcionalidade dos órgãos (Sousa et al., 2006), como consequência das

modificações do genoma, que conjugadas com factores de natureza ambiental vão causando uma acção nociva, progressiva e irreversível ao nível do organismo, determinando o ritmo e processo de envelhecimento (Moniz, 2003).

A qualidade de vida percepcionada pelo idoso quanto à saúde, solidão e habitação, foi considerada negativa por 46,3% dos idosos e sensivelmente com igual valor (45,7%), de forma positiva. Mais especificamente, a saúde é percepcionada como razoável, com referência aos problemas osteoarticulares e respiratórios. A baixa probabilidade de ocorrência de limitações decorrentes dos problemas mencionados e consequentemente o envolvimento activo na vida, de modo específico nas tarefas agrícolas, concorrem para a forma como a pessoa idosa percepciona a sua saúde. Com base na teoria de desenvolvimento psicossocial de Erickson, as pessoas idosas valorizam mais as fontes de gratificação social e psicológica do que propriamente o comprometimento da saúde física e, por isso, em comparação com os mais jovens, as pessoas idosas apresentam percepções de saúde mais positivas (Rodrigues, 2007). De facto, a percepção da qualidade de vida dos idosos, apesar de recursos económicos exíguos, está marcada pela aceitação e resignação perante os determinismos da vida e, por conseguinte, expectativas de vida muito baixas podem colocar em causa a realização plena da vida humana e a adaptação social (Liang,1986; Idler, 1993), considerando-se a fragilidade no campo da saúde como componente do envelhecimento normativo (Williamson, 1964, cit. por Boraswski, Kinney & Kahana, 1996).

Relativamente à solidão, foi expressa a sua vivência frequente por 15,2% dos idosos, e 5,3% dos idosos afirmaram que se sentiam sempre sozinhos. De acordo com a Teoria do Desprendimento ou Exoneração, o idoso vai gradualmente, através da diminuição dos papéis e da sua participação, separando-se da vida em sociedade, cuja expressão é considerável entre as mulheres viúvas e que vivem sozinhas, sendo comum considerar- se a viuvez como sinónimo de solidão (Paúl et al., 2005; Frank & Rodrigues, 2006).

Aliás, a solidão das mulheres pode ser explicada pela menor longevidade dos homens, como também o espaço rural, as múltiplas perdas e rendimentos muito baixos podem levar à solidão e a um isolamento auto-imposto (Sousa et al., 2006; Eliopoulos, 2005). O interior rural de Portugal é ―uma zona envelhecida e fracamente povoada, de onde os novos saíram […]. Muitas das nossas aldeias são ‗terras de velhos‘, onde se fecham as

escolas primárias e se abrem lares de idosos‖ (Fonseca, Paúl, Martín e Amado, 2005, p. 99-100).

Na dimensão ―incapacidade‖, que engloba todas as dimensões (funcional, mobilidade, cuidados pessoais e controlo esfincteriano), constata-se que 13,5% dos idosos não apresentavam incapacidade, 82,7% incapacidade moderada e 3,8% incapacidade grave. A àrea funcional (ser capaz de fazer o trabalho doméstico, preparar refeições….) era a mais comprometida (24,1%), valor que está suportado na distribuição dos papéis sociais relacionados com o género assumidos durante a vida, como é o caso de indivíduos do sexo masculino em relação às tarefas domésticas.

A avaliação do estado depressivo evidenciou resultados preocupantes com 22,3% idosos a apresentarem depressão ligeira e 38,7% depressão grave, com o sexo feminino mais deprimido, resultado consubstanciado em algumas das características sociodemográficas deste grupo e de factores de ordem social e económica (Dias,1999;Lebowitz,1999). A OMS apresenta também indicadores que alertam para o facto de ―a depressão constituir a doença mais frequente entre as mulheres com proporções bastantes significativas em idades avançadas‖ (INE, 1999, p. 21), sendo que, 55,5% dos indivíduos com 65 e mais anos, vivem sozinhos e são mulheres. A gravidade deste problema de saúde, aumenta ao longo da vida, pelo que é recomendado uma atenção particular para com as pessoas socialmente mais isoladas e solitárias e que são continuadamente privadas de afecto (Souto, 1989).

