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Obrigação de informar sobre os riscos do ato

DO DIREITO À INFORMAÇÃO EM SAÚDE

1.2. Da positivação do direito à informação

1.2.2. Conteúdo do direito à informação

1.2.2.2. Obrigação de informar sobre os riscos do ato

Além da finalidade do ato, o doente deve conhecer quais os riscos que corre com a prática do mesmo, ou seja, quais as consequências nefastas possíveis, mas incertas, que tal intervenção ou tratamento poderá produzir.

Sucede que nem todos os riscos são iguais. Em primeiro lugar, podemos distinguir os riscos frequentes dos riscos pouco frequentes, sendo os primeiros aqueles cuja verificação ocorre num número elevado de situações análogas e os últimos aqueles cuja ocorrência se limita, estatisticamente, a um ínfimo número de casos. Por outro lado, é possível classificar-se os riscos de acordo com a sua gravidade, encontrando-se assim, num extremo, os riscos que são muito graves, ou seja, cujos os efeitos poderão incluir uma incapacidade física ou psicológica grave e,

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até, a morte, e, no outro extremo, os riscos quase insignificantes, como uma lesão facilmente superável.

É a transmissão da informação ao doente que lhe permite assumir os riscos decorrentes da intervenção a realizar pelo profissional de saúde. Significa isto que numa intervenção não consentida, o profissional de saúde responderá pelos riscos que daí advenham, ainda que a intervenção tenha sido realizada no respeito pelas leges artis. O mesmo não sucederá sempre que o paciente tenha consentido na intervenção ou tratamento. Na verdade, um consentimento válido pressupõe que aquele que consente conhece os riscos que poderão sobrevir ao ato consentido, transferindo-os da esfera jurídica do profissional de saúde para a do paciente, que não poderá, nesse caso, assacar qualquer responsabilidade ao profissional de saúde. 230

O caminho percorrido parece apontar, portanto, no sentido de um dever de informar o paciente acerca de todos os riscos do ato a praticar. Porém, parece-nos que outras razões se poderão invocar para que o profissional de saúde não proceda sempre desse modo, sem que tal prática leve a uma responsabilização.

Na verdade, há muitos riscos que são de baixíssima frequência. A transmissão de toda a informação acerca de determinados atos terapêuticos seria de tal modo volumosa e complexa que muitos pacientes teriam dificuldade em decidir, sobretudo porque poderiam não compreender o verdadeiro peso de cada risco, face à sua frequência.231

Por estes motivos, parece-nos ser defensável que a informação

230 Vd. HIERRO, José Manuel Fernández – op. cit., p. 192-193; SANCHÉZ, Juan J. Bonilla – op. cit., p. 217: «Si el

paciente, convenientemente informado, presta su consentimento libre y sin vicio al ato médico, quedaría obligado a soportar los daños que acaezcan, si son consecuencia de los riesgos ordinários de la intervención o del tratamento empreendidos»..

231 Cf. PEREIRA, André Gonçalo Dias – O Consentimento Informado na Experiência Europeia, in Estudo Geral:

repositório digital da Universidade de Coimbra [em linha], [consul. 2011-06-08]. Disponível na www: <URL: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/14549/1/Aspetos%20do%20consentimento%20informado%2 0e%20do%20testamento%20Vital%20Andr%C3%A9%20Pereira%20Ribeir%C3%A3o%20Preto.pdf> , p. 10-11.

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transmitida não inclua os riscos muito graves, cuja possível concretização seja estatisticamente muito baixa.232

Reiteramos, contudo, que o que aqui impera é um critério do paciente concreto e do respeito pela sua autonomia e pelo seu direito à informação, pelo que se o mesmo requerer ao profissional de saúde a informação sobre todos os riscos, inclusivamente os riscos muito pouco frequentes, mas graves, sempre impenderá sobre aquele profissional a obrigação de prestar essa informação.

