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O papel da OCDE na formação de especialistas no domínio das construções escolares

Índice de Tabelas

2. A emergência da OCDE como agência de regulação transnacional no domínio das construções escolares

2.1. O papel da OCDE na formação de especialistas no domínio das construções escolares

A formação de recursos humanos constituiu uma das ações primordiais da OCDE durante o período em análise e, como sublinha PAPADOPOULOS (1994), uma forma mais subtil e eficaz de fazer passar a mensagem. Desde cedo que a OCDE reconheceu que a formação do pessoal técnico e da administração educativa envolvida no PRM e, mais tarde, no projeto DEEB, era fundamental, considerando mesmo que o PRM constituía o meio de formação ideal (OCDE, 1965).

UNESCO, no período de crise revolucionária, em 1974-1975; e, por último, com o Banco Mundial e novamente com a OCDE no período de normalização que antecede a integração na CEE” (p. 129). A este propósito ver também TEODORO (2003).

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um dos principais obstáculos à planificação do ensino em função das necessidades económicas é a extrema penúria de especialistas capazes de avaliar as necessidades de recursos humanos e de determinar as prioridades em termos de investimentos no domínio do ensino. O único meio eficaz de criar este tipo de pessoal especializado é iniciando este tipo de trabalho de aprendizagem, no seio de uma equipa e no quadro de uma política nacional de desenvolvimento económico (OCDE, 1965, p.13)

Fornecendo um quadro ideal de aprendizagem para diferentes profissionais (OCDE, 1965): economistas, sociólogos, estatísticos, pedagogos, arquitetos, engenheiros, etc, a OCDE contribuía de duas formas:

- Constituindo ela própria um instrumento que permite reunir os conhecimentos necessários à elaboração de uma política racional em todos os domínios importantes da actividade económica;

- Constituindo, ao mesmo tempo, um ponto de encontro permanente, onde graças ao fornecimento mútuo de ideias e experiências, se torna possível elaborar as respectivas políticas. (GTSCE-DC-INT-66-7)99

A formação desenvolvida pela OCDE neste período assumiu diferentes formatos e foi realizada em diferentes contextos. Revestiu-se, essencialmente, das seguintes modalidades:

1. “Fornecimento de técnicos de alto nível, consultores” (GTSCE-DC-INT-66-7). A par do consultor principal do programa DEEB, Guy Oddie100, entre fevereiro de 1964 (início dos trabalhos do GTSCE) e

junho de 1966 o grupo português recebeu visitas de outros consultores da OCDE, como Eric Pearson, James Nisbett, bem como de altos-funcionários desta organização (Lizz Gibson, secretária da Direção dos Assuntos Científicos da OCDE e Alexander King, director dessa mesma Direção). Estas missões eram realizadas com o intuito de acompanhar os trabalhos das equipas nacionais, garantindo a aplicação da metodologia definida para o programa, mas também como forma de disseminação de ideias, baseadas em casos e experiências de outros países.

Discussões acerca das fases do projecto, a constituição e definição da equipa nacional e especialmente detalhes da primeira fase (questões pedagógicas, áreas, estudos de custos e escolha do tipo de edifício para estudo, assim como um contacto preliminar com a folha de recolha de dados de Mr. Oddie) (GTSCE-RELT-64-1)101

foram apresentados um certo número de relatórios que tinham como objetivo retirar da experiência britânica diversos princípios metodológicos (ODDIE, 1966, p. 7)

99 Doc. GT/66/22 de Maio de 1966 sobre Assistência Técnica da OCDE. Ver inventário corpus documental anexo 1

100 Durante o desenvolvimento do programa DEEB o consultor Guy Oddie esteve em missões em Portugal em fevereiro de 1964 (3 a 5 de fevereiro); abril de 1964 (6 a 11 de abril); julho de 1964; janeiro de 1965 (6 a 11 de janeiro); abril de 1965 (26 de abril); outubro de 1965 (12 e 13 e outubro); e Março de 1966 (2 e 3 de março). Relatórios de trabalho mensal do GTSCE. Ver inventário corpus documental anexo 1

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Importa aqui salientar que estes consultores, cuja lealdade à organização internacional é maior que ao seu próprio país (KILDAL, 2003), funcionam como transportadores de ideias, que se movem de lugar para lugar, criando conexões e mobilizando conhecimento (WENGER, 2000). Como insiste WENGER (1998; 2000), fruto das suas competências, estes consultores (‘brokers’) desempenham um papel na transmissão de ideias e estão empenhados no “import-export” o que envolve “processos de tradução, coordenação e alinhamento de perspetivas diferentes” (WENGER, 1998, p. 109) e requer “legitimidade suficiente para ser escutado e distância suficiente para trazer algo verdadeiramente novo” (WENGER, 2000, p. 236). Fazendo alusão à situação francesa neste mesmo período, DEROUET-BESSON (1998) sublinha que “a história da propagação do espaço aberto e suas consequências é exemplar do futuro de muitas inovações, justapondo e combinando a difusão relacionada com as suas qualidades intrínsecas e a expansão devido à partilha de certos atores” (p.64), através das “tentativas de tradução, de modelização e depois de difusão das inovações” (p. 83).

