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Para tratar dos temas propostos, optou-se por analisar documentos legais,

14 Em fala na aula da disciplina Metodologia de Projeto II, ministrada pela Profa. Dra. Ana Lúcia Pasto- re Schritzmeyer, no segundo semestre de 2009.

como decretos, anteprojetos de leis, regulamentos e leis vigentes; artigos e relatórios publicados em periódicos temáticos; obras de autores que, em alguma medida, tra- taram do tema; discursos proferidos por atores envolvidos na elaboração das insti- tuições em questão; cartas e outros relatos das Irmãs do Bom Pastor d’ Angers; fo- tografias de diversas origens; anuários do Serviço de Estatística Policial do Estado de São Paulo; bem como a realização de entrevistas. A busca pela documentação foi feita, dentre outros, em bibliotecas, arquivos, museus e na internet. Merecem desta- que a Biblioteca Nacional; Bibliotecas da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul; Museu Penitenciário de São Paulo; e Centro de Estudos e Pesquisas da Escola de Gestão Penitenciária do Esta- do do Rio de Janeiro.

Em um primeiro momento fez-se um levantamento exploratório de todos os periódicos brasileiros que tratavam de criminologia, penitenciarismo, direito pe- nal, medicina forense e temas correlatos. A seguir, fez-se uma triagem por data, es- colhendo aqueles cujos primeiros volumes foram lançados entre 1920 e 1940. Fo- ram selecionados os seguintes periódicos: Revista de Criminologia e Medicina Legal, Revista de Criminologia, Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, Revista Penal e Penitenciária, Arquivos Penitenciários do Brasil e A Estrela – Orgão da Peni-

tenciária Central do Distrito Federal. Então, foram reunidos todos os periódicos15 e

realizada uma detalhada análise de seus sumários, de modo a selecionar artigos, ca- sos, debates, análises doutrinárias, relatos, apreciações acerca da legislação, análise de casos criminais e jurisprudências que tratassem dos seguintes temas: história da cri- minologia no Brasil, sistema carcerário nacional, teoria criminológica, encarceramen- to feminino, presídios femininos, mulheres presas, crimes cometidos por mulheres e mulher e sociedade. Privilegiou-se dois periódicos para uma análise mais aprofun- dada, uma vez que ambos, cada um à sua maneira, tinham a questão penitenciária 15 A coleção quase completa da revista A Estrela e alguns volumes dos Arquivos Penitenciários do Brasil foram encontrados na Biblioteca Nacional, tendo sido os conteúdos desses periódicos microfilmados para a aná- lise aprofundada que o presente trabalho exigiu.

ALGUNS FRONTISPÍCIOS D’ A ESTRELA E DOS ARQUIVOS PENITENCIÁRIOS DO BRASIL. SEMPRE ILUSTRADAS COM FOTOGRAFIAS OU DESENHOS, AS CAPAS D’ A ESTRELA

REFLETEM O “ENTUSIASMO PENITENCIÁRIO” DAS DÉCADAS DE 1940 E 1950

como tema central, bem como apresentavam conteúdo referente a questões envol- vendo criminalidade feminina e instituições prisionais para mulheres: os Arquivos Penitenciários do Brasil e a revista A Estrela. Foram analisados também artigos es- parsos publicados em periódicos da época, como os Arquivos da Polícia Civil de São Paulo, a Revista Penal e Penitenciária e os Arquivos da Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo.

Publicação considerada “Órgão do Conselho Penitenciário do Distrito Fe-

deral e da Inspetoria Geral Penitenciária16”, pertencente ao Ministério da Justiça e

Negócios Interiores, a Arquivos Penitenciários do Brasil foi impressa pela primeira vez em 1940. Catalogada na Biblioteca Nacional, sob os seguintes assuntos: I) prisões; II) crime e criminosos; III) direito penitenciário; e IV) direito penal; teve ao todo

doze volumes publicados, sendo o primeiro de 1940 e o último de 195817.

