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Índice de Tabelas

1. Do Projeto Regional do Mediterrâneo ao Grupo de Trabalho sobre as Construções Escolares

1.3. O Projeto-piloto da Escola primária de Mem-Martins

“Os edifícios lembram a história da sua criação. Os traços dos vários corações e mãos são preservados de uma forma subtil e são inteligíveis para terceiros” (Hübner, 2005 citado por BURKE, 2007, p. 369)

Nos termos dos contratos celebrados com a OCDE, competia ainda ao GTSCE a planificação e elaboração de projetos-piloto para uma escola do ensino primário elementar83 e outra para o ensino

secundário, que decorressem das normas gerais definidas e que permitissem uma concretização dessas mesmas normas. Sendo um objetivo comum a todas as equipas nacionais do programa DEEB, Portugal foi o único país a concretizar, através da construção de uma escola-piloto para o ensino primário84, a

aplicação do projeto apresentado.

Todas as equipas (exceto a Turquia, cujas circunstâncias eram diferentes) foram convidadas a preparar projetos e desenhos detalhados para uma escola piloto, que validasse as propostas da equipa nacional e que permitisse dotá-las de experiência a partir da qual pudessem ser feitos avanços neste domínio. Importa sublinhar que Portugal construiu efetivamente a sua escola-piloto (OCDE, 1968, p. 18-19)

O projeto-piloto de escola primária, edificada em Mem Martins integrava, assim, o conjunto de estudos realizados pelo grupo de trabalho e constituía “um projecto experimental, resultante de uma análise crítica das necessidades e funções de um edifício...em que determinadas inovações e soluções são concretizadas para que, uma vez o edifício construído e em funcionamento, se possa concluir do comportamento das soluções adoptadas” (GTSCE-RELT-66-7)85.

83 No período em que nos estamos a referir o ensino primário abrangia dois ciclos: ciclo elementar (4 classes) e o ciclo complementar (2 classes).

84 Apesar de ter sido elaborado e proposto um projeto-piloto para uma escola do ensino secundário (preparatório), que seria localizada em Mafra, este nunca foi concretizado. O projeto que previa uma escola para 700 a 800 alunos, ficou “perdido” na discussão em torno da separação de sexos e da adaptação do edifício a esta condição (GTSCE-RELT-66-3; GTSCE-RELT-66-4; GTSCE-RELT-65-12. Ver inventário corpus documental anexo 1). Esta discussão foi de tal forma relevante que numa informação enviada ao MEN, em junho de 1966, referente ao projeto-piloto de Mafra, sublinhava-se “a coeducação, enquanto conceito orientador pedagógico, não se define tanto por oposição a mera separação de sexos e, implica a seguinte temática, aparentemente contraditória, quando vista de uma perspectiva de naturalismo positivista: coeducação pode incluir tanto o convívio lado a lado, como um certo distanciamento que não é isolacionismo, muro de preconceitos deformadores...” (in BEJA & SERRA, 2010, p. 391)

87 Concebida sob a orientação do consultor do programa DEEB Guy Oddie, a escola de Mem-Martins, segue um dos projetos-piloto apresentados86 no desenvolvimento dos trabalhos da equipa do GTSCE, da

autoria da arquiteta Maria do Carmo Matos que mais tarde será também a arquiteta responsável pelo projeto das escolas de área aberta. Este projeto procurava dar resposta ao novo programa para o ensino primário, definido pelo Decreto-Lei nº 42994 de 28 de maio de 196087, e definia como princípios

orientadores:

- A sala de aula é um espaço para múltiplos fins, em que o seu apetrechamento deve permitir diferentes tipos de organização de ensino e tarefas (trabalhos de grupo). Esse espaço terá que permitir a execução de trabalhos manuais, assim, há que projectar um espaço interligado para esse fim.(...).

- Um espaço para actividades de conjunto em que múltiplas tarefas se podem exercer, tais como educação física, dramatizações, assim como actividades sociais e de comunidade – um espaço polivalente.

