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1. INTRODUÇÃO

3.8 DOIS NOMES DE PESO

Egberto Gismonti28 (05.12.1947) nasceu em Carmo, RJ, e começou a estudar

piano aos seis anos de idade, no Conservatório de Nova Friburgo. Foi aluno de Jacques Klein e Aurélio Silveira. Participou do III Festival Internacional da Canção (RJ, 1968) com a peça O Sonho, para a qual fez um arranjo para uma orquestra de 100 integrantes. “Abriu mão de uma bolsa de estudos em Viena para se dedicar à música popular” (MOLINA, 2002, p. 80); e, em Paris, foi um dos seletos alunos de Nadia Boulanger (AMARAL, 2006, p. 90). Aliou à sua sólida formação erudita informações oriundas da música popular, ampliando o sentido de ambos: mesclou elementos reconhecíveis em Stravinsky e Villa- Lobos com elementos autóctones (veja-se, por exemplo, o seu inusitado encontro com o índio Sapaim), com elementos da música popular, do jazz e da música de outras culturas (como o emprego do sheng29, o qual ele batizou de “catedral”). Este músico multifacetado

também é um multiinstrumentista, executando ao piano, teclados eletrônicos, violão (diversos deles, inclusive de oito, dez, doze e catorze cordas, encomendados por ele mesmo), flauta transversal, flautas indígenas, além de voz, violoncelo e muitos instrumentos considerados “exóticos”. O seu disco Corações Futuristas, de 1975, foi um marco para muitos compositores e instrumentistas, demonstrando que a música sinfônica poderia aliar-se a elementos regionais, ao jazz, ao rock progressivo (deste, especialmente, componentes timbrísticos oriundos da parafernália disponível na época: sintetizadores, mixers, guitarras, distorcedores)30. Lembro-me pessoalmente do fureur causado por este disco entre diversos músicos que eu conhecia, então. No ano seguinte lançou Dança das Cabeças, em duo com Naná Vasconcelos, um disco de muitas premiações. O seu disco

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Mais detalhes em http://www.dicionariompb.com.br/egberto-amin-gismonti.

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O sheng é um tipo de um “órgão de boca”, com palhetas livres de bambu. Difundido no sul da China, norte da Tailândia e Vietnam, pode ser reconhecido em pictografias que datam de 1200 AC. Uma rápida busca na Internet mostra milhões de ocorrências para o termo sheng, com milhares de imagens.

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A entrevista de Gismonti a Tárik de Souza é de 18.06.1976. Pode ser conferida em Rostos e Gostos, pp. 205-209 (ver referências).

Solo, de 1979, vendeu mais de cem mil cópias nos EUA. Muitos de seus LP’s apresentavam uma novidade: traziam anexo o Jornalzinho Caipira, espécie de panfleto de seis ou oito páginas, com poesias, textos diversos, notícias de outros artistas. Gismonti fez algumas apresentações em Salvador, no Teatro Castro Alves (20 a 22 de outubro de 1978 e 16 de setembro de 1983). Sua discografia é imensa. Compôs trilhas para cinema, documentários, balés, teatros, exposições de artes plásticas, além de ter sido produtor musical de muitos artistas (entre os quais destacamos Dulce Nunes, Maysa, Agostinho dos Santos, A Barca do Sol, Flora Purim, Airto Moreira, Piry Reis, Johnny Alf); após contratos com a EMI, lançou o seu próprio selo, atuando, também, no exterior. Sua linguagem musical funde os universos erudito, jazzístico, eletrônico, popular e até o “exótico”.

Hermeto Pascoal31 (22.06.1936), nascido em Lagoa da Canoa, AL, foi poupado por sua família de trabalhar na roça, sob o sol do sertão. Albino, ficava sob a proteção das sombras das árvores. Bastante intuitivo, aprendeu a tocar sozinho diversos instrumentos, começando pelo acordeão. Sua família mudou-se para Recife em 1950. Após passar um tempo em João Pessoa, mudou-se para o Rio, dedicando-se mais ao piano e tocando na noite, em boates e integrando regionais. Transferindo-se para São Paulo em 1961, passou a integrar o Som Quatro; em 64, formou o Sambrasa Trio, já com Airto Moreira; posteriormente, integrou o Quarteto Novo, e também o Brazilian Octopus. Passou a acompanhar Edu Lobo e em 1969 foi convidado por Airto Moreira, já nos EUA, a arranjar um disco seu. Este evento se tornaria a porta de entrada de Hermeto para o reconhecimento de seu talento multimusical: recebeu convites de Miles Davis, e em 1971 já gravaria uma composição sua: o Gaio da Roseira, composição de 1941, que já era cantada pelos pais de Hermeto quando do trabalho na roça. Foi considerada pela crítica inglesa com uma das

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melhores do ano. Gravou seu primeiro disco nos EUA naquele mesmo ano, com destaque para Velório,

“uma suíte erudita sobre tema erudito, na qual Hermeto recria sonoramente um enterro como aqueles que assistira em sua terra natal, incluindo para isso 36 garrafas que, com afinações diferentes, foram tocadas por alguns dos melhores flautistas americanos, entre os quais Hubert Laws e Joe Farrell”. (ALBIN. Ver nota 14)

Ao longo de sua carreira recebeu inúmeros prêmios nacionais e internacionais (melhor instrumentista, melhor arranjador, melhor banda etc.), lançou inúmeros discos, tocou nos mais diversos países, de Portugal ao Japão, passando pelo Líbano, apresentando- se em festivais de jazz e de música instrumental.32

Tudo para Hermeto é som, é passível de se tornar música / instrumento musical. Veja-se, por exemplo, os seus instrumentos, digamos, não convencionais: porco, garrafas plásticas e de vidro, bules, mesas, bacias, máquinas de costura...

Toca mais de 15 instrumentos convencionais, e a sua inventividade parece não ter fim. Hermeto influenciou e inspirou gerações, cativando a todos com sua genialidade, simplicidade e precisão. Ele libertou “a improvisação brasileira” dos clichês norte- americanos, revelando muito da musicalidade do Nordeste, do homem simples do campo, do lado mágico do sertão.

Fui aos EUA com o meu jeito de trabalhar e a vontade de mudar o hábito que obrigava os brasileiros a irem lá para aprender com os músicos norte-americanos. (...) Eu quis mostrar outra coisa que não é jazz, nem samba, nem bossa nova, pois tudo isso me cansa! (...) Sim, eu faço música e sou brasileiro. Que entendam

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Remeto o leitor ao artigo de Costa-Lima Neto, assim como a sua dissertação de mestrado, cuja versão em inglês pode ser consultada em http://www.jstor.org/pss/3060792. Ver referências.

como quiserem. (depoimento de Hermeto Pascoal para a Jazz Magazine, 1984).33

Ativo ainda hoje, em 2010, Hermeto Pascoal é um dos maiores responsáveis pela divulgação da MI no Brasil.

Observando a obra dos autores citados até aqui, vimos que eles criaram o substrato rítmico e harmônico onde a MI iria beber suas águas. Gradativamente a MI iria ganhar visibilidade, já com nuances regionais durante os anos 70. Por sua vez, os músicos brasileiros que moravam no exterior, principalmente nos EUA, ajudariam a divulgá-la.