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Do modo de transmissão da informação

DO DIREITO À INFORMAÇÃO EM SAÚDE

1.2. Da positivação do direito à informação

1.2.2. Conteúdo do direito à informação

1.2.2.6. Do modo de transmissão da informação

Todos os aspetos do conteúdo do direito à informação já referidos deverão ser comunicados da forma que as leges artis da profissão de saúde a que correspondem os atos praticados considerem mais adequada, como corolário lógico da conceção da transmissão da informação como um ato terapêutico.

O CDOM contém alguns preceitos que versam especificamente sobre o modo da transmissão da informação, nomeadamente, os artigos 44º nº 3 e 4 e o artigo 50º nº2.244 É patente, nestes enunciados, a atenção ao

paciente concreto e às suas necessidades. Portanto, mais uma vez, é a casuística que impera, sendo impossível reproduzir aqui as práticas e atos concretos que deverão ser adotados. Por isso, limitar-nos-emos a mencionar algumas atitudes e pontos concretos a que, de modo geral, os profissionais de saúde deverão estar atentos.

Além da necessária transmissão da informação num ambiente de «afeto e compreensão»,245 será necessário atender ao emprego de uma

profissionais de saúde consideram que uma informação extremamente detalhada, onde sejam expostos os riscos reais, pode levar à recusa de consentimento. Contudo, esta questão poderá e deverá ser ultrapassada através da forma como a informação é prestada; este passo é fundamental para uma verdadeira tomada de

decisão por parte do paciente». Vd., também, NUNES, Rui – op. cit., pp. 32 e 34. Fazendo uma análise

económica dessa assimetria, CASCÃO, Rui Miguel Prista Patrício – Análise Económica da Responsabilidade Civil

Médica, in «Lex Medicinae», ano 2, nº 3, 2005, p. 135 refere que «mesmo que bem informado, atenta a

fragilidade da sua situação de enfermidade e a premência da prática do ato médico, esta assimetria tende a manter-se», levando os pacientes a «fazer um deficiente balanço entre os riscos e benefícios do ato médico, o que tem como consequência um nível de precaução não-ótimo por unidade de atividade».

244 «A revelação exige prudência e delicadeza, devendo ser efetuada em toda a extensão e no ritmo requerido

pelo doente, ponderados os eventuais danos que esta lhe possa causar». No mesmo sentido, BEAUCHAMP, Tom

L./CHILDRESS, James F. – op. cit., p. 286: «Disclosing information over time avoids what has been called “truth

dumping” and “terminal candor”. It attempts to achieve truthfulness within constraints set by principles of beneficence, non maleficence, and respect for patient autonomy».

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linguagem que o paciente compreenda.246 Neste sentido se pronunciou, o

TRL, no acórdão de 18-12-2007,247 onde se pode ler:

«O conteúdo da informação pode variar em função da capacidade de compreensão e da cultura médica do paciente, dos seus desejos de informação, dos níveis de risco que tem o tratamento, dos efeitos que pode ter no paciente e da própria necessidade do tratamento»

Assim, parece-nos que, desde logo, é necessário que a transmissão se dê numa língua que o doente compreenda. Se é estrangeiro, deverá o profissional de saúde, sabendo, comunicar na língua do paciente e, de contrário, socorrer-se de um intérprete. Do mesmo modo, se o utente é, por exemplo, surdo, deverá a comunicação ser feita em língua gestual.248

Porém, as questões da comunicação não se ficam pela compreensão da língua, mas da própria linguagem. Na verdade, muitos são os termos próprios da linguagem médica inacessíveis a quem não está familiarizado com a área da saúde. Por isso, os profissionais de saúde deverão proceder à tradução dos termos técnicos para a linguagem comum, adaptando os vocábulos e expressões utilizados ao nível de compreensão da pessoa concreta que estão a informar. Por outro lado, pode acontecer que o paciente tenha já conhecimentos médicos prévios, que afastem a necessidade de uma adaptação de linguagem. Tome-se como exemplo o caso de um paciente que exerça a profissão de médico.