Seus primeiros redatores – muitos deles mantidos na elaboração da maioria dos volumes – foram: Lemos Britto, então presidente do Conselho Penitenciário do Distrito Federal, inspetor geral penitenciário, ex-professor de Direito nas faculdades de Direito e de Engenharia da Bahia, contratado da Faculdade Nacional de Direito e presidente da Sociedade Brasileira de Criminologia; Roberto Lyra, livre-docente da Faculdade Nacional de Direito, professor catedrático da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, promotor de justiça e conselheiro; Heitor Carrilho, conselheiro, livre do- cente na faculdade Nacional de Medicina, professor Catedrático da Faculdade Flu- 16 O Decreto Nº 16. 665, de Novembro de 1924, criou o Conselho Penitenciário. Cândido Mendes, seu primeiro presidente, ressaltou em discurso a importância da criação do Conselho, pois “no Brasil, mais que em nenhum outro país, infelizmente, não temos regime penitenciário. Fora o que verificara entristecido o Dr. Lemos Britto, há pouco incumbido pelo governo de percorrer as prisões do Brasil, apresentando trabalho notável, tanto na sua parte teórica, quanto na parte prática, de observações diretas feitas pelo ilustre jurista. Por esse trabalho, se verá que nos envergonha o que está sendo produzido em matéria penitenciária no Brasil. Forçoso é criar para nós, atendendo à índole dos nossos criminosos, um regime especial” (p. 264). O Conselho tinha como função elaborar propostas que viabilizassem a reforma carcerária, bem como “verificar a conveniência da concessão de li- vramento condicional; tratar de liberdade vigiada (em caso de menores delinquentes); manifestar-se sobre graça, indulto e comutação de pena”. Já a Inspetoria Penitenciária foi criada pelo Governo Federal que, “com o intuito de obter recursos financeiros para a efetivação das reformas penais, criou o selo penitenciário, bem como a inspe- toria geral, por decreto nº 24.797 de 14 de julho de 1934. O decreto 1.441 de 8 de fevereiro de 1937 regulamen- tou esse decreto, tratando da organização da inspetoria” (Volume I, Números 1 e 2, 1º e 2º trimestre de 1940). 17 São eles: 1) - 01/1940 a 06/1940; 2) - 07/1940 a 09/1940; 3) - 10/1940 a 12/1940; 4) - 01/1941 a 03/1941; 5) - 04/1941 a 09/1941; 6) - 10/1941 a 12/1941; 7) - 01/1942 a 06/1942; 08) - 07/1942 a 12/1942; 09) - 01/1943 a 12/1943; 10) - 01/1944 a 12/1944; 11) - 01/1945 a 12/1945; 12) - 01/1958 a 12/1958.

minense de Medicina e Diretor do Manicômio Judiciário; e Armando Costa, secre- tário geral do Conselho Penitenciário e professor da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas. De acordo com o editorial do primeiro volume, a revista objetivava

(...) reunir e difundir toda a matéria concernente ao direito e à prática penitenciária atra- vés dos estudos doutrinários, dos pareceres dos conselhos, dos conselhos e acórdãos dos tribunais, bem como a familiarizar os nossos administradores de estabelecimentos penais e especialistas da matéria em apreço com as leis e realizações dos demais povos (APB, 1940, p. 22)

Ainda segundo o editorial, o periódico deveria conter “artigos de doutrina e crítica, conferências, pareceres, sentenças e acórdãos, resoluções governamentais, no- ticiário relativo aos estabelecimentos penitenciários nacionais e estrangeiros, projetos e planos, plantas e fotografias e resenhas bibliográficas” (APB, 1940, p. 22). Distri- buída para os Conselhos Penitenciários estaduais, para estabelecimentos prisionais, para faculdades de Direito e Medicina e diversos órgãos públicos, a publicação di- vulgava os trabalhos dos Conselhos e das Inspetorias brasileiros, em especial aqueles do Distrito Federal. Apesar de se tratar de um periódico vinculado a um órgão ofi- cial, foi grata a surpresa de perceber que não tem um ponto de vista único e que um mesmo volume contém artigos que são contraditórios no plano teórico, mostrando encampar ideias conflitantes. Ainda, os pareceres sobre alguns presídios brasileiros são extremamente críticos, mostrando a situação dos cárceres nacionais.

Questões de fundo, tanto teóricas quanto práticas, ocupavam espaço privile- giado da revista: qual seria a melhor teoria para explicar o delito; se deveria ou não haver um foco especial no delinquente; se seria correta a abordagem sociológica do crime; qual a fórmula ideal para o bom funcionamento dos estabelecimentos prisio- nais, dentre outras. Em relação a esta pesquisa, essas discussões de fundo chamam a atenção, na medida em que traçam um panorama do debate e da prática prisional na época, bem como abordam a situação prisional feminina.

