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A DISSERTAÇÃO FILOSÓFICO-NATURAL: PROCESSOS DE RECONFIGURAÇÃO E CARÁTER LOCAL DO CONHECIMENTO

A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO SOBRE O

6. UM MANUAL QUE TODOS POSSAM USAR: AS OBSERVAÇÕES FILOSÓFICO-

6.2. A DISSERTAÇÃO FILOSÓFICO-NATURAL: PROCESSOS DE RECONFIGURAÇÃO E CARÁTER LOCAL DO CONHECIMENTO

Antes de iniciar esta análise, é preciso reforçar algumas bases conceituais fun‑ damentais. Primeiro, é preciso salientar que o trabalho de Muniz Barreto foi desen‑ volvido a partir de seu contato direto com as populações indígenas que habitavam as aldeias da região percorrida por ele. E depois, que Muniz Barreto deixou evidente que utilizou todo o conhecimento possível, proveniente destas populações autóctones, para construir o seu estudo sobre as plantas medicinais. Neste sentido, o trabalho do militar baiano contém todos os elementos que permeiam os processos de recon‑ figuração do conhecimento543. Como já foi discutido no início deste capítulo, tais

processos de reconfiguração do conhecimento ou ressignificação, podem acontecer em zonas de contato, a partir do envolvimento de variados agentes, instrumentos, técnicas, conhecimentos específicos. Poderiam, ainda, envolver os jogos de poder e hierarquia entre os agentes participantes neste sistema de reconfiguração544.

Tais processos, por sua vez, podem ser alicerçados nas escolhas e trocas de informações entre os agentes, tendo em conta as relações de poder e hierarquia que, muitas vezes, são impostas aos subjugados545, mas sobretudo, indagando

sobre até que ponto esta troca não fez parte de um processo de triagem, em que, em algum momento, a escolha em relação ao que oferecer, e ao que absorver não foi totalmente determinada pela hierarquia. Neste contexto, a hierarquia e o poder não são notados como únicos elementos no processo de reconfiguração, mas sim como sendo parte de um processo de trocas e interações muito mais complexos. É por essa razão, mais uma vez, que tratamos aqui de processos de reconfiguração (que envolvem uma extensa circulação de conhecimentos), construção, extensão, encontro, poder, resistência e negociação, que por sua vez ocorrem no âmbito das interações transculturais546. Circulação de conhecimento (o termo circulação serve

como contraponto à ideia de difusão, ou disseminação ou transmissão), portanto, implica incremento, e não simplesmente reprodução em outros espaços de estruturas e noções previamente formadas. Sobre este aspecto, Muniz Barreto pode ser tomado como exemplo, pois, como vimos até agora, o militar não se limitou a reproduzir o conhecimento que recebeu para construir suas instruções para recolha de dados, antes fez suas próprias adições.

543 RAJ, 2010; RAJ, 2013. 544 CONCEIÇÃO, 2018b. 545 PRATT, 1992.

Para a análise do trabalho de Muniz Barreto sobre as plantas medicinais da Bahia, é preciso, primeiro, ressaltar e assimilar o seu contato com as populações autóctones, e considerar que este processo de trocas de conhecimento não teve um agente principal que tenha participado de forma exclusiva no processo de construção do conhecimento. Como veremos, não há uma figura de destaque, mas sim um processo de interação. A questão aqui será compreender que estes pro‑ cessos de circulação e reconfiguração do conhecimento, no qual Muniz Barreto se encaixa, têm em seu cerne intrínsecas relações de poder e trocas, e que estas rela‑ ções e trocas ocorriam entre todos os agentes envolvidos. Sendo assim, o conheci‑ mento formado passa a ser um produto não totalmente europeu, e não totalmente autóctone — é um processo sincrético547. Por esta razão, ainda é preciso levar em

consideração o caráter local nos processos de construção de conhecimento, pois, no caso do trabalho de Muniz Barreto, o locus548 acabou por determinar algumas

características específicas do conhecimento produzido. No caso do trabalho de Muniz Barreto, o fator local definiu não apenas as plantas que ele catalogou, mas também o conhecimento sobre elas, na medida em que colheu as informações das populações indígenas locais. Para cada aldeia, novos agentes foram envolvidos549.