Existem também disposições especiais no nosso ordenamento jurídico que apontam para um especial cuidado no momento da transmissão da informação, atendendo ao tipo de cuidados de saúde. Assim, o artigo 5º nº 1 alínea a) da Lei de Saúde Mental249 determina que o utente dos

serviços de saúde mental seja «informado, por forma adequada, dos seus direitos, bem como do plano terapêutico proposto e seus efeitos previsíveis». De facto, em relação a estes doentes, é exigível um cuidado

246 RODRIGUES, Álvaro da Cunha Gomes – Responsabilidade Médica em Direito Penal: Estudo dos Pressupostos

Sistemáticos, Coimbra, Almedina, 2007, p. 41.

247 Disponível em: www.dgsi.pt. Consultado a 10-01-2012.

248 ANTUNES, Alexandra – op. cit., p. 22.

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acrescido no modo de transmissão da informação, em virtude das suas condições de particular vulnerabilidade.

O momento da transmissão de informação também é importante e não pode ser desconsiderado. Admite-se, portanto, que a informação seja, por exemplo, faseada250 ou que seja adiada para um momento em que o

profissional de saúde tenha mais tempo para despender com o paciente, ou em que este se mostre mais aberto à receção da informação. Na verdade, o ato de informar não pode ser visto como o mero cumprimento de um dever jurídico ou deontológico, mas como um verdadeiro ato terapêutico.

É ainda possível, numa perspetiva mais jurídica do que ética, equacionar-se a questão da forma da transmissão da informação. Este tópico assume relevo, sobretudo, no domínio da prova da prestação da informação e do respetivo consentimento, quando a este haja lugar em virtude do assentimento numa determinada terapêutica. No que concerne ao ato de transmissão da informação parece-nos que, dada a índole pessoalíssima da informação e da sua natureza enquanto momento também ele terapêutico, aquela deverá ser realizada oralmente pelo profissional de saúde a quem compete a prática do ato consentido. Todavia, esta forma não obsta a uma posterior formalização do consentimento através de um documento escrito. Indispensável é, pois, que a transmissão da informação seja um ato relacional entre o profissional de saúde e o doente. Rejeitam-se, deste modo, as práticas que substituem este momento relacional pela mera apresentação e

250 Como refere o artigo 50º nº 2 do CDOM «A revelação […] [deve] ser efetuada em toda a extensão e ritmo

exigido pelo paciente». Vd. também OSSWALD, Walter – op. cit., p. 36: «[…] a verdade desejada pelo doente, no

uso do seu direito incontestável, tem de ser comunicada no momento próprio, de forma gradual, com ajuda

permanente e sem pôr de lado a esperança». No mesmo sentido, CORTÉS, Julio César Galán – Responsabilidad

civil médica, p. 499: «[el] paciente afetado de un mal o fatal pronóstico […] tiene derecho a conocer toda la

verdade, sin perjuicio de la conveniência de analizar cada caso en concreto. En estos casos, el médico debe atuar com altas dosis de psicologia, siendo admisible, en algunos supuestos y cuando las circunstancias así lo aconsejen, una información gradual o atenuada de tan infausto pronóstico clínico».

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exigência de assinatura de um formulário feita por pessoal administrativo quando o utente dá entrada numa instituição de saúde.251

Contudo, não bastará ao profissional de saúde transmitir a informação ao utente. É também necessário proceder à validação de tal informação, ou seja, o profissional de saúde deverá assegurar-se de que a informação transmitida foi corretamente compreendida pelo seu destinatário. Cremos que este é um requisito indispensável, mesmo quando o paciente é um profissional de saúde.252

Em suma, o conteúdo do direito à informação e do correlativo dever de informar é complexo e, à partida, indeterminado. As reais exigências da prestação de informação só poderão manifestar-se face ao utente concreto. No entanto, existe uma atitude devida, ab initio, pelo profissional de saúde, que é a de respeito pelo princípio da autonomia e pelo princípio da beneficência e o discernimento necessário para a justa ponderação de ambos.