A Estrela18, boletim mensal da Penitenciária Central do Distrito Federal, à

qual estava submetida a Penitenciária de Mulheres de Bangu, contém artigos de fun- cionários, presidiários, juristas, jornalistas e outros. Foi lançado pela primeira vez em outubro de 1944, na primeira gestão de Victorio Caneppa como diretor da Peniten- ciária Central do Distrito Federal. Foi um jornalzinho de 1944 e 1945 e durante os anos de 1946 a 1950 não circulou, pois foi o período em que outro diretor substi- tuiu Caneppa, que retomou o cargo em 1950. Extremamente centrado na figura do diretor, o boletim assume o papel de cartão de visitas da penitenciária, que aparece sempre como local humanizado, centrado na recuperação social do detento. O tom da revista e a maneira como o diretor é retratado pode ser percebido pelo texto do editorial de maio de 1951:

A ESTRELA esteve presa também. Agora que já crescemos, já evoluímos, somos uma revista! (...) A ESTRELA, entretanto, não tinha morrido, porque ainda está vivo Victó- rio Caneppa, o astrônomo que a descobriu. Ele usa um possante telescópio, e não nos admiremos se um dia chegarmos a ser um SOL, porque o SOL é uma estrela (AE, maio de 1951, s/p19)

Periódico comercializado com o objetivo de arrecadar dinheiro para dar as- sistência social à família do encarcerado, era enviado para assinantes pelos Correios e/ou vendido individualmente. Além disso, trazia em suas páginas anúncios de pro-

18 Foram analisados todos os 24 volumes presentes no acervo da Biblioteca Nacional, que agrega quase todas as publicações de A Estrela. São eles: Ano II, 31 de janeiro de 1945; Ano II, 30 de junho de 1945; Ano II, 30 de novembro de 1945; Ano II, 24 de dezembro de 1945; Abril de 1951; Edição Especial sobre a Penitenci- ária Central; Ano 1, junho de 1951, Nº3; Ano 1, outubro de 1951; Ano 1, novembro e dezembro de 1951 (Nº 7 E 8), ano I; Ano I, janeiro de 1952, Nº 9; Ano II, fevereiro e março de 1952, Nº 9; Ano II, maio e junho de 1952, Nº 13 e 14; Ano II, julho e setembro de 1952, Nº 15 e 17; A Estrela, ano II, Rio de Janeiro, outubro de 1952, Nº 18; Ano II, novembro/dezembro de 1952, Nº 19 e 20; Ano III, Janeiro/fevereiro de 1953, Nº 21 e 22; Ano III, março/abril de 1953, Nº 23-24; Ano III, maio/junho de 1953, Nº 25 e 26; Ano III, julho/agosto/se- tembro de 1953, Nº 27,28 E 29; Ano III, /novembro/dezembro de 1953, Nº 30,31 E 32; Ano IV, Rio de Janei- ro, janeiro e fevereiro de 1954, Nº 33 e 34 Ano IV, março, abril e maio de 1954, Nº 35, 36 e 37 ; Ano IV, junho e julho de 1954, Nº 38 e 39; Ano V, agosto a fevereiro de 1954/1955, Nº 40/46.

19 Alguns documentos pesquisados, em especial A Estrela, por vezes não têm números de páginas, seja por- que estão apagadas, ou por não terem sido numeradas.

dutos – como vassouras, roupas e refrigerantes. Poucos artigos científicos reprodu- zidos na revista dividiam espaço com colunas sobre literatura, páginas de jogos e passatempos, notícias sobre o sistema prisional, descrição de eventos ocorridos na penitenciária e fotografias de ambientes prisionais, debates jurídicos, notícias espor- tivas, discursos de autoridades e anúncios. Quase todos os volumes apresentavam pe- didos de colaboração de artigos para estudantes de Direito e profissionais da área, bem como para radialistas esportivos e outros. Era editada e impressa pelo jornal ca- rioca O Globo.

“Dar voz” ao preso era uma das bandeiras da revista, que tinha muitos tex- tos escritos por presidiários, em geral assinados com suas iniciais e o número de suas identidades prisionais. “A Estrela tem a colaboração dos sentenciados que abrem suas almas, contam suas esperanças, tristezas e recordações”, ressalta um dos inúme- ros trechos sobre a participação direta dos detentos (AE, nov/dez de 1952, s/p). Um editorial de 1944 afirma que:

fundado por Victório Caneppa, o dinâmico diretor da Penitenciária Central do Distrito Federal, circula hoje, mais um número de “A Estrela” mensário que se propõe a acolher e defender os interesses e aspirações dos sentenciados. Como acertadamente disse Rober- to Lyra, em lapidar conceito emitido nas colunas desse jornal, a falta de um órgão nesses moldes era lacuna que não mais podia substituir. Quem melhor que o próprio encarcera- do poderá indicar aquilo de que mais carece? Para que legislar, decretar; para que confe- rências penitenciárias se àquele mais fundamentalmente visado por essas medidas é recu- sado o direito de falar, e quando os seus mais justos anseios devem ser recalcados? Nome mais sugestivo não pudera ser dado a esse periódico: “estrela” evoca alegria, um raio de luz nas trevas, esperança em melhores dias. (AE, jan de 1945, p.2)