Relativamente à avaliação cognitiva, 35,2% dos idosos evidenciaram normalidade ou diminuição cognitiva ligeira e 64,8% diminuição cognitiva moderada a grave, particularmente no sexo feminino. As funções mais comprometidas estavam relacionadas com a dificuldade em recordar o ano, meses, números e repetir frases o que está em conformidade com os estudos citados por Sousa e colaboradores (2006). Durante a recolha de dados, foi evidente o afastamento do mundo que os rodeia e, por conseguinte, a falta de estimulação cognitiva, que poderá ser minimizada pela participação e inclusão dos idosos em actividades que tenham um efeito positivo na satisfação, bem-estar e qualidade de vida, promovendo um envelhecimento bem- sucedido (Osório & Pinto, 2007; Canineu, Stella & Samara, 2006).

5 – CONCLUSÕES

Relativamente à incapacidade física, conclui-se que a maioria dos idosos apresentava incapacidade moderada (73,3%), sendo de apenas 2,4% os idosos com incapacidade grave. A qualidade de vida reparte-se com valores muito semelhantes entre uma percepção negativa (46,3%) e positiva (45,7%), com as mulheres a evidenciarem uma percepção mais negativa. No que se refere à saúde, foi maioritariamente considerada como razoável ou fraca. Apesar de não ser frequente o sentimento de solidão, é de assinalar que 5,3% dos idosos referiram sentir-se sempre sozinhos. No que respeita à avaliação da incapacidade global, é de realçar o número significativo de idosos com incapacidade moderada (82,7%), com igual distribuição entre os sexos, sendo que a incapacidade grave foi mais assinalável no sexo feminino. Mais de metade dos idosos apresentava sintomas de depressão ligeira e grave, mais frequentes no sexo feminino e um número considerável (64,8%) evidenciou uma diminuição da capacidade cognitiva de moderada a grave.

Dos resultados desta pesquisa concluiu-se que os idosos têm uma percepção positiva sobre a qualidade de vida, no entanto, evidencia-se a necessidade de um olhar particular para: 1) as situações relativas à incapacidade física moderada; 2) a vulnerabilidade do sexo feminino, na medida em que tem uma menor percepção da qualidade de vida, maior dificuldade nos aspectos referentes à mobilidade, incapacidade global grave e um estado depressivo mais acentuado; 3) as situações de incapacidade para as tarefas inerentes à área funcional; 4) o valor considerável de idosos com diminuição cognitiva com consequências previsíveis na promoção de uma vida mais activa e participativa. Faz sentido completar, preconizando uma visão positiva do acto de envelhecer e que, por conseguinte, não se compadece com a tendência generalizada de considerar este grupo homogéneo e muito menos redutível à visão centrada nos aspectos relacionados com doenças, incapacidades e declínio em geral. Com o aumento da esperança de vida, os objectivos da promoção da saúde visam fazer corresponder ganhos em longevidade a uma melhor qualidade de vida, assegurar níveis satisfatórios de funcionamento físico e mental e aumentar o envolvimento e compromisso activo com a vida.

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Maria JoãoMonteiro

Professora Coordenadora na Escola Superior de Enfermagem de Vila Real – UTAD Vice-presidente do Conselho Directivo

Membro do Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano Doutorada em Ciências Humanas e Sociais

Maria AdíliaRamos

Enfermeira Chefe do Centro de Saúde de Valpaços – Agrupamento de Centros de Saúde Trás-os- Montes II Alto Tâmega e Barroso

Vigilância Epidemiológica em Doenças