DO DIREITO À INFORMAÇÃO EM SAÚDE
1.2. Da positivação do direito à informação
1.2.1. Enquadramento normativo do direito à informação
1.2.1.2. Direito interno
1.2.1.2.3. O dever de informar como obrigação deontológica
Independentemente de considerações de direito penal e civil, note-se que o dever de informar os pacientes também decorre dos preceitos deontológicos que regem os profissionais de saúde. Na verdade, grande parte das profissões que atuam no âmbito da saúde, como a medicina, a enfermagem ou a psicologia, regem-se por códigos deontológicos, que positivam os valores éticos inerentes ao exercício de tais profissões.209
De facto, trata-se de profissões com grande relevo social, ou seja, a própria sociedade tem interesse em que estes profissionais exerçam com a diligência e o cuidado devido aquilo que deles é esperado. É na resposta fiel aos anseios da sociedade que se há de tecer a confiança imprescindível à própria existência das profissões liberais.210 Aliás, só a
premência de tal exigência, acrescida do facto de se tratar de profissões que podem ser exercidas em regime liberal, justificam a criação das
207 Pense-se no caso da medicina do trabalho ou da assistência médica decorrente de um acordo celebrado
entre uma empresa e uma instituição privada de saúde. Para um maior desenvolvimento, vd. ALMEIDA, Carlos
Ferreira de – op. cit., pp. 85 ss.
208 Vd. SOUSA, Miguel Teixeira de – Sobre o ónus da prova nas ações de responsabilidade médica, in «Direito da
Saúde e Bioética», Lisboa, AAFDL, 1996, p. 128.
209 Leia-se DEODATO, Sérgio – Responsabilidade Profissional em Enfermagem: Valoração da Sociedade,
Coimbra, Almedina, 2008, p. 66: «Inserindo-se numa Ética ligada ao exercício de cada profissão, que integre princípios e valores relativos à pessoa do profissional e dos destinatários da atividade profissional, os deveres profissionais materializam as promessas de uns perante os outros. Ultrapassam a componente obrigacional inerente a uma relação contratual com a entidade empregadora e fundam-se num agir ético de uma relação onde emergem a dignidade dos intervenientes. Assim, os deveres de cada profissional serão identificados no âmbito da própria profissão, concretizando o esperado para o profissional, conforme ao compromisso assumido».
210 NETO, Luísa – A atividade médica e o direito, in Repositório Aberto da Universidade do Porto [em linha],
[consult. 2012-01-23]. Disponível na www: <URL: http://repositorio-
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Ordens Profissionais, que hoje em dia regulam o seu exercício profissional.211
Com efeito, o poder disciplinar – a que os trabalhadores estão submetidos – cabe à entidade empregadora. Todavia, no caso das profissões reguladas por uma Ordem Profissional, incumbe também à respetiva Ordem o exercício desse mesmo poder, no âmbito de uma devolução de poderes por parte do Estado,212 punindo-se deste modo o
incumprimento dos deveres deontológicos a que os profissionais se obrigam.
Destarte, encontramos, nos códigos deontológicos de cada profissão de saúde213 regulada, artigos ou princípios214 que prescrevem indicações
acerca do conteúdo da informação a transmitir,215 bem como o momento
da transmissão216 e o seu modo.217 É ainda contemplado o direito do
paciente a não receber informações218 e é possível encontrar-se algumas
211 DEODATO, Sérgio – Responsabilidade…, p. 65.
212 Idem, ibidem, p. 68.
213 É pertinente notar que o valor jurídico destes diplomas não é igual em todas as profissões. Com efeito, a
Ordem dos Enfermeiros e a Ordem dos Farmacêuticos têm os seus Códigos Deontológicos integrados nos respetivos Estatutos e estes foram aprovados, respetivamente, pelo Decreto-Lei nº 104/98 de 21 de abril e pelo Decreto-Lei nº 288/2001, de 10 de novembro. Já a Ordem dos Médicos, cujo código anterior tinha sido aprovado internamente, viu o novo código publicado em Diário da República, 2ª série, nº 8, de 13 de janeiro de 2009, sob a forma de Regulamento (Regulamento nº 14/2009), o que não deixa de causar algum espanto,
considerando as matérias que aí são tratadas. Neste sentido, vd. PEREIRA, André Gonçalo Dias – O dever de
sigilo do médico: um roteiro da lei portuguesa, in «Revista Portuguesa do Dano Corporal», nº 19, 2009, p. 25:
«Não será isento de reparos a forma legal – regulamento – escolhida para trazer ao Diário da República este importante documento normativo, na medida em que versa, limita e condiciona o exercício de direitos, liberdades e garantias, os quais nos termos do art. 18.º da CRP deveriam ser regulados por uma lei em sentido formal». Também o CDOP assume esta forma, no Regulamento nº 258/2011, publicado na 2ª série do Diário da República, nº 78, a 20 de abril de 2011. Já o CDOMD constitui, do ponto de vista formal, um Regulamento interno (Regulamento interno nº 2/99, publicado em Diário da República – II Serie, nº 143, de 22 de junho, alterado pelo Regulamento interno nº 4/2006, publicado em DR-II Serie nº 103, de 29 de maio).
214 Com efeito, o CDOP não foi redigido em articulado, mas sob a forma de princípios. Para o nosso estudo, o
que mais releva é Princípio específico 1 – Consentimento informado, no âmbito do qual se pode ler, no ponto 1.1. «No contexto da sua atividade, os/as psicólogos/as fornecem informação aos seus clientes e asseguram a sua compreensão. Essa informação diz respeito às suas ações profissionais, procedimentos e consequências prováveis, confidencialidade da informação recolhida e limites éticos e legais da mesma».
215 Artigo 44º nº 1 e nº 5 do CDOM, artigo 84º-al. a) e d) e 85º-b) do EOE, Princípio 1 do CDOP, artigo 87º-al b)
do EOF e artigo 17º nº 1 do CDOMD.
216 Artigo 44º nº 2 do CDOM, podendo também considerar-se integrado no artigo 84º-c) do EOE.
217 Artigo 44ºnº 3 e nº 4 e artigo 50º do CDOM, artigo 84º-c) do EOE.
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referências aos familiares dos doentes,219 ao segredo profissional220 e ao
tratamento da informação de saúde.221
Do ponto de vista do direito estrangeiro, destaca-se a solução espanhola, plasmada no artigo 5, nº 1, alínea c) da Ley 44/2003, de 21 de novembro. Este diploma tem por objetivo regular todas as profissões de saúde, estabelecendo determinados preceitos a respeitar na relação com os utentes. Aí se estatui que os profissionais de saúde têm o dever de respeitar a participação dos pacientes na tomada de decisão que os afeta e, «en todo caso, deben ofrecer una información suficiente y adecuada para que aquéllos puedan ejercer su derecho al consentimiento sobre dichas decisiones».