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O domicílio espaço cuidativo idealizado

1. MANTER A CONTINUIDADE DOS CUIDADOS NO DOMICÍLIO : UM DESAFIO

1.1 O Programa: ambiente e Caracterização Geral

1.2.3 O domicílio espaço cuidativo idealizado

Para os intervenientes no processo (enfermeira, pessoa e família), o domicílio, local de cuidados, é gerador de bem-estar. A casa é considerada o espaço ideal de cuidados que permite à pessoa e família cooperarem no manuseio da doença ou da dependência em ambiente familiar.

Para as enfermeiras, a idealização da comunidade decorre da oportunidade de aplicarem, na prática dos cuidados, o que foi aprendido no decorrer da formação (licenciatura em enfermagem e outros). É com manifesto gosto que referem o que pensam ser o seu trabalho neste espaço de cuidados:

O enfermeiro CUIDA DA VIDA. Trabalhar aqui é assumir cuidados de saúde a uma população, considerando a saúde como bem-estar e capacidade de funcionar (…). A área de intervenção do enfermeiro é a pessoa e as suas respostas em saúde (…). A primeira abordagem pode ser a doença mas depois, esta torna-se a desculpa para as deslocações seguintes ou uma parte do motivo. Os outros vão porque há necessidade específica: o médico vai pela doença, o fisioterapeuta intervém porque há indicação da necessidade, identificada pela enfermeira, a assistente social é contactada pela enfermeira em função de uma necessidade concreta... [SM]

Os conceitos que as enfermeiras apresentam do seu trabalho apontam para esta noção de cuidado idealizado que praticam. As enfermeiras auto-definem-se como quem melhora a qualidade de vida das pessoas e encaram a enfermagem como Compreender a vida tal qual a pessoa a vive, tendo por objectivo Ajudar a família e Apoiar a pessoa para a independência, sendo decisivo a enfermeira Estar no sitio certo quando a família necessita, demonstrando que vêem o domicílio como o espaço que lhes possibilita o acesso ao mundo privado do outro, apreciando as necessidades através das lentes da pessoa cuidada e do seu ambiente familiar: as necessidades das pessoas são as que as pessoas sentem.

Neste contexto, enfermagem é imbuída pelo conceito de missão. Ajudar o outro é uma expressão utilizada por todas. Esta concepção é partilhada pela equipa de saúde. São também mencionadas outras possibilidades do domicílio que o convertem em espaço desejado, como a adopção de comportamentos e a expressão de qualidades humanas: a flexibilidade, uma qualidade da enfermeira neste contexto; e comentários de que a enfermeira adora novos desafios e ambientes em constante mudança que tornam a prática diária num desafio a enfrentar.

A enfermeira necessita de uma base de conhecimentos que sustente as competências de observação e a colheita de informação. Uma boa enfermeira em cuidados domiciliários

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operacionaliza o cuidado ao cliente e família transmitindo-lhes a sensação de serem valorizados, respeitados, apoiados e de que estão a ser cuidados por alguém com competências técnico- científicas seguras, pelo que todos os conhecimentos, nomeadamente os oriundos do Curso de Licenciatura em Enfermagem são integralmente explorados e aplicados.

Assim, o objectivo da enfermeira é promover o bem-estar do doente e da família, o que consubstancia um objectivo terapêutico da sua intervenção como prestadora de cuidados, que se desdobra, sendo também: o suporte, a consultora, a educadora, a motivadora para a independência possível, a que respeita sempre os valores da pessoa.

O domicílio é, ainda, o espaço libertador das normas institucionais para a enfermeira, para a pessoa e para a família, facilitando a gestão do tempo e o controlo com base nas necessidades daquelas e não nas da organização. O contexto da casa adiciona uma dimensão pessoal à natureza da interacção entre a enfermeira e a pessoa, admitindo a intrusão da afectividade.

Quer a pessoa quer a família salientam esta dimensão do espaço casa como o lugar desejável para a ocorrência dos cuidados, referindo os alimentos preferidos ou o reconhecimento do seu canto. Também as experiências que a pessoa/família já teve com instituições parecem contribuir para esta primazia do lar, traduzida em Mas ela estaria melhor noutro sítio que aqui? ou Ele veio tão magrinho e cheio de feridas lá do hospital… e Esta é a minha casa, é aqui que eu quero estar.

Os testemunhos acima mencionados representam, ainda, dois dos objectivos dos cuidados no domicílio: uma vida com sentido e a autonomia, em prol da importância do lugar que se habita na manutenção do bem-estar. As pessoas dizem querer ficar em casa para manter os seus hábitos de vida e poupar recursos económicos. O domicílio é, adicionalmente, onde os cuidados de manutenção da vida decorrem com maior satisfação para a pessoa, tendo em conta: a alimentação, a roupa, os odores, o horário das actividades, os ruídos, a proximidade confortadora da família e da rede social.

A decisão relativa a alterações de comportamentos vai sendo facilitada, o que é explicado pela enfermeira como sendo resultado da proximidade dos cuidados que ocorrem no espaço da pessoa. Expressões como é esta cadeira que pode utilizar para elevar a perna ou remover este tapete são significativas.

A constatação da possibilidade de realizar educação para a saúde em situação, utilizando os recursos próprios da pessoa/família, constitui mais um desafio à prática diária, o que ajuda à idealização deste espaço de cuidados.

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Para as enfermeiras, o espaço domiciliário surge como um ideal de centralidade da pessoa no cuidado, com a sua consequente participação activa nas decisões e nas intervenções cuidativas, com capacidade de decisão e autonomia, ao mesmo tempo que vão ao encontro das suas próprias concepções de enfermagem.

Até os responsáveis autárquicos reconhecem a vantagem dos cuidados domiciliários: são possíveis em qualquer área geográfica, não se coadunam com listas de espera, além de os potenciais consumidores poderem ser facilmente informados sobre como aceder ao PCCD. A juntar a isso, os consumidores assumem que os cuidados são de qualidade, ficam mais baratos e asseguram a equidade. As famílias são encorajadas a providenciar cuidados pelo maior tempo possível, com evidentes repercussões na saúde mental dos cuidadores no entanto, é possível ensiná-los a providenciar bons cuidados, prevenindo, por via da identificação precoce, situações de abuso, negligência e violência.

Este sistema de prestação considera as expectativas sociais sobre o cuidado familiar e inter-geracional, na medida em que é socialmente aceite a responsabilidade pública pelo cuidado às pessoas de qualquer idade em situação de dependência. Estas considerações são integradas pela equipa e transmitidas aos utentes e à população em geral, estabelecendo-se, assim, um movimento de solidariedades à volta do programa, sempre referido com carinho pela população, afecto esse que se repercute no bem-estar da enfermeira e que contribui para a sua manifesta preferência pelos cuidados domiciliários como local de trabalho.