A partir destes argumentos, passo agora para a análise do manuscrito, na tentativa de demonstrar como estes processos podem ser verificados no trabalho de Muniz Bar‑ reto, em que o estabelecimento da relação de poder e hierarquia entre ele e os indígenas não significou a ausência de escolhas entre ambos os envolvidos no processo. Como veremos, as plantas analisadas e catalogadas pelo militar foram trazidas até ele pelos indígenas, e em grande maioria, foram selecionadas por eles. No entanto, Muniz Bar‑ reto não se lançava ao conhecimento autóctone de maneira cega. O militar procurou fazer suas próprias experiências em relação aos conhecimentos que os indígenas, ou colonos, traziam até ele. Para isso, realizou testes, tirou prova, experimentou a técnica que lhe fora ensinada, e muitas vezes corrigiu as informações que lhe foram dadas, desenvolvendo, como veremos, um processo completo de reconfiguração.

Neste manuscrito, Muniz Barreto relatou sua viagem pelas aldeias, destacando todo o processo de construção de conhecimento sobre as plantas locais. A partir deste estudo, que envolveu diversos agentes locais, é que o militar produziu o manus‑ crito com as estampas das plantas e as regras para um melhor conhecimento sobre cada uma delas. Por isso, o manuscrito foi dividido em duas partes — Introdução e

Observações. Na breve introdução, ele escreveu sobre os estudos que fez, e alertou o

receptor do trabalho — a Academia das Ciências de Lisboa —, que mesmo não sendo um naturalista de formação, possuía sabedoria e luzes para se lançar ao desafio de

547 CONCEIÇÃO, 2018c; CONCEIÇÃO, 2017. 548 LIVINGSTONE, 2003.

escrever sobre as plantas medicinais. Agradeceu ao ouvidor da comarca de Ilhéus (Francisco Nunes da Costa), e à rainha D. Maria I.

Em seu discurso de oferta do trabalho, demonstrou conhecer a prática da Aca‑ demia em conceder prêmios às memórias que lhes eram submetidas, demonstrando ter tido algum interesse neste assunto. Referiu‑se ao fato de ter feito suas observa‑ ções no período de um mês, reconhecendo ter sido pouco tempo, e por isso não ter observado com mais minúcia cada uma das espécies. E aproveitou para criticar autores que escreveram sobre a mesma matéria:

Pode também a mesma Academia certificar-se da verdade e singeleza das mesmas observações, sem que obste o não aprofundar muitas coisas que requereriam mais tempo e sossego e que não podiam caber nos limites do apressado giro de um mês, cuja falta poderia bem remediar com a patranha se para mim tivera passado aquela espécies de contágio que atacou a alguns que têm oferecido a essa ilustre Academia sobre os produtos do Brasil várias relações, consistindo a sua glória em dizerem coisas novas, ainda que assaz sejam fabulosas550.

Muniz Barreto referiu‑se ao período de sua viagem como não tendo sido o mais propício para as observações, pois as espécies analisadas não estavam no período de reprodução. E ainda ressaltou que tinha o desejo de classificar as plantas de acordo com a sistemática lineana — «e quando florescem os mais deles, ou quase todos, para se poderem reduzir à classe de Lineu, o que não pude transferir»551, mas advertiu

que não o fez, pois a época não era propícia, não estando muitas das espécies de plantas em seu estágio de desenvolvimento próprio para observação. Somava‑se a isso o fato de que ele não teria tempo para finalizar o trabalho, pois não poderia esperar pelo período ideal (lembro aqui que seu objetivo quando da formação deste trabalho estava dividido, pois o foco principal era a observação das tribos indígenas para fins de controle).

Passando para as suas observações filosóficas, iniciou com a descrição geográfica do local de onde partiu, e do local de sua chegada. Neste momento, as característi‑ cas relativas à navegabilidade dos rios foram notadas e anotadas. Além disso, Muniz Barreto alertou a Academia que não trataria das populações indígenas, pois julgou que este tema não era interessante para aquela sociedade científica. Neste ponto fica clara a intenção do militar quando escolheu separar seus estudos de acordo com os interesses de seus interlocutores, e por isso, escreveu uma memória em separado sobre as populações nativas552.

