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Partilhar: significados e cuidados

3. C ONSEQUÊNCIA : TORNAR SE PARCEIRA DA FAMÍLIA

3.3 Incluir a família na equipa de saúde

3.3.1 Partilhar: significados e cuidados

A aceitação de cuidados domiciliários é um processo complexo, para o qual a pessoa mobiliza um conjunto de motivações e vontades que a enfermeira integra na prática de cuidados. A expectativa do papel da enfermeira é bastante motivador para aceitar a cooperação no processo de cuidados. Esta expectativa determina o início dos cuidados no domicílio, mas é no vigor da relação que se estabelece que a mesma vai sofrendo alterações determinantes, para a prossecução e consecução da finalidade do cuidado.

A enfermeira reconhece que é um passo importante para a família e, a cada deslocação ou a cada contacto, procura deixar claro que foi a pessoa/família quem, de forma autónoma, decidiu aceitar os cuidados. Esta aceitação implica normas e um acordo tácito entre ambas as partes, constantemente objecto de negociação e de confrontação. Com a aceitação de cuidados no domicílio, a pessoa/família e o profissional (especialmente a enfermeira) colaboram para um objectivo comum: o bem-estar da pessoa cuidada. Os cuidados e o seu significado são partilhados e tornam-se estruturantes da relação: cada parte compreende (ou vai intervindo) em função do papel do outro. Ao procurar certificar o que interpretou, reforça essa consciência e permite que, enfermeira e família partilhem símbolos, atribuindo, em conjunto, um significado aos cuidados.

Os significados dos cuidados são construídos com base na relação que se estabelece (no encontro) entre enfermeira e família. A possibilidade de trocar informação e conhecimentos, aceder às crenças e receios da família, convocar, em parceria, as suas forças e fraquezas vai apoiar a construção do processo de cuidados sustentada pela partilha do significado do mesmo.

Neste contexto, a enfermeira identifica a forma como a pessoa lida com a sua situação de saúde, as respostas que procurou e aquelas a que quer aceder, a situação de dependência/independência, as rotinas e hábitos, e as alterações introduzidas e suas implicações.

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A enfermeira conhece o cuidador, a perspectiva sobre o próprio papel, e suas potencialidades. Com base no Ciclo Informação-Acção, a enfermeira conhece as intervenções a implementar, estabelece prioridades e identifica os recursos a mobilizar. Constitui-se o profissional de saúde de referência, a quem contactam quando a dificuldade e a dúvida sobre a sua competência como cuidador se instalam, quando surge a agudização da doença ou este necessita do que é mencionado como um ombro, uma palavra amiga, também fundamentado na disponibilidade do contacto via telemóvel e que a enfermeira lembra a cada visita. O conhecimento, a disponibilidade e a solidariedade são facilitadores da partilha do significado dos cuidados.

Ao privilegiar a pessoa/família como fonte de conhecimento sobre a situação de saúde, e envolvendo a sua totalidade na atenção, a enfermeira vai criar um espaço particular de cuidado, no qual poderão ser identificados problemas que até aí passaram despercebidos, e planear soluções em conformidade com as necessidades. Compreendendo a importância de se tornar um colaborador activo para a prossecução do cuidado e a possibilidade de diminuir o fardo de ser cuidador informal, apoia a família a expressar as dificuldades e a constituir-se um observador cuja eficácia vai aumentando com o tempo, de forma que a enfermeira confia naquela família, isto é, sabe que a mesma procura identificar alterações que lhe comunica.

O significado dos cuidados é expresso pela família como ficar bem, não ter feridas, não ter dores e não ter que voltar ao hospital ou estar bem alimentada e limpinha, na sua casinha e ser capaz de cuidar dele, mesmo contando com a enfermeira nem que seja de 15 em 15 dias, isto é, atribuem um significado que se baseia na aquisição e manutenção da independência da pessoa cuidada e na capacidade de, enquanto cuidador, ser competente para lidar com a situação de forma a manter, ainda que com apoio esporádico, o bem-estar para ambos, pessoa e família. Este projecto de saúde é valorizado pela enfermeira e transforma-se no motor da parceria estabelecida.

A enfermeira partilha informação sobre os cuidados, os seus fundamentos e o que se pretende alcançar; a família colabora com as suas ideias próprias, os seus receios, as suas tácticas para lidar com a situação e com a definição das suas próprias metas (muitas vezes, dada a relação que se estabelece, estas são a verbalização das metas que os profissionais estabelecem e que são aprendidas, através do contacto com as enfermeiras).

As experiências que a família viveu podem determinar objectivos próprios, principalmente aquelas com idosos dependentes sob os seus cuidados e que estiveram internados em instituições hospitalares. Para estas famílias, o cuidado familiar é valorizado pela percepção de que, no

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domicílio ele até está mais gordinho e não tem feridas… deveria ver as que trouxe do hospital. O receio das úlceras de pressão torna-se uma forma eficiente para incluir todas as informações e intervenções que a enfermeira sugere, no cuidado diário. Com efeito, a família necessita de esclarecimento sobre os cuidados e da causa das intervenções. Baseadas na certeza de que os cuidados têm uma finalidade objectiva, a família colabora de forma mais activa no processo.

Não vamos mudar as pessoas radicalmente mas vamos conseguindo se a gente fizer ver o quando ou o porquê das coisas, vamos conseguindo, mesmo hábitos enraizados… (CMV)

A família não é coagida a aceitar as intervenções da enfermeira. Esta procura incutir alterações aos hábitos de vida ou a manutenção do cuidado familiar no seu ritmo usual, propõe soluções que contemplam a vida da família, considerando os seus recursos e crenças. A proximidade facilita a aceitação que, conjuntamente com o encorajamento que a enfermeira oferece, consolida o processo de cuidar de um familiar dependente. A enfermeira capacita a família, isto é, torna-a autónoma e capaz de integrar novos conhecimentos e formas de fazer, visando o momento em que a pessoa/família serão independentes dos cuidados de enfermagem.

Partilhar os cuidados pressupõe partilhar o seu significado entre a equipa: a enfermeira encaminha para o profissional considerado o adequado. A decisão que a enfermeira toma reflecte-se na família e é tomada com o acordo dela. Trazer mais um elemento estranho para o seio da família (ainda que seja um profissional de saúde) pode ser motivo de desequilíbrio e ansiedade. Usualmente, o médico é aceite com facilidade, contudo, quando há necessidade de um outro profissional cujas deslocações assumem um carácter de maior frequência, implica, da parte da enfermeira, um processo de preparação da família e de partilha do objectivo da inclusão.

Assim, a enfermeira, mediadora, constitui o elemento a quem compete trazer a realidade da pessoa para a equipa e a gestão dos cuidados gira em torno do que ela perspectiva como significativo no processo. Isto é patente nas avaliações em que é notório que os resultados que os outros profissionais apresentam dependem, directamente, dos encaminhamentos (ou referências) efectuadas pela enfermeira, das colaborações que solicitou, das visitas conjuntas que pediu. Esta valorização assenta na avaliação da enfermeira, a qual se fundamenta nos modelos profissionais determinando a operacionalização dos conceitos de pessoa, objecto dos cuidados, saúde e doença, formas de intervenção. A partilha de significados dos cuidados entre a equipa é um factor aglutinador das perspectivas profissionais sobre a pessoa e a família que cada um detém (e que se complementam), com as evidentes repercussões nos cuidados prestados.

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