- um arranjo exterior do terreno onde actividades práticas se possam realizar, jardinagens, horticultura, exercício físico, aulas de observação, etc. (GTSCE-RELT-66-7)

Concebida para albergar um total de 160 alunos, divididos por 4 salas de aula (40 alunos por turma)88, a

escola-piloto de Mem Martins apresentava como características inovadoras:

- uma “concepção radial de espaços escolares” (BEJA & SERRA, 2010, p.42), que permitia uma interligação de todo o interior;

- a existência de uma sala polivalente, que se tornaria, segundo os autores do projeto, o “verdadeiro centro social da escola” (GTSCE-RELT-66-7). Este espaço consistia numa zona de atividades múltiplas que permitia ter valências de refeitório, recanto de leitura e “sala de encontro”, onde se poderiam realizar festas escolares e reuniões para toda a escola ou comunidade local.

- uma conceção de sala de aula como um espaço onde o “professor actua por entre os seus alunos reunidos em grupos, dispostos sem formalismos” (GTSCE-RELT-66-7) com um mobiliário móvel que obedecia a condições de leveza e mobilidade e adaptado à estatura dos alunos89.

86 A este propósito no relatório mensal dos trabalhos desenvolvidos pelo GTSCE de Dezembro de 1964, é feita referência à apresentação de dois projetos e à seleção de um destes projetos “As duas soluções escolhidas foram gradualmente trabalhadas. A primeira solução foi especialmente estudada na medida em que percebemos que era a mais bem sucedida na resposta às questões pedagógicas.” (GTSCE-RELT-64-10)

87 De acordo com BEJA & SERRA (2010) “a remodelação de programas de 1960 foi mínima. Feita a medo. Ainda assim contemplava a participação mais activa dos alunos na compreensão e retenção dos conhecimentos. Além disso, dava orientações para que as actividades escolares valorizassem os aspectos práticos e a componente lúdica”. (p.79)

88 Baixava-se o número de alunos por turma de 48 para 40 alunos por turma

89 Para o efeito, o GTSCE procedeu a um inquérito de mensuração de crianças de escolas no concelho de Sintra com o fim de estabelecer as medidas apropriadas para o mobiliário a utilizar na Escola-piloto. O projeto de mobiliário escolar, mesas e cadeiras, procurou atender a fatores como: “ser durável e de fácil conservação; satisfazer, com conforto, a postura correcta dos alunos; ser leve por forma a permitir o fácil manejo pelos seus utentes; ser funcionalmente polivalente, isto é, adaptar-se facilmente às diferentes tarefas a executar pelos alunos” (Relatório do 1º Contrato do GTSCE - GTSCE-RELT-66-7).

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Figura 1. Planta Geral da Escola Piloto de Mem Martins. Fonte: (GTSCE-RELT-65-1)

A construção da escola-piloto de Mem Martins é finalizada em Outubro de 1966, entrando em funcionamento no ano letivo 1967-1968 por despacho ministerial de 3 de Agosto de 1967 e enquadrada num novo diploma legal que prevê e regulamenta a realização de experiências pedagógicas (Decreto-Lei nº 47 587 de 10 de março de 1967).

Ultimada a construção e o respectivo apetrechamento, cumpre estabelecer as regras necessárias ao funcionamento da referida escola-piloto, dentro da orientação geral expressa no Decreto-Lei nº 47 587 de 10 de Março de 1967, sobre experiências pedagógicas. Nestes termos determino:

1. (...)