550 BARRETO, [s.d.]a: fls. 285v.‑286. 551 BARRETO, [s.d.]a: fls. 285v.‑286. 552 BARRETO, [s.d.]g.

Ao contrário de muitos dos trabalhos sobre plantas ou animais, em que as espécies são colocadas em ordem alfabética ou separadas de acordo com suas propriedades medicinais, o que temos no trabalho de Muniz Barreto é uma dissertação filosófico‑ ‑natural em que o autor relatou todo o processo de construção de conhecimento a partir de suas próprias observações e também a partir de todo o conhecimento que lhe foi transmitido pelas populações locais, de acordo com as aldeias percorridas. Para cada novo povoado visitado, um novo começo discursivo, empírico e de recolha de dados. Neste discurso, todos os agentes, que no entendimento de Muniz Barreto pudessem ter algum conhecimento sobre as plantas, foram incorporadas ao discurso, que será analisado a partir de agora.

Muniz Barreto percorreu algumas aldeias, selecionou plantas medicinais em cinco delas553, e deixou claro, desde o início, que faria uso dos conhecimentos das popu‑

lações locais para compor seu trabalho, como podemos verificar no excerto abaixo:

Chegando a Vila de Santarém, nela procurei conhecer os índios que fossem mais famosos em conhecimentos de ervas medicinais, produzidas na famosa Ilha

de Guiepe […]. Ainda que eles me assegurassem não ser então o tempo próprio para esse exame, como já disse, e bem o sabia, contudo embarquei com oito índios no porto da mesma vila […]554.

Todavia, mesmo sendo avisado pelos indígenas de que a época não seria pro‑ pícia para o estudo, ainda assim, ele decidiu seguir viagem555.

O processo de reconfiguração do conhecimento sobre as plantas medicinais feito por Muniz Barreto começa a clarificar‑se quando analisamos seu discurso sobre sua chegada à Ilha de Guiepe. Que segundo ele:

Por não achar nesta mesma ilha casa alguma, mandei formar pelos índios uma pequena palhoça, quanto bastasse para resguardar da intempérie do ar e para poder estampar as ervas que por eles me fossem apresentadas, que são as que constam da primeira relação até o nº 28, com as virtudes que por largas experiências são conhecidas dos mesmos índios, entre os quais com mais sossego

e vagar, se podem fazer progressos556.

553 Ilha de Guiepe; Villa de Santarem dos Índios; Povoação de Jequié; Aldeia de S. Fidelis dos Indios; Aldeia dos Indios

de Nossa Senhora dos Prazeres. Salientamos que, nos mapas modernos, não encontramos referência a nenhuma destas aldeias, muito provavelmente ainda devem constituir em pequenas povoações, ou não mantiveram os nomes do século XVIII. A lista completa com todas as plantas catalogadas encontra‑se no Anexo 9.

554 BARRETO, [s.d.]a: fl. 290v., destaque nosso.

555 Em parte, esta decisão, pode ser compreendida pelo fato de Muniz Barreto não ter como missão apenas as verificações

das plantas, mas também, a observação das populações indígenas sublevadas (BARRETO, [s.d.]g).

A partir daqui o militar estabeleceu uma troca de conhecimentos entre ele os indígenas, e alguns colonos. Partia do militar a ordem para que fossem coletadas espécies de plantas medicinais, mas a escolha das plantas a trazer ao conhecimento de Muniz Barreto foi feita pelos indígenas. Em alguns momentos, como veremos nesta análise, o militar pediu espécies específicas, mas, em alguns casos, não conse‑ guiu exatamente o que procurava.

Muniz Barreto estava atento a tudo o que pudesse ser útil para a medicina, e como vemos para o comércio também, e como o conhecimento local era primordial, o autor recorria aos agentes que pudessem fornecer dados sobre as espécies locais. Temos aqui um exemplo:

Tendo conseguido o principal fim que me conduziu a essa vila, me pus em marcha para o Cairu pelo mesmo caminho de Jequié. Antes de embarcar neste porto tive notícia que em uma das casas daquela vizinhança havia um homem pardo de idade de 80 anos, que suposto não tinha ali nascido, contudo vivia nele a perto de 40 anos de curar aos moradores daquele circuito com ervas medicinais de que tinha grande conhecimento e experiência. Isso me fez demorar aqui mais

tempo do que pretendia557.

Desde logo, podemos notar, uma vez mais, que Muniz Barreto buscava contato com todos os agentes locais, principalmente aqueles indivíduos mais experientes, que para ele eram sempre os mais velhos da comunidade. Estes indivíduos ganharam papel de destaque no estudo do militar, que, quando não encontrava figuras experientes para trocar informações, se lamentava.

