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Por fim, vale ressaltar o uso de fotografias como fontes documentais visuais utilizadas neste trabalho. Oriundas de diferentes acervos e/ou copiadas dos periódi- cos analisados, as fotografias que, na sua linguagem própria, são fundamentais à aná- lise do objeto proposto, permitiram observar elementos imperceptíveis por outros meios. Quatro grupos distintos de fotografias compõem esta dissertação. São eles: I) fotografias de registro criminal possivelmente das primeiras internas do Presídio de Mulheres de São Paulo; II) imagens presentes nos periódicos analisados, em geral ilustrando artigos sobre o tema em análise, publicadas em volumes das décadas de 1940 e 1950; III) fotografias do Presídio de Mulheres de São Paulo; IV) e conjunto de imagens da Penitenciária Talavera Bruce e do Sanatório Penal, no Rio de Janeiro;

O primeiro conjunto foi encontrado no Museu Penitenciário Paulista24 em

março de 2011, em álbuns sem insígnia específica. Considerando os números de identificação pregados nas roupas das fotografadas e o uniforme utilizado, é possí- vel supor que são registros das primeiras presas do Presídio de Mulheres de São Pau- lo. Em geral havia em cada página dos álbuns 12 fotografias, assim distribuídas: um retrato de frente e outro de perfil da presidiária, com roupas próprias e, ao lado, um retrato de frente e outro de perfil da mesma com uniforme do presídio, cabendo em cada página três séries dessas, de três diferentes mulheres. São fotografias classificató- rias ou tipológicas, utilizadas pela antropometria desde o final do século XIX, com o enquadramento padronizado, de frente e de perfil dos indivíduos, que, segundo Oli- vier Lugon “encarnou por décadas a cientificidade da fotografia” (2007, p. 293). Ao todo foram encontradas fotografias dos registros de 51 mulheres. Optou-se por foto- grafar as folhas desses álbuns de modo a reproduzi-las no trabalho. Tais imagens per- mitiram análises sobre a especificidade deste tipo de representação documental, em que se pode interpretar a despersonalização provocada pelos uniformes das detentas, as poses codificadas, além de sugerir associações entre as fotografias e as estatísticas criminais do período, em especial em relação ao perfil étnico-racial das fotografadas. 24 www.sap.sp.gov.br/common/museu/museu.php

Já o segundo grupo de fotografias é composto por imagens reproduzidas das revistas citadas, em especial A Estrela, nas quais se observa o uso de fotogra- fias convencionais, amadoras, cuja função era ilustrar os textos sobre determinado tema. Nestas fotos modestas e circunstanciais, a pretensão artística está ausente. Não se pode buscar nelas expressão pessoal e originalidade, pois são registros anônimos cujo interesse se restringe ao testemunho documental. No entanto, é possível perce- ber que as fotografias não foram colocadas aleatoriamente na revista, mas são ilustra- tivas da representação do cárcere feminino que se queria mostrar: local limpo e em ordem, que pouco ou nada lembrava uma prisão. O discurso do cárcere humaniza- do então em voga se repete nas fotografias, que registram ambientes da Penitenciária de Mulheres de Bangu, no Distrito Federal. Estas acompanhavam pontualmente tre- chos do texto, podendo ser chamadas de “fotografias aplicadas”. De simples registro, sem critérios estéticos de elaboração, em época de “popularização da fotografia”, con- siderado em certos círculos uma linguagem comum, ao alcance de todos, esse tipo de foto, na sua “banalidade e anonimato”, apresenta interesse enquanto fonte visual e complementar para as indagações das ciências sociais e disciplinas afins, como é o caso do presente trabalho (LUGON, 2001, pp. 298 e 306). As fotografias selecio- nadas dos periódicos foram distribuídas ao longo do trabalho, materializando visu- almente o que o texto descreve e analisa.

De acordo com o historiador Ulpiano Bezerra de Meneses, a Antropologia é a área das Ciências Sociais que “mais tem demonstrado sensibilidade para a dimen- são social e histórica dos problemas introduzidos pela fotografia, multiplicando-se os enfoques”, ou seja, os olhares sobre as imagens. Entre os aspectos que interessam à abordagem ora feita destaca-se a documentação de eventos ou situações, quadros do cotidiano, marginalização social e sua contrapartida, ou seja, imagens ideológi- cas de práticas no ambiente das prisões que buscam evidenciar o preparo da futura reinserção, imagens que são, enfim, “parte viva” de uma “realidade social” (BEZER- RA de MENESES, 2003, pp. 11 a 36).

O terceiro grupo é formado por fotos do Presídio de Mulheres de São Paulo, disponibilizadas por Maria da Penha Risola Dias, em entrevista já mencionada, reali-

zada em maio de 2010. São originárias do acervo das Irmãs do Bom Pastor D’Angers, da Casa de São Paulo. Foram selecionadas três fotografias posadas que ilustram per- sonagens que transitavam pelo espaço penitenciário: as Irmãs do Bom Pastor, as pre- sas e as funcionárias laicas. As fotos não estão datadas, o que impossibilita precisar o ano em que cada uma foi feita, sendo possíveis apenas algumas aproximações. As fo- tografias das Irmãs e das presas foram, segundo a entrevistada, tiradas “bem no co- mecinho”, possivelmente entre os anos de 1940 e 1950. Já a das funcionárias não re- ligiosas certamente data do final da década de 1960 ou início dos anos 1970, quando elas foram contratadas. Apesar do retrato das funcionárias não fazer parte do perí- odo ora analisado, foi utilizado não só por anunciar outros tempos penitenciários, mas, principalmente, por mostrar, ao fundo, o prédio do Presídio de Mulheres de São Paulo. São fotografias nas quais é possível perceber que houve uma produção prévia, como a organização do espaço e da pose das pessoas.

Já o quarto grupo, composto por 130 fotografias da Penitenciária Talavera

Bruce25 e do Sanatório Penal, das quais foram selecionadas 40 para apreciação, foi

encontrado no Centro de Estudos e Pesquisas da Escola de Gestão Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro, que abriga um acervo sobre o sistema penitenciário do Es-

tado26. As fotografias, não datadas, são possivelmente da década de 1970, data apro-

ximada à qual se chegou por meio de elementos da época presentes em algumas de-

las27. Apesar de escapar o limite temporal proposto nesta dissertação, o acervo foi

incluído nesta análise no sentido de permitir um diálogo íntimo com o tema em pauta, ressaltando algumas permanências e descontinuidades com o momento ana- lisado. Assim, optou-se por trabalhar as fotografias da Penitenciária Talavera Bruce e do Sanatório Penal em um epílogo que arremata o texto.

25 Nome dado ao complexo de Bangu após ter adquirido autonomia da Penitenciária Central do Distrito Federal, em 1966.

26 O acervo, já digitalizado, foi copiado no pen drive, mediante assinatura de um termo que autoriza o uso das imagens para fins acadêmicos.

27 São certamente posteriores a 1966, data em que o complexo de Bangu passou a se chamar Instituto Pe- nal Talavera Bruce. Elementos prosaicos que aparecem nas fotografias como um refrigerante, carros, roupas e pen- teados (dos visitantes), permitiram concluir que são imagens da década de 1970.