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Índice de Tabelas

3. Dispositivos de recolha e análise dos dados

Apresentada que está a estratégia geral de investigação importa agora explicitar as opções metodológicas no que respeita aos dispositivos de recolha e análise de dados. No presente estudo, estas opções estão intrinsecamente associadas às opções de carácter teórico, isto porque se considera que é em função da construção do objeto que o método, nomeadamente os dispositivos de recolha e de análise de dados, se impõe.

Desta forma, o essencial do trabalho empírico consistiu numa análise de um corpus documental exaustivo sobre as escolas de área aberta em Portugal, bem como de literatura cinzenta neste mesmo domínio (publicações dos serviços da administração central, de organizações internacionais, entre outros) e na realização de entrevistas semiestruturadas a interlocutores-chave.

3.1. A constituição e a análise do corpus documental

Como sublinham BARROSO et al (2007) entender as políticas educativas da forma como é feita neste estudo implica entendê-las como “espaços comunicacionais e sociais nos quais se exprimem e interagem diferentes concepções e modos de relação com o mundo educacional” (p. 8). Desta forma, importa observá-las a partir dos múltiplos pontos que caracterizam “a sua produção e ancoragem”, como os “documentos oficiais e oficiosos, como a legislação, nos textos de comissões, nos estudos e nos relatórios prévios ou posteriores ao estabelecimento formal de uma política, nos lugares de mediatização, nomeadamente na imprensa periódica não especializada, etc” (idem).

E de facto, como insiste MULLER (2008)

toda a política pública gera de maneira direta ou indireta uma multiplicidade de documentos escritos que importa conhecer: notas e documentos internos da administração; discursos e tomadas de posição dos ministros ou dos responsáveis políticos; circulares; projetos de lei; decretos; resultados de debates parlamentares; relatórios de comissões… (p. 95).

Partindo deste pressuposto, a recolha e a análise documental, assumiram um carácter fulcral nesta investigação, tendo sido utilizadas com o objetivo de identificar artefactos físicos ou documentos que permitissem obter dados relevantes para atingir os objetivos da investigação, ou seja: identificar e caracterizar a complexidade do processo de introdução e difusão das escolas de área aberta ao longo do período em estudo (nomeadamente na identificação das «cenas» em que esta se desenvolveu e da multiplicidade de atores); identificar os modos de regulação das construções escolares em Portugal;

57 identificar e descrever a articulação entre o conhecimento e a regulação das políticas de construções escolares.

Em 1967, Glaser e Strauss reconheciam o interesse da análise documental para a inquirição no domínio das ciências sociais, da investigação qualitativa e nomeadamente no desenvolvimento da Grounded Theory (CHARMAZ, 2014). Estes autores permitiram, com os seus estudos e obra em torno do desenvolvimento da Grounded Theory, uma viragem na forma de encarar a análise documental, realizada até meados do século XX por intermédio de uma análise de conteúdo quantitativa. Mais recentemente PRIOR (2008) vai mais além e sublinha que os documentos podem constituir mais do que informantes e podem ser considerados “como atores à sua própria maneira”31 (p. 822) ou mesmo como tendo

“qualidades políticas” (WINNER, 1980, p. 121). Assim, em contraponto com a visão do documento, unicamente, como fonte de evidência e recetáculo de conteúdo inerte, PRIOR (2008) propõe que os documentos sejam vistos como “agentes ativos no mundo” considerando “a documentação como componente-chave de redes dinâmicas, mais do que um conjunto de «coisas» estáticas e imutáveis” (idem, p. 821).

… os documentos não devem ser considerados, apenas, como contendo palavras, imagens, informações, instruções, mas como é que estes podem influenciar episódios de interação social e esquemas de organização social, e como é que podem entrar na análise de tais interações e organização.

É bastante claro que os documentos são posicionados para desempenhar um duplo papel; na medida em que surgem tanto como recetáculos de conteúdo, como como agentes ativos em redes de ação (idem, p. 822)

Neste sentido, este mesmo autor advoga que o olhar sobre os documentos, mais do que se focar sobre o conteúdo, se deve preocupar sobre o que ele faz, propondo que a análise de um documento possa incluir, entre outros aspetos, questões como: a) o que os seus autores pretendiam atingir; b) o processo de produção do documento; c) o quê e quem é afetado pelo documento; d) quantas audiências o vão interpretar; e) com, quando e em que extensão estas audiências usam este documento (PRIOR, 2008). Como refere TAYLOR (1997),

os documentos políticos … produzem efeitos sociais reais através da produção e manutenção do consentimento. No entanto, algo central nas teorias do discurso é a ideia de

31 Refere este autor que esta proposta de considerar os documentos e objetos como atores, a ideia de conceptualizar «coisas» (agentes não humanos) como atores foi proposto inicialmente pelos aderentes da conhecida actor-network theory, como CALLON (1986) e LAW & HASSARD (1999). Como sublinha “um elemento-chave do argumento da actor-network theory é que a distinção tradicional - na verdade, a assimetria - entre objetos materiais e humanos seja não só problematizada, como considerada de outra forma. Da mesma forma, argumenta-se que a tradicional distinção entre sujeito e objeto deve ser dispensada. Assim, ao estudar os regimes de interação social, os objetos materiais não devem ser considerados como meros recursos (passivos) que se tornam importantes somente quando ativados por atores humanos, mas que são vistos a desempenhar um papel nas configurações sociais” (PRIOR, 2008, p. 828).