Como já referido, ele tentou construir um catálogo de estampas que pudesse ser utilizado por qualquer indivíduo, mas principalmente, por aqueles que possuíam pouco ou nenhum conhecimento sobre as espécies. Além disso, ele demonstrou ter algum receio quanto ao conhecimento sobre as plantas que os indígenas referiam. Sendo assim, depois de receber as espécies trazidas pelos indígenas, ele decidiu que deveria realizar testes, para ter certeza de que sua estampa e as descrições que as seguiam, fariam algum sentido para outros agentes, e que estes pudessem, então, encontrar as espécies de plantas a partir das estampas feitas por ele:

Para melhor me persuadir do que afirmaram depois que estampei os mesmos vegetais, mandei diferentes vezes, por dois índios que nenhuma inteligência tinham dessa matéria, procurar de mistura entre outras ervas aquelas, ou aquela que me parecia, para o que lhes dava a estampa, e com efeito consegui que por ela me

trouxessem o mesmo que lhes pedia; e eis aqui a melhor serventia que têm as estampas

com o verdadeiro tamanho, cor e feitio da folha de que tratam, além de ter já feito o primeiro exame de perguntas aos mesmos ervolários índios pelas estampas, o nome e a propriedade dos mesmos vegetais, que, por estarem em tudo semelhantes às ramas que me trouxeram, nada diferiram de quanto anteriormente tinham asseverado558.

Nota‑se que existiu uma relação de troca, mas ela não foi baseada em uma via única de transmissão e recepção do conhecimento. Muniz Barreto testou, não somente o conhecimento que recebeu, mas também o conhecimento reconfigurado por ele. E ainda assim não ficou satisfeito:

Depois, na volta que fiz para a mesma vila de Santarém, nela procurei certificar-me com um índio de avançada idade, e que por isso me não pôde acompanhar: e com muita inteligência e experiência daquelas ervas, de quanto me asseveraram aqueles índios, cuja verdade ficou bem indagada, porque por cada uma das estampas me foi dando os mesmos nomes e préstimos de que eu já tinha feito lembrança, só com a diferença de que em algumas, pela maior experiência, aumentou ele as suas virtudes […]559.

Voltando para a aldeia de Santarém, ele ainda procurou um indígena mais experiente, e mais uma vez, testou suas estampas, as descrições e as qualidades que havia designado para cada uma delas.

Em alguns momentos, Muniz Barreto saiu de seu «gabinete», deixando assim a condição receptiva de informações, e foi ao campo na tentativa de fazer suas próprias observações e recolha de dados. Por vezes, corroborou suas observações empíricas locais, com algum conhecimento específico que extraiu da literatura europeia que tratava sobre o tema, como no caso dos trabalhos de Lineu e Garpard Bauhin (1560‑ ‑1624)560, buscando encontrar similitudes entre a espécie que estava observando e as

que foram catalogadas por agentes europeus. Neste caso, afirmou:

Também observei, por todos os campos e lados das estradas da Vila de Santarém, uma grande quantidade, nascida espontaneamente, de uma espécie de algodão, cobertas as suas miúdas sementes de uma felpa muito fina, porém muito

558 BARRETO, [s.d.]a: fls. 291‑291v., destaque nosso. 559 BARRETO, [s.d.]a: fl. 292, destaque nosso.

560 Naturalista e médico suíço. Seus trabalhos: Pinax Theatri Botanici, sive Index in Theophrasti, Dioscoridis, Plinii,

et botanicorum qui a seculo scripserunt opera, escrita em 1596 e publicada em Basileia no ano de 1671; e Enumeratio plantarum ab herboriis nostro saeculo descriptarum cum corum differentiis (1620). O trabalho de Bauhin ganhou

destaque, pois ele foi um dos primeiros a tentar encontrar um sistema binominal para classificar plantas. Em seu trabalho botânico, classificou espécies de plantas nativas da Suíça, atribuindo a cada espécie um nome científico.

curta, de forma que de modo algum se poderá fiar, e, enquanto a mim, só servirá para acolchoados, e creio ser a que Gaspar Bauhino chamou Xilon arboreum, e Lineu, Bombax561.

