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1. INTRODUÇÃO

4.3 PELA DÉCADA DE 1970

4.3.3 Sexteto do Beco

O trabalho da Banda do Companheiro Mágico teve uma espécie de continuidade num grupo que surgiria logo depois, estreando em 1978. Tinham alguns músicos em comum. Comungavam também de um forte naipe de sopros e muita exploração da percussão. Trata-se do Sexteto do Beco, um sexteto que começou como trio e se apresentava com até dezoito músicos...

Thomas Gruetzmacher (*1953), filho de alemães, resolveu botar o violão debaixo do braço e deixar São Paulo para estudar Composição e Regência na UFBA. Foi morar numa casinha, num beco do bairro de Pituaçu. Na época, Pituaçu ainda era um remanescente de Mata Atlântica, ficava longe do Centro. Gente humilde e também muitos

“ripongos78” moravam por lá. Thomas trouxe na bagagem além do violão, um certo

conhecimento da flauta doce, de muita música erudita européia e muito rock. Através do amigo baixista, já falecido, Peter Wooley, travou contato com os instrumentistas da noite paulistana e seus memoráveis encontros e jam sessions. Conheceu gente como Guilherme Vergueiro, Ion Muniz, Zé Eduardo Nazário, Nestico, e principalmente o grupo que gravitava em torno de Edison Machado (1934-1990)79, de cujo quinteto teve oportunidade de ouvir as gravações acompanhando Agostinho dos Santos cantando temas como Manhã de Carnaval. Através destes mesmos músicos

Conheci o Jazz, destacando-se o grupo Weather Report, que tinha Airto Moreira na percussão; e depois Chick Corea com o Airto e Flora Purim; e o Live Evil do

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Maneira nossa de nos referirmos a pessoas que adotam modos alternativos de vida, inspiradas na cultura

hippy. 79

Lendário baterista da MI brasileira, egresso das gafieiras e com larga experiência na Bossa Nova. Diz-se que foi o introdutor dos pratos da bateria para o acompanhamento de sambas. Tornou-se “O Herói” de gerações de bateristas com o disco “Edison Machado é samba novo”, de 1963, acompanhado por uma banda de “feras” como Tenório Jr ao piano, Paulo Moura (sax alto) Raul de Souza, trombone. Outros dados em http://edisonmachado.blogspot.com/ e http://www.dicionariompb.com.br/edison-machado-2.

Miles Davis c/Hermeto Pascoal” (GRUETZMACHER, por e-mail, 2007).

Thomas contagiou Aderbal Duarte, um rapaz vindo do interior (Boa Nova, no sudoeste baiano, nascido em 1949) e com parentes músicos, outro aluno do curso de Composição e Regência da UFBA. Já tocava muito e apresentou a Thomas o violão brasileiro, com as obras de Dilermando Reis, Baden Powell e João Gilberto. Sérgio Souto, após a experiência do Companheiro Mágico, juntou-se a esses dois; passaram a se encontrar em Pituaçu para sessões de audições e estudos (conseguiram um método de Michael Brecker80), análises, improvisações etc.

Ouvíamos o jazz contemporâneo que também tinha esta vertente da procura por novos sons, como as fusões do Miles Davis, o free jazz de John Coltrane e Ornette Coleman (com o seu conceito de harmolodics), o piano solo do Keith Jarrett, as cores do Lydian Cromatic Concept de George Russel. (GRUETZMACHER, por e-mail, 2009).

Este trio de compositores apaixonados por jazz e MI foi o embrião do Sexteto do Beco. Depois incorporaram Sarquis com o seu contrabaixo, Marquinho Guériguéri [Marcos Esteves] com o sax soprano, entre outros músicos. Mais tarde muitos viriam se juntar a esse núcleo, transformando o sexteto original num “dezessexteto”! Thomas conta um pouco como eram os ensaios no beco de Pituaçu:

Os ensaios lá em casa, no Beco, eram acústicos. Sem amplificação. Afonso Correia trazia caixa e hi hat, Annunciação uma percussa, Aderbal e eu nos violões, Corrado Nofri no piano de armário que eu tinha, e Marquinho Guériguéri, que inclusive morou uns tempos lá, era o único sopro. Sarkis, da

80

Nasceu em 1949 numa família musical americana, estudando na universidade de Indiana, depois em Nova York. Ganhou 13 vezes o Grammy, gravou 10 discos, falecendo aos 57 anos. É tido como um dos

saxofonistas mais inovadores de sua geração. Veja mais informações em seu site pessoal: http://www.michaelbrecker.com/ [últimmo acesso em 15.10.2010].

Boca do Rio trazia o Baixo , era mais ensaio de cozinha. Depois quando conseguimos a [sala] 304 na EMAC, deixávamos tudo lá, amps, batera montada, e aí a sopraria toda aparecia. Ensaiamos muito só os dois violões, Aderbal e eu, e

ainda tenho boas fotos de ambos no beco (GRUETZMACHER, por e-

mail, 2010).

