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QUESTÕES TEÓRICAS, CONCEITUAIS E

59 HANKINS, 2002: 117; WULF, 2015.

60 Por naturalista podemos compreender aqueles que se dedicavam aos estudos relativos à História Natural. 61 HANKINS, 2002: 145‑157.

62 No sentido mais puro da palavra, essência é aquilo que caracteriza um ser seja ele vivo ou inanimado. Para os homens

de ciência do século XVIII, que buscavam compreender os elementos do Mundo Natural e encontrar um Sistema Natural de classificação, encontrar a essência das coisas era obter o resultado final de suas pesquisas (HANKINS, 2002: 145‑157).

63 HANKINS, 2002: 145.

64 O Sistema proposto por Lineu classificava os seres a partir de sua pertença a diversos conjuntos, do mais geral ao

mais específico. Nessa ordem, os conjuntos eram, Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Gênero e Espécie. Entretanto, a nomenclatura de cada Ser deveria ser definida apenas com a utilização de um binômio composto pelos dois conjuntos mais específicos, ou seja, o Gênero e a Espécie (HANKINS, 2002: 145).

‑1788)66, crítico do sistema de Lineu, baseava‑se na ideia da «Grande Cadeia do

Ser». Buffon acreditava haver um sistema em que os seres da natureza pudessem ser organizados linearmente e de forma hierárquica, a partir das formas mais simples às mais complexas, estando o Homem no topo da pirâmide67. Estas teorias, e as ideias

de seus seguidores ou críticos, podem ser consideradas como uma pré‑formação do pensamento e teoria da seleção natural das espécies, que se viria a formar no século XIX com Charles Darwin68.

A importância do Conde de Buffon para a Filosofia Natural do século XVIII perpassa na maneira como ele procurou estabelecer uma epistemologia que pudesse servir para a compreensão e classificação da fauna, tanto da Europa, quanto da Amé‑ rica, Ásia e África. Buffon foi tão ou mais prestigiado em sua época quanto Lineu69,

cujo sistema foi adotado por boa parte dos pesquisadores do período. No início, Buffon negou o sistema classificativo lineano, e fez críticas contundentes quanto aos métodos aplicados pelo naturalista sueco70. Buffon era uma figura relevante para a

ciência do período, os seus trabalhos eram tidos como revolucionários e traziam consigo a marca de uma produção científica francesa, o que lhes concedia ainda mais prestígio. A verdade é que o trabalho desenvolvido por Buffon catapultou processos de renovação e inovação no que se pode entender por Filosofia Natural e classifi‑ cação de espécies. A sua importância para a História da Filosofia Natural foi rele‑ vante71 e confirma, de certo modo, a tendência filosófica setecentista em buscar na

natureza, através da experiência, explicações para compreender o funcionamento do Universo72. Este conhecimento, acumulado por esta atividade intelectual, foi reunido

num número considerável de composições de textos de diversas classes de eruditos, das quais se destacou L’Encyclopédie ou Dictionnaire Raisonné Des Sciencies, Des Arts

et Des Métiers, 175973.

A Encyclopédie, em concordância com o princípio de renovação e reformulação das antigas concepções epistemológicas, promoveu ataques contundentes às velhas ortodoxias e às concepções de natureza então hegemônica. Esta tendência foi, em parte, promovida a partir da postura revolucionária de seus colaboradores, que

66 Georges‑Louis Leclerc, foi um naturalista, matemático e escritor francês. 67 HANKINS, 2002: 149‑156; MAYR, 1998. 68 HANKINS, 2002: 149‑156; MAYR, 1998. 69 PRESTES, 2000: 58‑72. 70 FOUCAULT, 2014: 215. 71 SANTOS, 2005: 86. 72 HANKINS, 2002.

73 L’Encyclopédie ou Dictionnaire Raisonné Des Sciencies, Des Arts et Des Métiers: enciclopédia iluminista indexada em

1759. Já na página de rosto se proclamava a pretensão da obra: «Dicionário Raciocinado das Ciências, das Artes e dos Ofícios». Com uma trajetória de denúncias, a Enciclopédia parecia estar com os dias contados, contudo devido ao alto investimento de seus editores que agiam com rapidez, revelou‑se um sucesso, tendo suas vendas impelidas justamente por aquilo que fizera o governo confiscá‑la: «Ela desafiava os valores tradicionais e as autoridades constituídas do Antigo Regime» (DARNTON, 1979).

compreendiam personalidades como Denis Diderot (1713‑1784), responsável pela coordenação geral dos verbetes da História da Filosofia; François‑Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire (1694‑1778) e Marie Jean Antoine Nicolas Caritat, marquês de Condorcet (1743‑1794), que trabalharam questões relacionadas com a Filosofia, e Jean‑Jacques Rousseau (1712‑1778), que compôs o verbete sobre Música. Partici‑ param também Jean le Rond d’Alembert (1717‑1783), Paul‑Henri Thiry, o barão de D’Hobach (1723‑1789), François Quesnay (1694‑1777), Anne Robert Jacques Turgot (1727‑1781) e o médico português António Nunes Ribeiro Sanches (1699‑1783). No contexto das transformações paradigmáticas referentes à compreensão do Mundo Natural, uma das mais importantes contribuições para os tabelas da Encyclopédie veio da participação de Buffon, a quem foi entregue o tema das ciências naturais74.