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que não existe uma única leitura dos textos políticos. Em vez disso, para «qualquer texto uma pluralidade de leitores produz uma pluralidade de leituras» (Codd, 1988, p. 239) Consequentemente, Codd sugere que: «Em vez de se procurar as intenções do autor, talvez a tarefa própria da análise das políticas é examinar os diferentes efeitos que os documentos têm na produção de significado por parte dos leitores» (p. 239). Através de reinterpretação e recriação, as políticas podem ser vistas como: «continuamente constituídos e reconstituídos através de discussão, atividades e relações sociais» (Rizvi & Kemmis, 1989, 15 p.) (p.26-27)

Outro aspeto que importa sublinhar no que respeita à forma como os documentos e à forma como estes devem ser considerados e analisados, está relacionado com a ideia de que um documento é criado com objetivos específicos e num contexto social, económico, histórico, cultural e situacional também ele específico (CHARMAZ, 2014). De facto, “a produção do documento não se fecha em si mesma; ela está contextualizada e adquire conotação histórica” (RODRIGUEZ, 2010, p.43) social, política.

O texto não surge do nada, tem uma história interpretacional e representacional. Nem entra num vacuum social ou institucional. O texto, os seus leitores e o contexto de resposta, todos têm histórias. (BALL, 1993, p.11)

O documento permite ainda acrescentar a dimensão do tempo à compreensão do social. Por meio dos documentos, é possível “operar-se um corte longitudinal que favorece a observação do processo de maturação ou de evolução de indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas, etc, bem como o de sua génese até aos nossos dias” (CELLARD, 2012, p. 295). De forma particular, esta dimensão proporcionada pelo documento e análise documental, foi fundamental na construção da genealogia32 da ação pública, para colocar em evidência a temporalidade do processo

político de introdução e difusão das escolas de área aberta em Portugal, para resgatar as continuidades e as ruturas deste processo e perspetivar a ação dos atores, posicionados em tempos e espaços diversos (CRUZ, 2012).

Posto isto, a recolha documental realizada a partir de vários arquivos permitiu constituir um corpus documental de cerca de 210 documentos (num total de cerca de 2900 páginas) de diferentes naturezas (documentos oficiais; documentos públicos; documentos privados33) e origens. Esta recolha, que procurou

32 Esta abordagem é proposta e teorizada por Foucault e contribui para o estudo da historicidade dos conceitos, dos processos, da transformação das doutrinas e das formas de ação coletiva. Como refere Ó (2003) “Para o genealogista não há essências fixas, leis incontornáveis ou finalidades metafísicas; o seu objectivo não é ir às origens, mas antes tentar interceptar a proveniência e a linhagem de um problema ou de uma coisa; na assunção de que os factos não falam por si mesmos, tende a colocar a ênfase num tipo de sistematização e conceptualização que assume a continuidade interactiva entre a elaboração das teorias e das hipóteses; em termos de trabalho empírico dá uma importância central às relações de poder, aos processos de mudança” (p. 12-13).

33 Como refere AFONSO (2005), os documentos oficiais constituem um registo de atividade quotidiana da administração pública, onde se incluem documentos como arquivos de expediente, pareceres, despachos, comunicações internas, ordens de serviço, etc. Incluem-se, ainda, aqui as publicações oficiais do Estado (Diário da República; Registos estatísticos; Boletins, Brochuras, Folhetos e publicações do Ministério da Educação ou das Obras Públicas, etc).

59 esgotar todas as pistas capazes de fornecer informações pertinentes e interessantes para dar resposta aos objetivos do estudo, envolveu a recolha da totalidade da documentação existente em vários arquivos34. Aliás, como sublinha CELLARD (2012), o facto de os vestígios documentais não serem

criados, na maior parte das vezes, com a intenção de “possibilitar uma reconstrução posterior” isso significa que se podem “encontrar, portanto, em vários locais” (p. 298).

O quadro que se segue dá conta dos arquivos consultados e tipos de documentos recolhidos. No entanto, atendendo ao volume de documentos analisados remete-se para o anexo deste volume (ver anexo 1) o inventário completo dos documentos recolhidos (nos arquivos identificados) e analisados e para o DVD a totalidade dos documentos analisados digitalizados (ver DVD – anexo 2).

Quadro 3: Arquivos e fontes documentais

Arquivo Tipo de Fontes documentais

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