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DO DIREITO À INFORMAÇÃO EM SAÚDE

2. Terceiros e a informação de saúde

2.3. Os cuidadores informais

Trataremos agora da possibilidade de um direito à informação daqueles que se designam, na linguagem técnica da saúde, cuidadores

298 Como decorre, aliás, do preceituado no artigo 6º, nº 2 e 3 da CDHB e 46º, nº 3 do CDOM.

299 Cf. ANTUNES, Alexandra – op. cit, p. 26; ALMEIDA, Filipe – op. cit., p. 53, considerando que «é desejável

colocar as questões às crianças particularmente acima dos cinco anos de idade» e ainda OSSWALD, Walter – op.

cit., p. 40, equacionando os casos em que não existe representação legal estabelecida: «não deve ser atribuído

papel decisório exclusivo a nenhum dos intervenientes no processo, com óbvia exclusão das situações de “emergência” […] a contribuição do próprio doente (mesmo que a sua capacidade seja apenas parcial, como acontece com crianças em idade escolar e adolescentes, doentes psíquicos, idosos avançados, etc.), eventualmente sob a forma de declaração prévia, não pode deixar de ser tida em conta. Os familiares ou tutores não serão certamente ignorados; e ao pessoal de saúde, nomeadamente aos médicos, caberá a maior quota de responsabilidade neste achar conjunto da solução tecnicamente mais conveniente, terapeuticamente mais promissora, eticamente mais recomendável».

300 É patente, nesta perspetiva, que a incapacidade de que se fala é uma incapacidade natural para o

consentimento, que deve ser aferida casuisticamente e que poderá não coincidir com a existência de uma medida judicial que decrete tal incapacidade.

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informais, e que podem ser familiares ou não, sendo sempre pessoas

significativas301 para o doente.

Com efeito, os cuidadores informais assumem, de forma não profissional, a prestação de cuidados de saúde que permitem a manutenção de uma maior qualidade de vida dos doentes que se vêm numa situação de doença crónica ou prolongada vivenciada fora do ambiente hospitalar, portanto, no domicílio.302 Prevê-se que esta seja

uma situação cada vez mais comum, devido ao aumento da população idosa, a que se alia o acréscimo da esperança média de vida, fatores que proporcionarão um crescimento do número de idosos dependentes.303

Ora, o indivíduo comum não tem, à partida, os conhecimentos nem as competências suficientes para poder cuidar devidamente de pessoas com necessidades de saúde especiais. Estes saberes, que implicarão necessariamente alguma informação sobre a patologia da pessoa doente e sobre o os atos a praticar, devem ser transmitidos, no mínimo, na exata medida do que se afigurar necessário para que sejam prestados, diligentemente, os cuidados devidos ao paciente. Por isso, a transmissão da informação assume aqui uma finalidade principal específica, que não é a satisfação de um interesse próprio do familiar-cuidador, mas a prestação de cuidados de qualidade à pessoa cuidada.

Coloca-se, portanto, como questão prévia de direito, saber se a informação transmitida o é a título de um direito, motu proprio, do cuidador, ou de um direito do paciente. Esta questão não é clara no nosso ordenamento jurídico, tanto mais que não existe uma legislação que promova os cuidados informais (como já acontece, v.g., nos Estados

301 Note-se que, embora os cuidadores informais sejam pessoas significativas, estas poderão não ser

cuidadores informais, pelo que os conceitos não se confundem.

302 Vd. OLIVEIRA, Magda A./QUEIRÓS, Cristina/GUERRA, Marina Prista – O conceito de cuidador analisado numa

perspetiva autopoiética: do caos à autopoiése, in “Psicologia, Saúde & Doenças”, 2007, nº 8, vol. 2, p. 182:

«Entendemos como cuidador formal o profissional de saúde que assume formalmente o exercício de uma profissão pela qual optou de livre vontade e para a qual teve preparação académica e profissional. Já o cuidador informal é concebido como o familiar ou amigo que é solicitado a assegurar a maior parte dos cuidados que o doente requer quando retorna ao seu contexto familiar».

303 Cf. CRUZ, Dídia Carolina Miranda et al. - As vivências do cuidador informal do idoso dependente, in “Revista

Enfermagem Referência”, III Série, nº 2, Dez. 2010 [em linha], [consult. 2011-12-06]. Disponível na www:<URL: http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/ref/v3n2/v3n2a14.pdf >.

