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O acesso pelos utentes dos serviços de saúde

DO DIREITO À INFORMAÇÃO EM SAÚDE

4. Excurso: o segredo profissional e os seus limites

1.2. O acesso à informação de saúde

1.2.2. O acesso pelos utentes dos serviços de saúde

Também o utente dos serviços de saúde tem, por princípio, direito de consultar a informação de saúde que a ele respeita.370 Na verdade,

recordamos que é ele o titular dessa informação, conforme dispõe o artigo 3º, nº 1 da LIS. No entanto, o nº 3 do mesmo preceito condiciona o acesso ao processo clínico à mediação de um médico, escolhido pelo titular da informação, o que é confirmado pelo artigo 11º, nº 5 da LPD. Parece-nos que a intenção do legislador terá sido garantir que o utente compreende a informação contida no processo clínico. No entanto, não

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podemos deixar de considerar que se trata de uma solução manifestamente paternalista e, de certo modo, desprovida de sentido, se considerarmos, como já foi dito, que o processo clínico não contém apenas registos médicos.

Neste sentido, parece-nos muito mais adequada a disposição contida no artigo 7º da LADA, que deixa à consideração do requerente solicitar ou não a participação de um médico na consulta dos dados de saúde. Sendo este diploma mais recente do que a Lei de Informação de Saúde, sempre que o processo clínico seja, simultaneamente, um documento administrativo,371 aplicar-se-á este preceito. Para as instituições de saúde

privadas, vigora o referido artigo da LIS, o que cria um regime de desigualdade injustificada.372

Independentemente destas considerações, é de louvar que o legislador tenha dotado o utente dos serviços de saúde da possibilidade de consulta do seu processo clínico acompanhado de um médico da sua escolha, ao invés do médico que fez os registos. Na verdade, só assim se garante que, por exemplo, em caso de suspeitas de má prática profissional, o utente tem um acesso independente ao processo, sem eventuais influências do profissional de saúde que quer responsabilizar. Deste modo, o artigo 100º, nº 4 do CDOM373 terá de ser interpretado em atenção a estas

normas, podendo sempre o paciente consultar o processo acompanhado de médico da sua escolha, ou até sozinho, nos casos em que seja aplicável a LADA.

371 Nos termos do artigo 3º, nº 1, alínea a) da LADA, um documento administrativo é «qualquer suporte de

informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome».

372 No mesmo sentido, veja-se o documento sobre o Estado da Arte do Registo de Saúde Eletrónico, p. 78.

373 Dispõe este artigo que o «doente tem direito a conhecer a informação registada no seu processo clínico, a

qual lhe será transmitida, se requerida, pelo próprio médico assistente ou, no caso de instituição de saúde, por médico designado pelo doente para este efeito».

169 1.2.3. O acesso por terceiros

A informação de saúde é composta por dados sensíveis, por isso, o seu acesso por terceiros está limitado pelo direito à reserva da vida privada da pessoa a quem respeitam os dados. Também aqui se distinguem dois regimes, um para o caso da informação clínica estar contida em contida em documentos administrativos e outro para as situações em que não está.

Relativamente ao primeiro caso, nos termos dos artigos 268º, nº 2 da CRP e 5º da LADA, todas as pessoas têm o direito de aceder a documentos administrativos, independentemente de demonstrarem ter um interesse na sua consulta. No entanto, os documentos administrativos que contenham dados sensíveis são chamados “documentos nominativos” (artigo 3º, nº 1, alínea b) da LADA) e o regime aplicável é diferente.

Por regra, os terceiros não têm direito de aceder a documentos administrativos nominativos. Todavia, de modo excecional, o acesso é permitido sempre que, por um lado, haja consentimento do titular da informação de saúde ou, por outro, o terceiro demonstre ter um interesse direto, pessoal e legítimo no acesso a tais documentos (artigo 3º, nº 3 e artigo da LADA), não podendo a informação ser utilizada para fins diversos dos que determinaram o acesso (artigo 8º, nº 2 da LADA).

No caso de a informação estar depositada em entidades privadas, aplica-se o disposto nos artigos 3º, nº 2 e 3 e artigo 4º, nº 2 da LIS. Aí se determina que o titular da informação de saúde pode autorizar a sua comunicação a terceiros, aplicando-se as mesmas regras que se destinam ao acesso por parte do utente (exceto, por motivos lógicos, a exceção do privilégio terapêutico).

Especificamente no artigo 4º, nº 2 da LIS esclarece-se a existência de um dever que impende sobre as unidades do sistema de saúde de impedir o acesso indevido de terceiros aos processos clínicos e aos sistemas informáticos que contenham informações de saúde. Este

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também é um aspeto do dever de guardar segredo que impende sobre os profissionais de saúde.374

Uma vez mais, recorremos aos pareceres do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros para ilustrar o regime jurídico aplicável.

Com efeito, no parecer nº 20/2001, coloca-se a questão de saber se a passagem de turno de enfermagem, quando efetuada junto a um doente que está numa enfermaria – portanto, num espaço de grande proximidade física com outros pacientes –, coloca em causa o direito do doente à reserva da vida privada, protegido pelo segredo profissional. O Conselho Jurisdicional determina que a passagem de turno não tem de ser realizada obrigatoriamente num espaço determinado, sendo possível que o enfermeiro veicule alguma informação na presença do doente em enfermaria e complemente tal informação num espaço de trabalho especificamente destinado aos enfermeiros, salientando, sobretudo, que o essencial é garantir, por um lado, os direitos dos utentes à privacidade e confidencialidade e, por outro, a possibilidade de utilização do “privilégio terapêutico”. Conclui-se, portanto, que «o que poderá estar em causa não será o lugar, propriamente dito, mas o conteúdo das informações transmitidas, diante de terceiros».

Também o parecer nº 8/2008 responde a uma questão muito interessante neste domínio, que é a da transmissão de informações por via telefónica a familiares dos utentes. Mais uma vez, o Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros conclui que a decisão só pode ser tomada face ao caso concreto, não se devendo excluir a transmissão da informação pelo simples facto de ser utilizado o telefone, devendo ser salvaguardados os aspetos relativos à identidade do interlocutor e à vontade do paciente.

Por fim, referimos o parecer nº 73/2008, relativo à possibilidade de consulta do processo clínico de um doente por parte de um membro da direção de uma organização de saúde. Nesta situação, trata-se, fundamentalmente, de saber se um membro da instituição de saúde,

374 Veja-se o artigo 102º do EOF, que faz uma referência específica à obrigação de tomar medidas para «evitar

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nomeadamente, um membro da direção, é considerado um terceiro ou se está perante um outro regime de acesso. O Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros considera que a informação de saúde só pode ser partilhada com o utente e com aqueles que estão implicados no plano terapêutico, rejeitando que, por regra, o processo clínico seja consultado «pelas direções de unidades de saúde ou de quaisquer lares ou casas de repouso». No entanto, admite-se que haja uma exceção a esta regra, sempre o acesso à informação de saúde se mostre como imprescindível para o fim que se prossegue e que esse fim lhe incumba por lei, como seja o caso, invocado no parecer, de «um determinado episódio factual [poder] ser suscetível de configurar um ilícito disciplinar ou criminal em virtude da ação ou omissão de um profissional de saúde que exerça a sua profissão na unidade de saúde. Nestes casos, poder-se-á verificar como necessário para o apuramento da verdade material de uma determinada situação concreta o acesso aos dados de saúde de um determinado cliente».