Esta planta não foi estampada, e ele tão‑pouco descreveu em pormenor a espécie observada. No entanto, é possível aferir que Muniz Barreto se referia a uma espécie de algodoeiro conhecido como Mafumeira (Ceiba pentandra), e que, na verdade, não corresponde à mesma espécie classificada por Bauhin e Lineu, pois as espécies Xilon

arboreum e Bombax são nativas do Índico. Além disso, creio que Muniz Barreto não

tenha utilizado os textos originais de Bauhin e Lineu. Vejamos.

Na Memoria sobre o algodão, sua cultura e fabrica562, escrita pelo Padre João

de Loureiro563, dentre muitas espécies citadas e estudadas pelo jesuíta na tentativa

de dar conhecimento sobre o maior número possível de espécies que pudessem ser úteis, podemos notar que as duas espécies (Xilon arboreum e Bombax) foram citadas, assim como os autores que primeiro as descreveram e catalogaram (Bauhin e Lineu). A memoria de João de Loureiro foi publicada nas Memorias Economicas da Academia

Real das Sciencias de Lisboa em 1789. O que podemos notar aqui é a possibilidade

de que Muniz Barreto tenha tido acesso às publicações da Academia, mas pode não ter tido às obras botânicas de Bauhin e Lineu. Este fato, ainda assim, configura a existência da circulação de textos entre Portugal e Brasil, principalmente entre os agentes que estavam inseridos em círculos políticos e científicos que envolvessem as classes dominantes. Também se nota que Muniz Barreto estava atento, não apenas ao conhecimento autóctone, mas também aos estudos que estavam sendo feitos em território europeu.

Seguindo suas observações a partir do conhecimento indígena, temos mais uma mostra do processo de reconfiguração. Neste caso, uma vez mais, o militar fez testes para provar a eficiência das técnicas e conhecimento dos indígenas:

Trazendo-me um índio uma pouca de casca de árvore chamada jectibá, que me disse sendo pisada dava de si tinta preta capaz de usar dela na escrita, logo fiz pôr em prática esta observação, que não produziu bom efeito, porque nunca azevichou a mesma tinta, nem ainda usando da ferrugem do ferro, que é a que vai no frasquinho nº 5564.

561 BARRETO, [s.d.]a: fl. 292, destaque nosso. 562 LOUREIRO, 1789: 32‑40.

563 Foi um jesuíta, missionário, paleontologista, médico e botânico, que viveu, entre 1710/1717‑1791. 564 BARRETO, [s.d.]a: fl. 293.

Por não se tratar de uma planta medicinal, Muniz Barreto não a estampou, mas, como não ficou satisfeito com o resultado da técnica indígena em relação a extração de tinta da casca do Jequitibá565, ele continuou fazendo testes até obter algum resul‑

tado mais conclusivo, que o levou a uma outra descoberta:

Reparei, porém, depois que extraí a mesma tinta, que aquela casca, depois de macerada, se reduzia a uma espécie de estopa, o que, movendo-me a fazer mais séria reflexão, trabalhei de modo que consegui pô-la no grau de perfeição

que mostra o embrulho nº 6, que enquanto a mim é de melhor qualidade que a ordinária de que se usa, chamada de embira, sem que obste na observação que se fizer não dar maior cordão, como se necessita, pois que a casca que macerei estava em pequenas e curtas lascas566.

Sua experiência o levou a encontrar um tipo de material importante para as empresas de cordoaria, e para a construção de embarcações, a qual difere da espécie de árvore que era comumente utilizada como matéria‑prima, a embira. Ainda, segundo ele, esta tinha mais qualidade que a outra já amplamente conhecida e utilizada.

A Embira, a qual Muniz Barreto se referiu, era uma espécie de árvore567 conhe‑

cida e utilizada no século XVIII, justamente como matéria‑prima para empresas de cordoaria. Podemos verificar a importância desta espécie, no estudo do médico Manuel Arruda da Câmara (1752‑1810), publicado em 1810, Dissertação sobre as

Plantas do Brazil, que podem dar linhos proprios para muito usos da Sociedade, e suprir a falta do Canhamo, indagadas de ordem do Principe Regente Nosso Senhor, por Manoel Arruda da Camara, Doutor em Medicina568. Segundo Câmara, existiam,

no Brasil, dois tipos de Embira: a Embira branca569 ou Jangadeira, e a Embira verme- lha570, e ambas eram úteis para a construção de embarcações571. Com este tipo de