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Unidos da América e em França). Tal seria de todo o interesse e justiça, quanto mais não seja pelo importantíssimo papel que desempenham na sociedade hodierna.

Acresce ainda o interesse em definir-se melhor a natureza da própria relação que se estabelece entre o cuidador informal e o paciente. Parece- nos que se trata, mais uma vez, de um poder funcional, não enquadrável na estrutura do direito subjetivo. Com efeito, o cuidador pode reclamar a informação necessária a uma tarefa que visa a prossecução de um direito daquele que é cuidado, a saber, o direito à saúde. Neste sentido, ao aceitar cuidar de um indivíduo doente, o cuidador assume um dever,304

que é acompanhado de determinados poderes (num sentido muito amplo – a nosso ver impróprio – seria possível denominá-los direitos), a serem exercidos para a prossecução de um interesse alheio. Certo é que a contrapartida desse poder é o dever que recai sobre os profissionais de saúde de prestar a informação necessária à promoção de cuidados de saúde de qualidade no domicílio do paciente. Vejamos, pois, em que moldes.

A medida da informação a ser prestada neste contexto só pode ser aferida in concreto, perante as circunstâncias de cada doente e de cada família. Mais uma vez, aqui impera o casuísmo. As situações patológicas que suscitam a necessidade de cuidados podem ser as mais variadas. Os contornos clínicos de uma doença oncológica não são os mesmos que se encontram no caso de doenças do foro neurológico ou mental, como é o caso das doenças de Alzheimer ou da esquizofrenia. E nenhuma destas se assemelha ao caso de um indivíduo que tenha sofrido um acidente vascular cerebral.

304 Poderá haver situações em que é equacionável um enquadramento jurídico distinto. Com efeito, será esse o

caso sempre que o cuidador informal e o paciente sejam casados. Neste caso, existe uma relação jurídica no âmbito da qual se impõe um dever de cooperação (artigo 1672º do CC), o que inclui uma obrigação de socorro e auxílio mútuos, nos termos do artigo 1674º CC. Também o artigo 1874º, nº 1, afirma que «pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência» [itálico nosso]. Neste caso, poder-se-ia dizer que a informação é uma condição do cumprimento do dever de auxílio, pelo que existirá um direito à informação,

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A ponderação da informação a transmitir deverá, portanto, ser realizada pelo profissional de saúde considerando todos os fatores relevantes in casu. Mas o conteúdo da informação a transmitir deverá ser sempre o estritamente necessário para o desempenho das tarefas de cuidador, tendo aí o seu limite.305 Normalmente, tal informação reportar-

se-á ao diagnóstico e aos riscos mais frequentes. A compreensão da condição que afeta a pessoa cuidada e da sua possível evolução ajudará o cuidador a estar atento a certos sinais e a agir na prevenção de alguns riscos.306 Quanto aos aspetos técnicos do cuidar, não nos parece que tal

caiba no âmbito da informação propriamente dita, sendo antes um conjunto de orientações que facilitam e suportam o processo terapêutico.

Por outro lado, a informação sobre alguns aspetos da doença e da terapêutica do paciente também é fundamental no sentido em que só deste modo os familiares poderão ter os elementos suficientes para assumir a decisão de cuidar.

Note-se que esta é uma área de particular relevância no domínio da enfermagem, competindo especificamente a esses profissionais de saúde

305 Tal não significa que não haja mais intervenções a ser realizadas junto dos cuidadores informais por parte

dos profissionais de saúde. Porém, nesse caso já se trata do cuidador enquanto utente, ele próprio. Com efeito, muitas vezes é o próprio cuidador informal que vai necessitar de cuidados específicos. Contudo, esta é uma situação diversa e irrelevante para o nosso estudo, embora de grande atualidade e importância social crescente. Note-se que aqui referimo-nos aos cuidadores informais, mas que estão em relação com profissionais de saúde, integrando uma equipa de saúde e recebendo informações e orientações para exercer o seu papel. No entanto, nem todos os cuidadores informais têm este apoio, resultando daí malefícios quer para o cuidador, quer para quem é cuidado. Sobre a importância do apoio aos cuidadores informais na garantia da

segurança dos utentes, vd. REINHARD, Susan C. et al. – Supporting Family Caregivers in Providing Care, in