2. “Concessão de bolsas a estagiários portugueses em instituições ou cursos de formação no estrangeiro” (GTSCE-DC-INT-66-7). Quer o PRM, quer o programa DEEB previam o desenvolvimento de cursos de formação intensiva, através de um sistema de bolsas. Os cursos de formação que tinham a duração média de 4 semanas, compreendiam conferências, trabalhos práticos e discussões de grupo que permitiam “abordar sob um ângulo essencialmente prático os problemas da planificação do ensino em função do crescimento económico” (OCDE, 1965, p. 13).

No âmbito da primeira fase do PRM foram realizados três cursos de formação, o primeiro em Frascati (Itália), em 1962, o segundo em Atenas (Grécia), em 1963 e o terceiro em Bergneustadt (Alemanha), em 1964. Prostes da Fonseca a convite do Ministro da Educação Nacional esteve presente neste 3º curso.

a OCDE organizou uma acção de formação na Alemanha, em internato, eu estive lá um mês, o que foi uma experiência muito boa, porque havia ali pessoas de todo o mundo. Embora o projecto fosse desses países da Europa, mas a OCDE entendeu que deviam estar outros países do mundo. Todos os países do mundo, praticamente, tinham 2 representantes e o Galvão Telles disse “eu preciso de 2 representantes nesse curso: um mais do lado da educação e o outro mais do lado da economia e tal”, porque o elenco profissional, de professores desse curso era extraordinário. Estavam lá as principais individualidades da altura, especialistas em estatística, em planeamento, em tudo... Nós tivemos nesse curso, o que havia de melhor nesse momento no mundo. E portanto ele propôs-me isso, disse-me que gostava que fosse eu ligado à educação e outra pessoa ligada à economia e falei com o Alves Martins e ele (Galvão Telles) disse-me “Há uma rapariguinha nova, que acabou de fazer o seu curso. É um bocado metida consigo, mas é muito válida. O Alves Martins gosta muito dela e tal. Não tem experiência nenhuma, porque ela acabou agora”. E essa rapariguinha nova era a Manuela Ferreira Leite (risos) (entrevista Prostes da Fonseca, p. 4, l 14-25)

97 É também neste âmbito da concessão de bolsas e oportunidades de estágio que vários técnicos da equipa portuguesa têm oportunidade de realizar estágios noutros países. Este é o caso da arquiteta Maria do Carmo Matos que entre setembro e dezembro de 1966 realiza um estágio no Development Group of the Architects and Building Branch of Departament of Education and Science, com o intuito de estudar os problemas das construções escolares relacionados com o que estava a ser feito naquele momento em Portugal: o mobiliário flexível e adaptado ao tamanho das crianças; métodos de pré-fabricação e industrialização da construção escolar.

... a importância da minha visita a Inglaterra, nesta etapa específica do meu desenvolvimento como arquiteta, deve ser medida em função das alterações internas que provocou: os contactos que tive com pessoas com competências similares, que trabalham com problemas relacionados com os que lido, com um ponto de vista substancialmente diferente do que é normal no meu país, trouxe-me uma ideia mais clara sobre o papel e função de um arquiteto na sociedade de hoje.

… a experiência foi de uma grande ajuda para mim: apesar de terem começado com uma série de dificuldades, - sofrendo com o ceticismo e incompreensão das pessoas – eles continuaram com o seu trabalho e aperceberam-se que os obstáculos iniciais foram ultrapassados com um consenso memorável: eles tentaram através de discussões, debates, publicações, visitas, etc, para fazer com que as pessoas participassem na sua evolução (GTSCE-RELT-67-1)102

Este relato da Arquiteta Maria do Carmo Matos constante nas conclusões do seu relatório de estágio em Inglaterra confirma, de alguma forma, o contributo da OCDE para a disseminação de ideias, de experiências, através, não só do investimento no programa de bolsas, mas acima de tudo através da facilitação de encontros, do estabelecimento de contactos, do fomento à criação de redes103. Como nos

diz KILDAL (2003) “o segundo papel da OCDE é servir como lugar de encontro de várias ideias. No sentido de ser um eficiente jogador no ‘idea-game’, a OCDE proporciona aos funcionários da administração formas de encontro no sentido de desenvolverem as suas competências pessoais e técnicas através de processos de aprendizagem como a socialização, imitação e coerção” (p. 10).