2. Esse estabelecimento funcionará, durante o prazo de 8 anos, como escola-piloto, em conformidade com o disposto no artigo 4º, nº 1, do Decreto-Lei nº 47587 de 10 de Março de 196790;

3. A escola piloto de Mem Martins deve realizar os objectivos próprios da escolaridade primária e, além disso, funcionar como centro de educação social, com activa participação dos pais dos alunos (...);

90 Artigo 4º, nº 1 do Decreto-Lei nº 47 587 de 10 de março de 1967: “As escolas-piloto são criadas nos termos aplicáveis aos estabelecimentos do mesmo grau pertencentes à rede escolar, devendo-se no acto da criação fixar-se o prazo do seu funcionamento”

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4. (...)

5. Os professores serão nomeados independentemente de concurso, nos termos do artigo 4º, nº 3, do citado Decreto-Lei nº 47 58791; (...) (DGEECS-DESP-67-1)92

No que ao processo de introdução e difusão das escolas de área aberta em Portugal interessa, a escola- piloto de Mem Martins funciona como um “ensaio”. Um “ensaio” onde se procura, pela primeira vez traduzir nas construções escolares ao nível do ensino primário, princípios pedagógicos como os que Augusto Pereira BRANDÃO sublinha num texto publicado em 1965 na Binário:

Procura-se incentivar a pesquisa, procuram-se desenvolver métodos de carácter mais indutivo do que dedutivo, procura-se dar a conhecer o universo passando do concreto para o abstracto, ao mesmo tempo que se põem em causa, afirmando-se cada vez mais, as bases do ensino activo.

Não mais se pretende que a criança fique parada, receptáculo dos ditames do Mestre, senão que ela descobrirá o seu mundo encaminhada pela experiência, não sentida muitas vezes, do professor. O ser individual fortalece-se, nos trabalhos de equipe. Deixa pois de ser uma introspecção pessoal para se sentir elemento positivo em programas de pesquisa em grupo. (BRANDÃO, 1965, p. 484)

Um “ensaio” onde se procura traduzir através da construção de um edifício, os princípios enunciados nas normas gerais e limites de custo estudados e definidos pelo GTSCE.

um dos aspectos importantes deste projecto está na sua relação com o estabelecimento de normas gerais(...) Também na tarefa de estabelecer limites de custo para as edificações escolares, sobressai a importância dos «projectos-piloto». Com efeito, só pela concretização das normas em «projectos-piloto» é possível determinar, dum modo realista, os encargos económicos que a obediência a eles acarreta (GTSCE-RELT-66-7).

Um “ensaio” no que respeita à introdução de modelos arquitetónicos de área aberta em Portugal. Com efeito, após o terminus do 2º contrato com a OCDE no âmbito do DEEB, alguns dos elementos do GTSCE “insistiram em dar continuidade ao trabalho desenvolvido” (BEJA & SERRA, 2010, p. 65), projetando aqueles que viriam a ser, efetivamente, os primeiros edifícios para escolas primárias de área aberta em Portugal93.

91 Artigo 4º, nº 3 do Decreto-Lei nº 47 587 de 10 de março de 1967: “No caso de escolas-piloto do ensino primário ou secundário, as nomeações para cargos docentes que se fizerem, durante os primeiros dois terços do prazo referido no nº 1, poderão realizar- se independentemente de concurso, de entre os professores com um mínimo de 14 valores de diploma ou de Exame de Estado e de cinco anos de serviço bem qualificado”

92 Ver inventário corpus documental anexo 1

93 Estes primeiros projetos de escolas de área aberta foram projetados por Maria do Carmo Matos e Eng.º Quadros Martins no contexto do Gabinete de Projetos privado com o qual colaboravam. Tratou-se de 4 projetos especiais, enquadrados no número de salas previstas na rede em vigor, segundo a Lei nº 2107 de 5 de abril de 1961: Escola de Santo António dos Cavaleiros (23 salas de aulas – 920 alunos); Escola da Moita (12 salas de aulas); Escola da Baixa da Banheira (16 salas de aulas) e Escola de Abrantes (8 salas de aulas).

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Como realçam BEJA & SERRA (2010) e como é visível na figura 2,

O trabalho de concepção arquitectónica traduziu a continuidade do que fora estudado para a escola de Mem Martins.