“Patient Safety and Quality: An Evidence-Based handbook for Nurses” [em linha], [consult. 14-01-2012]. Disponível na www: <URL: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK2665/>, p. 355, onde se conclui: «Family caregivers are critical partners in the plan of care for patients with chronic illnesses. Nurses should be concerned with several issues that affect patient safety and quality of care as the reliance on family caregiving grows. Improvement can be obtained through communication and caregiver support to strengthen caregiver competency and teach caregivers new skills that will enhance patient safety. Previous interventions and studies have shown improved caregiver outcomes when nurses are involved, but more research is needed. There is more to be learned about the effect of family caregivers on patient outcomes and areas of concern for patient safety. Nurses continue to play an important role in helping family caregivers become more confident and competent providers as they engage in the health care process».

306 A título de exemplo, pense-se no caso das pessoas acamadas, que devem ser mobilizadas pelo cuidador de

duas em duas horas, com a finalidade de prevenir o surgimento de úlceras de pressão ou a atenção que os pais de uma criança epilética devem ter à quantidade de tempo que ela interage com a televisão ou o computador, uma vez que tais estímulos, se prolongados, são nocivos.

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«[utilizar] técnicas próprias da profissão de enfermagem com vista à manutenção e recuperação das funções vitais, nomeadamente respiração, alimentação, eliminação, circulação, comunicação, integridade cutânea e mobilidade»307 e «[proceder] ao ensino do utente

sobre a administração e utilização de medicamentos ou tratamentos».308

Na grande maioria das vezes, também são estas as competências que os cuidadores informais têm de adquirir, sendo por isso da alçada daqueles profissionais de saúde a transmissão das informações e orientações necessárias à prestações destes cuidados.

A base legal da partilha de informação com os cuidadores informais pode encontrar-se no artigo 85º do EOE, que rege o dever de sigilo, e segundo o qual o enfermeiro tem o dever de partilhar informação pertinente apenas com aqueles que estão implicados no plano terapêutico.309 Parece-nos, de resto, que apesar de ser esta uma norma

deontológica dos enfermeiros, sempre se deverá ter em conta que a partilha da informação é uma condição essencial do trabalho em equipa, situação cada vez mais comum em contextos de saúde.310 Adotando um

conceito abrangente de equipa de saúde, torna-se muito claro que o cuidador informal também está implicado no plano terapêutico, assumindo até uma função essencial e insubstituível na prestação de cuidados de saúde à pessoa doente e no consequente sucesso da terapêutica.

Por último, é de salientar que existe ainda uma condição à própria constituição dos cuidadores informais, que é o consentimento do

307 Artigo 9º, nº 4, alínea c) do REPE. São estas as técnicas fundamentais para a manutenção da qualidade de

vida ao domicílio e que, muitas vezes, terão de ser aprendidas pelos cuidadores informais.

308 Artigo 9º, nº 4, alínea g) do REPE. Nos casos em que o utente não seja capaz de tal aprendizagem, dever-se-

á proceder a uma interpretação extensiva da letra do articulado, de maneira a abranger os cuidadores.

309 É este, de resto, o entendimento do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, expresso no Parecer

nº 194/2010: «Mesmo perante os familiares, só poderá haver quebra de sigilo se forem preenchidos os requisitos desta alínea [artigo 85º-b)]. Ou seja, apenas se estiverem implicados no plano terapêutico, por exemplo sendo cuidadores informais, mas tendo em conta proporcionar bem-estar ou proteger os direitos da pessoa cuidada».

310 Toda a equipa de saúde está, portanto, sujeita a um princípio de confidencialidade das informações

recebidas, como resulta ainda dos artigos 101ºdo EOF, 86º, nº 2, alínea d) do CDOM, 21º do CDOMD e 2.10 do CDOP.

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paciente. Ainda que este precise de cuidados no seu domicílio, não poderá ser obrigado a aceitar um cuidador que não deseja. Por outro lado, se quiser esses cuidados e se aceitar o cuidador, terá de consentir também na partilha da informação relevante para que os cuidados sejam prestados com qualidade.

3. A transmissão da informação entre os membros da equipa de