Em breve o grupo estaria com o seu repertório formado para a estréia pública. Um diferencial deles é que muitos de seus temas instrumentais... eram cantados! A voz humana era tratada como um instrumento musical (o que já acontecia na Banda do Companheiro Mágico): não havia letras de música a serem cantadas, os temas eram vocalizados. A cantora que assumiu essa “voz instrumental” foi a soprano Andréa Daltro (1948), que já estava trabalhando no Madrigal da Escola de Música, onde ingressou em 1969. Havia começado a cantar sob orientação de Adriana Widmer, esposa do compositor Ernst Widmer. Andréa participou de muitas estréias de peças da vanguarda baiana – Lindembergue Cardoso, Jamary Oliveira e outros. Certa vez, Sérgio Souto compôs uma peça experimental intitulada +Brasil [Mais Brasil], e precisava de uma cantora. Ela foi a escolhida e logo iria se transformar numa espécie de musa da MI em Salvador, e alguns temas lhe foram dedicados em homenagem (Luciano Chaves, Luciano Silva).

Muitos músicos passaram a colaborar com o Sexteto, como vimos. Isto proporcionou aos compositores dispor de um verdadeiro laboratório de orquestração e composição. A estréia foi no Teatro Castro Alves, em 21 e 22 de julho de 1978, com o show “Prelúdio do Beco”. Lembro-me de uma apresentação deles no Solar do Unhão, provavelmente em 1979, e com o mesmo repertório da estréia, e a minha impressão é que eles formavam uma orquestra de câmara tocando uma espécie de choro-samba-jazz-erudito instrumental brasileiro. A formação era: Aderbal Duarte e Thomas Gruetzmacher, violões; Antônio Sarquis, contrabaixo; Zeca Freitas (ex-Companheiro Mágico), sax e piano

elétrico; Sérgio Souto, flauta e sax; Samuel Motta e Luciano Chaves, flauta; Guimo Migoya, bateria; Anunciação, percussão; Juracy Bemol e Boanerges, trompete; Veléu Cerqueira, Paulinho Andrade e Tuzé Abreu, sax; Gérson Barbosa, trombone; e a voz de Andréa Daltro. As composições eram majoritariamente de Sérgio Souto e Aderbal. Outros compositores da turma eram Thomas Gruetzmacher, Zeca Freitas e Samuel Motta.

Com os apoios da Fundação Cultural do Estado da Bahia, da Bahiatursa e da Prefeitura da Cidade do Salvador, o grupo conseguiu ir a São Paulo e gravar um LP, em 1980. Os trabalhos de gravação e masterização foram realizados nos estúdios Abertura e Nosso Estúdio (informações na contracapa do LP).

Nem só de composições vivia o Sexteto do Beco. O grupo também trabalhava com arranjos e em 1982 apresentariam “Sexteto encontra Jobim”, um show de arranjos em homenagem ao maestro, no Teatro Castro Alves. Logo mais, no entanto, o grupo iria se desfazer.

Thomas Gruetzmacher gosta do termo Música Instrumental Popular Brasileira. Resume assim a experiência do grupo:

O nosso objetivo no Sexteto sempre foi usar o material da tradição popular brasileira, principalmente o rítmico, mas também o harmônico e melódico. Isto tudo misturado à nossa formação na EMAC-UFBa (nos anos 70 havia uma grande preocupação de estar inserido numa contemporaneidade irradiada da Europa pós-Schoenberg e seus experimentalismos) e outras influências como no meu caso que fui assistente de Walter Smetak durante quase 7 anos (GRUETZMACHER, por e-mail, 2007).

O legado do Sexteto do Beco foi bastante significativo para os músicos de Salvador. Muitos jovens músicos foram influenciados por seus integrantes, e muitos

daqueles viriam a se transformar em novos luminares da música instrumental local, como Luciano Silva, Rowney Scott, Ataualba Meirelles, Luizinho Assis, Ivan Bastos.

Você sabe quem é que tinha o apelido de “tiete” do Sexteto? Era Ivan Bastos81.

Ele era garoto, todo dia ia ver o ensaio do Sexteto; aí, sentava, pequenininho, loirinho... “Eu posso assistir?” (DUARTE, depoimento, 2007).

Cabe lembrar que a primeira escola de música popular da cidade do Salvador foi criada pelo núcleo embrionário do Sexteto do Beco, Thomas Gruetzmacher, Sérgio Souto e Aderbal Duarte. A AMA – Academia de Música Atual – acolheu dezenas e dezenas de jovens sedentos desse conhecimento – jazz, música instrumental, improvisação voltada para a música popular –, que não estava disponível, digamos assim, na Escola de Música da UFBA. O breve capítulo escrito por essa Academia no livro da vida musical soteropolitana deixou suas raízes frutificarem na geração seguinte. Retornarei a esse assunto no tópico 5.4.