Afigura-se pertinente notar ainda que a gravidade dos riscos é um conceito que, também ele, carece de concretização. Significa isto que só perante o paciente concreto poderá o profissional de saúde aferir se um determinado risco é, ou não, grave. Para tal concretização, é necessário atender a dois aspetos distintos.

Em primeiro lugar, é necessário perceber se as características específicas de um determinado utente – como a obesidade, problemas

232 Ademais, parece ser esta a prática. Pense-se, por exemplo, no caso da vacina contra o sarampo, em que a

presença de púrpura trombocitopénica, após a vacinação com a vacina tripla (que inclui sarampo), em estudos prospetivos, tem variado de 1 caso para 30 mil vacinados na Finlândia e Grã-Bretanha a 1 caso para 40 mil vacinados na Suécia. Estudos efetuados através do sistema de vigilância passiva no Canadá e na França registraram a incidência de 1 caso por 100 mil doses distribuídas e 1 caso por 1 milhão de doses distribuídas nos Estados Unidos. Segundo Landrigan e Witte o risco de ocorrência de encefalite e encefalopatia, nos primeiros 30 dias após a vacina é de aproximadamente 1 caso / 1.000.000 doses. As primeiras manifestações clínicas iniciaram-se entre o 1º e 25º dia após a vacinação, sendo a maioria (76%) entre o 6º e 15º dia. No período de 1979 a 1984, o CDC registrou um índice de 0,3/1.000.000 doses, este índice é inferior ao índice de casos de doença neurológica grave de etiologia desconhecida em crianças não imunizadas da mesma faixa etária, sugerindo que o que realmente ocorre é uma associação temporal. A ocorrência de encefalite e encefalopatia após a doença natural é de 1/1.000 a ½/1.000 casos.

Em relação aos casos de panencefalite esclerosante subaguda (PEESA) pós-vacinal (sarampo), não há dados epidemiológicos documentados que realmente comprovem o risco vacinal. Entretanto há casos de PEESA em crianças sem história de doença natural e que receberam a vacina. Alguns destes casos podem ter resultado de um sarampo não diagnosticado mas também podem ser devidos à vacinação. Nos EUA, com bases em estimativas nacionais de morbidade de sarampo e distribuição de vacina, o risco de PEESA pós vacinal é de 0,7 caso / 1.000.000 de doses e após a doença natural é de 8,5/1.000.000 casos de sarampo. Há relatos também de outras manifestações neurológicas do tipo ataxia, mielite transversa, meningite asséptica, paralisia ascendente, paralisia do oculomotor, neurite óptica, síndrome de Reye, síndrome de Guillain Barré e retinopatia, mas essas são somente associações temporais com a vacina contra o sarampo. Cf. Manual de Vigilância Epidemiológica dos Eventos Adversos Pós-Vacinação, Organizada pela Coordenação de Imunizações de Auto-Suficiência em Imunobiológicos, Brasília, Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, 1998, p. 32-34.

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vasculares ou condicionantes genéticas – poderão tornar previsíveis riscos que, à partida, não o seriam.

Num segundo momento, é indispensável ponderar a gravidade de um certo risco para o paciente concreto. De facto, a gravidade traduz-se nas consequências nefastas que o ato poderá ter na vida do indivíduo que se submete à terapêutica proposta. Assim, se o risco de um determinado tratamento é, por exemplo, uma alteração do paladar, isso poderá constituir um risco grave para o paciente cuja profissão implica a prova de vinhos, mas já ser um risco relativamente insignificante para outros doentes. São estes os chamados “riscos personalizáveis”.233

Questão diferente é a que se coloca em relação aos riscos atípicos, ou seja, aqueles que não estão diretamente relacionados com a intervenção a realizar e que são, por isso, imprevisíveis. Parece-nos evidente que não haverá uma obrigação de informação neste caso, pois tal constituiria um ilogismo: se tal risco é, por definição, imprevisível face a uma dada terapêutica, como poderia o profissional de saúde informar o paciente sobre um risco que não previu nem deveria ter previsto?234