Em 1951, um artigo que tratava do primeiro número da revista, ao remon- tar à fundação de A Estrela e sua razão de ser, explica o nome dado à revista e reve- rencia figuras como Caneppa e Getúlio Vargas, em um tom próprio da maioria das colunas publicadas:

ao ter a feliz iniciativa de suprimir a ignomínia que representava o número ostensivo no uniforme dos sentenciados da Penitenciária Central por uma estrela correspondente ao grau de comportamento de cada um – ótimo, bom e regular – talvez estivesse muito longe o seu diretor, o digno 1º tenente do glorioso exército nacional, Victório Caneppa, de pensar na simpática afinidade que essa tão oportuna medida tinha não só para com o mais impressionante passado que enriqueceu a história, sagrada, como a própria nature- za que nos colocou sob o auspício da formosa constelação do Cruzeiro do Sul, e ainda nos nossos tempos, da bela estrela que conduziu o maior estadista produzido pelo Brasil, à segura conquista de sua verdadeira e mesmo assombrosa propriedade. Sim, foi aos reis magos que a Estrela do Oriente conduziu ao encontro daquele que devia ser o Apóstolo Supremo do Bem, personificado no amor e na caridade – o meigo Jesus, o Cristo Reden- tor; foi ao nosso rico, generoso e tão cobiçado Brasil que o Cruzeiro do Sul quis servir de teto, e foi à boa estrela do grande presidente Vargas que o destino confiou: a desco- berta e o aproveitamento das nossas incalculáveis riquezas sub-solares; a marcha para o Oeste e o povoamento dos Sertões; as modernas conquistas que, pondo a greve fora da Lei, congraçaram os elementos do trabalho com as classes conservadoras, a humanização da justiça e o amparo e tratamento condigno dos infelizes e deserdados da sorte que ou- trora, na expressão da justa revolta do ex-ministro da justiça, o grande jurista Dr. Fran- cisco de Campos – “eram os mortos vivos”! (Abril de 1951, s/p)

A religião e a fé sempre aparecem como elementos essenciais à recuperação do condenado e as metáforas bíblicas, como as presentes no trecho acima, são recor- rentes. A revista tinha um objetivo claro de propagandear o trabalho praticado na penitenciária, passando a imagem de um local humano, limpo, bem cuidado, respei- tado e “civilizado”. A própria proposta de “dar voz” ao encarcerado era uma forma de mostrar à comunidade que na Penitenciária Central do Distrito Federal o presidiário era respeitado, ao ponto de poder se comunicar com o mundo exterior por meio de um jornal. O tom festivo com o qual os eventos ocorridos na Penitenciária são no- ticiados é um exemplo da maneira como se queria mostrar esse espaço. Campanhas

em prol da família do detento, peças teatrais e apresentações da banda penitenciá- ria; competições de futebol entre os times da penitenciária e entre estes e times ex- ternos; festas e cerimônias que contavam com a presença de visitantes e autoridades – todos os eventos recebiam grande destaque nas páginas d’A Estrela.

A presença das mulheres presas no periódico é bem menor que a dos ho- mens. O fato de a revista ser produzida na penitenciária masculina, sede da dire- toria e da administração geral das unidades ligadas à Penitenciária Central do Dis-

trito Federal20 justifica, em parte, a pouca participação feminina. Além disso, a

unidade feminina era submetida à direção geral, mas, internamente, era adminis- trada pela Congregação das Irmãs do Bom Pastor d’Angers, o que, em certa medi- da, isolava a unidade feminina das demais. A partir da edição de junho de 1951, uma presidiária passou a contribuir para A Estrela – Dinoráh, presa nº370 – es-

crevendo alguns poemas21 e notícias sobre a Penitenciária Feminina. Apesar da

pouca participação das mulheres na revista, há bastante material sobre a unidade feminina em A Estrela: notícias sobre festas na penitenciária, inaugurações de no- vos espaços, visitas de autoridades e estudantes, aniversário da Madre superiora, descrições do prédio e do funcionamento da penitenciária – material rico para a presente análise.