Assim, os espaços escolares agrupados por núcleos distribuíam-se em torno de uma zona ou sala polivalente.

Os núcleos fundamentais compreendiam os espaços de aula (com zonas mais formais e zonas de trabalho) instalações sanitárias e entradas. Interiormente não se levantariam paredes, separando as áreas de circulação das áreas de ensino. (...)

Além dos núcleos fundamentais haveria um outro incluindo a cozinha e dependências anexas, sala de professores e gabinete do director da escola.

Previam-se, entre os vários núcleos, áreas pavimentadas e descobertas. Seriam um prolongamento do interior, permitindo actividades escolares ao ar livre.

Em todo o estudo, atendeu-se a uma base modular que permitiu normalizar elementos construtivos, simplificando a construção com benefícios para custos e prazos da obra. (p. 66)

Figura 2. Planta Geral da Escola Primária da Moita. Arquivo DGCE

É interessante salientar que são estes dois últimos aspetos, relativos aos custos e prazos de construção das escolas e à possibilidade de construção modular e de soluções que permitissem futuras ampliações, que vão presidir, mais tarde, ao trabalho da equipa do Projeto Normalizado de Escolas Primárias, como iremos ver na fase que se segue

ela tinha uma limitação no P3, que era não fazer uma escola mais cara que a do Plano dos Centenários. Era uma limitação. (Entrevista Graça Fernandes, p.6, l 35-36)

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A rapidez requerida, a exiguidade das verbas para o projecto, assim como o insuficiente número de técnicos de que, neste momento, o País dispõe, não permitem que se encare a hipótese de que, para cada edifício a construir seja estudado um projecto especial.

Estes factores conduzem a encarar o projecto-tipo como a melhor solução, por ser repetitivo, por permitir uma certa especialização da construção e por permitir a utilização de elementos “standard”, pré-fabricados, beneficiando do eventual abaixamento de custo provocado pela produção em série. (GEP, 1970, p. 13-14)

O projeto experimental da escola-piloto de Mem Martins e toda a experiência adquirida ao longo do desenvolvimento do projeto DEEB assumem, assim, uma grande relevância, na medida em que não só servem como ponto de partida para a apresentação destes 4 projetos de escolas primárias, mas também, mais tarde, como base de estudo e trabalho para a equipa responsável pela conceção do Projeto Normalizado de Escolas Primárias.

a observação e análise crítica do funcionamento da escola de Mem Martins revestem-se de maior interesse para o prosseguimento do Projecto Normalizado de Escolas Primárias. Com efeito, há que aproveitar todos os ensinamentos já ditados pela experiência inerente ao funcionamento daquela escola e que promover estudos que permitam esclarecer pontos de dúvida que, porventura, se levantem à equipa que está a elaborar um novo projecto normalizado.

Por estes motivos, solicita-se a V. Exª a necessária autorização a fim de que a equipa possa visitar com assiduidade a Escola-piloto de Mem Martins e aí possa realizar estudos sobre a utilização de espaços, equipamento, comportamento dos materiais de construção, condições de conforto, etc (DGEECS-OF-70-1)94

Nas palavras do Arquiteto Guy Oddie, a escola primária de Mem Martins constituiu “a evidência imediata mais marcante do sucesso da equipa… está entre os exemplos mais bem sucedidos de escolas primárias a ser encontrado na Europa, tornando-se ainda mais notável pelos baixos custos associados” (Carta de Guy Oddie de 22 junho de 1966, dirigida a Francisco Mello Ferreira d’Aguiar, Organizador do GTSCE)95.

94 Ver inventário corpus documental anexo 1.

95 Parte integrante do Conjunto de documentos sobre organização e funcionamento do Grupo de Trabalho GTSCE-RELT-66-9. Ver inventário corpus documental anexo 1

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2. A emergência da OCDE como agência de regulação transnacional no domínio das

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