3. Participação em reuniões no âmbito dos programas operacionais, organizadas sob a forma de seminários e numa lógica de “aprender das boas-práticas” (LEHTONEN, 2005, p.14). É exemplo de uma destas reuniões, a realizada em Londres em setembro de 1964 (14 a 29 de setembro).

102 Relatório de Estágio da Arquitecta Maria do Carmo Matos, realizado entre setembro e dezembro de 1966 no Development Group of the Architects and Building Branch do Departament of Education and Science. Ver inventário corpus documental anexo 1.

103 “O consultor da OCDE, Arquitecto Guy Oddie, que nos visitou com frequência e cuja competência e capacidade de trabalho ajudaram a estabelecer o suporte dos estudos dos vários grupos nacionais, proporcionou úteis contactos com Mr James Nisbet e Mr Eric Pearson, pôs em execução a reunião de setembro de 1964 em Londres onde, além da possibilidade de ouvir Mr. N. Archer e Mr Gibbon, Mr. McDowall ... se estabeleceu ligação directa com representantes de outros países” (GTSCE-RELT-66-8). Relatório referente ao 2º contrato com OCDE no âmbito programa DEEB. Ver inventário corpus documental anexo 1

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Esta reunião que se revestiu, segundo os participantes104, de grande utilidade debateu temas como: a)

Estrutura administrativa; b) Arquitetura escolar e ação pedagógica; c) o “controle” nas construções escolares nos aspetos técnicos e económicos; d) Análise e planificação de custos; e) Incidência dos recursos materiais; f) A qualidade nas construções escolares; g) Custo de utilização dos edifícios escolares. Apesar do interesse manifestado pelos participantes nesta reunião, estes não deixam de sublinhar, no relatório desta visita:

... salientámos que as soluções encaradas em Inglaterra são, evidentemente, soluções inglesas para soluções inglesas. Invocamos de novo, esta circunstância mas, agora, para denunciar os perigos da aceitação e respectiva introdução de soluções alheias, incompatíveis, por vezes, com as nossas estruturas, os nossos recursos económicos. Construções, métodos e apetrechamentos didácticos hão-se harmonizar-se com os nossos planos de acção educativa e as nossas realidades económico-sociais (GTSCE-RELT-64- 11)105

O interesse desta afirmação reside no facto de que apesar da influência que a formação e estratégias de disseminação de ideias fomentadas pela OCDE tem nas políticas de construções escolares em Portugal, neste período, estas “ideias políticas” são recriadas no contexto nacional. Como sublinha BALL (1998),

são recebidas e interpretadas de forma diferente dentro de diferentes arquiteturas políticas (Cerny, 1990), infraestruturas nacionais (Hall, 1986) e ideologias nacionais – ideologia nacional que é um conjunto de valores e crenças que enquadra o pensamento prático e a ação dos agentes das principais instituições de um Estado-nação num determinado período (van Zanten, 1997). (p. 126-127)

realçando o peso da cultura, da tradição e das políticas locais nos processos de interpretação envolvidos na tradução de soluções genéricas em políticas concretas e em práticas institucionais (BALL, 2007).

4. Participação e realização de conferências e seminários. A ação da OCDE neste âmbito fez-se sentir, finalmente, na realização de conferências nos vários países participantes no programa DEEB. É neste contexto que é realizado em Portugal um “Seminário sobre a luz do dia”, orientado por peritos na área e no qual participam “além de elementos dos grupos de trabalho sobre construção escolar nacional e estrangeiros, individualidades portuguesas que, pela sua formação técnica e actividade profissional relacionadas com os problemas de iluminação, pareceu de utilidade considerar para colaborarem nesta iniciativa” (GTSCE-RELT-66-6)106. Também aqui a ação da OCDE se faz sentir, não apenas na

mobilização de experiências oriundas de países mais desenvolvidos, mas também através de recomendações no sentido de manter as redes de especialistas e de contactos ativas:

104Participaram nesta reunião em Londres, em setembro de 1964, Victor Quadros Martins, Maria do Carmo Matos, António Henriques e José João Marques da Silva.

105 Relatório da reunião em Londres. Ver inventário corpus documental anexo 1 106 Relatório mensal de Junho de 1966. Ver inventário corpus documental anexo 1.

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Conveniência de se adoptarem nos países DEEB os níveis de iluminação determinados como convenientes para as crianças inglesas e de aplicar as verbas assim poupadas em investigações específicas nesse domínio à pesquisa dos meios de nesses países se assegurarem aqueles níveis.

Manter constante troca de informações entre os países DEEB possivelmente através de Bouwcentrum107, a respeito de todas as questões referentes à luz do dia e aos ganhos e perdas de calor solar.(GTSCE-RELT-66-6)

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