Este panorama geral, necessariamente simplificado, dos processos de entendi‑ mento da Filosofia Natural como campo do conhecimento, tornou‑se necessário, quer para a análise dos parâmetros de conhecimento que procuro identificar nos autores e obras sobre o Mundo Natural do Brasil que analisarei, quer para a discus‑ são que se segue, a saber: qual é a validade da aplicação do termo Filosofia Natural para designar e classificar os trabalhos produzidos sobre a natureza no século XVIII?

1.1. CIÊNCIA NORMAL E FILOSOFIA NATURAL:

PERMANÊNCIA DE CONCEITOS E PRÁTICAS

Partindo da explanação sobre o desenvolvimento da Filosofia Natural, pode‑se notar quais foram as permanências, e quais foram as transformações sofridas ao longo do tempo. A Filosofia Natural foi um campo do conhecimento importante no processo de desenvolvimento científico, e no século XVIII ganhou mais força com o pensamento e as práticas de ciência próprias do Iluminismo.

Este processo de transformação ligado à permanência da designação‑chave desta área do saber pode ser analisado e observado de maneira mais clara nos trabalhos escritos ao longo do século XVIII, e início do século XIX, quando as bases da ciên‑ cia como a conhecemos hoje ainda não estavam totalmente formadas. Neles, pode‑ mos observar que não houve uma total ruptura, em termos científicos, quando do advento e avanço do pensamento iluminista em relação a muitos dos conceitos usados anteriormente para designar e explicar a Filosofia Natural75. As transformações, por

serem graduais, nem sempre representam uma total transfiguração. Deste modo, se não podemos pensar no desenvolvimento científico como sendo um processo puro e simples de acumulação de conhecimentos, tão pouco o podemos entender como

74 SANTOS, 2005: 86.

75 Vale lembrar aqui que não nos podemos referir aos demais campos de conhecimento, uma vez que o tema central

deste livro diz respeito especificamente à Filosofia Natural. Não caberia aqui ramificarmos nossas discussões. Contudo, esta linha de raciocínio pode ser aplicada a outras disciplinas científicas.

decorrente apenas de rupturas epistemológicas76. As mudanças paradigmáticas podem

se processar a partir de dois ativadores: ajustes teóricos e experimentação77. Estes

pontos fundamentais podem ser verificados nas mudanças de pensamento filosófico durante o Iluminismo e que foram incorporadas à Filosofia Natural, principalmente, como ainda veremos, nos trabalhos produzidos nos espaços coloniais. Não se estra‑ nha, assim, que seja possível manter o uso do conceito de Filosofia Natural quando aplicado aos trabalhos sobre o Mundo Natural escritos no século XVIII78.

Thomas Kuhn, físico e filósofo da ciência, desenvolveu a tese segundo a qual uma revolução científica não invalida necessariamente por completo a aplicabilidade dos conjuntos de pressupostos teóricos anteriores79. Partindo desse princípio, podemos

dizer que a dita Revolução Científica do século XVII não apagou por completo os vestígios das teorias anteriores aplicadas na compreensão da natureza, nem substituiu radicalmente os métodos e as práticas inerentes à recolha e organização de informação. O que podemos observar são transformações lentas, visíveis e discutidas no seu pró‑ prio tempo, nos diferentes campos do saber80.

Paradigmas são, apenas raramente, substituídos completamente por outros. O que se pode verificar são ajustes e novas especificações advindas de análises baseadas em novos princípios, ou na necessidade de haver novas críticas ao paradigma81. Esta ideia

fica clara quando analisamos os conceitos de Thomas Kuhn e a sua teoria dos para‑ digmas e da estrutura das revoluções científicas. Nestas suas discussões, Kuhn balizou o conceito do que ele denominou de ciência normal. Vale aqui tentar expor o signifi‑ cado desta expressão, pois acredito que seja relevante para compreender por que é que os paradigmas não podem ser simplesmente substituídos por outros82. Isso permite

também compreender o fato, verificável, de, no século XVIII, a ciência que tratava da análise de tudo o que envolve o Mundo Natural ser, ainda, a Filosofia Natural83.

A ciência normal de Kuhn pode ser entendida como aquela que não pretende desenvolver novas teorias ou paradigmas que venham substituir os outros. Mas sim, objetiva proceder a análises a partir de paradigmas pré‑existentes, usando‑os como sustentação para a formação de conhecimentos específicos a determinadas áreas. Esta concentração em análises pormenorizadas pode levar o cientista a conclusões significativas e isso torna validáveis os resultados de sua pesquisa, sem que, neces‑ sariamente, tenham sido suficientemente inovadores para impor a formulação de

76 KUHN, 2009: 20‑21; RAJ, 2010; RAJ, 2013; LIVINGSTONE, 2013. 77 KUHN, 2009: 20.

78 DEBUS, 2002; HANKINS, 2002; FURTADO, 2012. 79 KUHN, 2009.

80 DEBUS, 2002: 35; HANKINS, 2002; GRANT, 2002; GRANT, 2009. 81 KUHN, 2009: 47‑48.

82 KUHN, 2009: 47‑48.