É notório o fato d’A Estrela ser uma revista parcial, que nunca critica o sis- tema prisional, que vangloria a figura do diretor Caneppa e tem como função prin- cipal apresentar uma imagem específica de um ambiente prisional humanizado. No entanto, isso não invalida o uso, no presente trabalho, de conteúdos da revista, em especial das descrições e relatos sobre a Penitenciária de Mulheres de Bangu, uma vez que a forma como esse espaço é mostrado é de suma relevância para apontar quais elementos foram escolhidos para serem destacados na revista, bem como qual era o ideal de cárcere feminino que se queria compartilhar intra e extramuros.

20 Ligadas à Penitenciária Central do Distrito Federal estavam as seguintes unidades: Penitenciária de Mu- lheres de Bangu e o Sanatório Penal de Bangu (chamados juntos de “setor Bangu”). A Penitenciária Central situ- ava-se na cidade do Rio de Janeiro, e o “setor Bangu” no distrito de Bangu, inaugurados em 1942, a 45 quilôme- tros da capital.

É importante mencionar que as seleções dos artigos publicados em periódi- cos são marcadas por filtros que devem ser levados em consideração. O fato dos Ar- quivos Penitenciários do Brasil serem publicados por um órgão oficial representa um primeiro filtro para o tipo de debate que poderia ser incluído na revista. Assim, não se trata de um periódico que reflete o cotidiano prisional, ou as vivências dos fun- cionários do sistema. Trata-se de um espaço no qual são publicados pareceres feitos por funcionários da inspetoria e artigos escritos por juristas e por diretores de insti- tuições prisionais. Já A Estrela, que pretende ser a “voz dos sentenciados”, é na ver- dade a “voz permitida aos sentenciados”, pois não mostra contradições e críticas ao sistema, mas uma “voz pacificada” de um preso feliz com a possibilidade de estar em um lugar que lhe permitirá uma “reintegração social digna”. Assim, tem-se consci- ência de se estar analisando periódicos com linhas editoriais específicas e objetivos específicos, o que não só valida a análise sobre o contexto e a criação dos presídios femininos no Brasil, como possibilita o exame desse cenário por meio de atores di- retamente envolvidos no processo, como é o caso dos inspetores e conselheiros peni- tenciários, bem como pela ótica de pessoas de dentro do sistema prisional, que mos- tram esse espaço da forma como se gostaria que ele fosse visto.

No material analisado, principalmente nos textos dos Arquivos Penitenciá- rios do Brasil, foi possível verificar que a década de 1940 foi extremamente signifi- cativa para a criminologia e a prática penitenciária brasileira, estando esse contexto presente nas páginas do periódico. Data do primeiro ano da referida década a pro- mulgação do Código Penal; de 1941 a promulgação do Código de Processo Penal e o decreto de criação do Presídio de Mulheres de São Paulo; de 1942 a inauguração do Instituto de Biotipologia na Penitenciária do Estado de São Paulo e a inaugura- ção da Penitenciária de Mulheres do Distrito Federal; ocorreram, ainda, ao longo da década a reforma e construção de diversas penitenciárias nos estados brasileiros e um aprofundado debate sobre reforma prisional e humanização penitenciária. A eferves- cência do debate penitenciário marca as páginas dos Arquivos.

Além dos periódicos, outros documentos foram examinados. Dentre eles o Guia das Internas da Penitenciária de Mulheres do Distrito Federal; inúmeras obras

de Lemos Britto, como A Questão Sexual nas Prisões, de 1934, Adultério, de 1933 e Os Systemas Penitenciários do Brasil, de 1924, além de palestras e discursos do ju- rista; Doutrinas jurídicas do período, como Novo Direito Penal de Roberto Lyra; a obra A Educação da Mulher, do higienista Afrânio Peixoto; duas obras sobre a Con- gregação Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor d’Angers, escritas, respectiva- mente, por uma Irmã e uma simpatizante da Congregação; Diários Oficiais; e obras do antropólogo criminal Cesare Lombroso, em especial La Donna Delinquente, la

Prostituta e la Donna Normale.

Com o objetivo de agregar material e histórias sobre os estabelecimentos prisionais, duas entrevistas foram realizadas, sendo a primeira com Maria da Penha