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Percepcionar a pessoa integrada numa família alargada

3. C ONSEQUÊNCIA : TORNAR SE PARCEIRA DA FAMÍLIA

3.1 Percepcionar a pessoa integrada numa família alargada

Desde os primeiros contactos com o campo, mais do que a referência à pessoa cliente dos cuidados, a família era referida como a cliente dos cuidados. Esta família, expressa nos discursos, surgia, igualmente, formada por diversas pessoas e dotada de propriedades específicas. Desta forma, construíram-se duas categorias que, em conjunto, permitiram englobar a percepção da

Quem é a Família

Respeitar a Dinâmica familiar Estimular a Força da Família Apoiar o Cuidador Cuidado Afectivo

Cuidado no Espaço Reconhecido Cuidado Humano Enriquecedor Compreensão das dificuldades da família no cuidado

Respeitar a organização Familiar Partilhar Significados

Partilhar Cuidados

Privilegiar a pessoa como fonte de conhecimento Responsabilizar para a independência Cuidar do Cuidador P ar ce ri a d e C u id ad o s Fam íli a -E n fe rm e ir a Incluir a Família na Equipa de Cuidados Valorizar o Cuidado Familiar

Pessoa Integrada Numa Família Alargada

Concepção de Família Família como um Sistema em entropia

Respeitar a Individualidade da Família

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Família Recurso e Alvo de Cuidados

Reconhecer a Família como essencial ao Bem-Estar

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unidade familiar alargada, ou seja, a concepção de família (quem é a família) e a perspectiva funcional de família como um sistema tendente à entropia.

3.1.1 CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA

Nos discursos e nas práticas das enfermeiras, o conceito comum de família é o de um grupo de pessoas relacionadas entre si, biológica, emocional ou legalmente, independentemente da existência de laços de sangue ou hábitos de co-habitação

Família é toda a pessoa que está envolvida na situação de cuidados, não é só a família directa: é o vizinho, já tivemos situações assim em que uma família tomava conta de um casal… família é todas as pessoas envolvidas no cuidado. [EM]

O conceito de família identificado acompanha as transformações sociais dos últimos anos. Esta definição ampla permite às enfermeiras envolver nos cuidados um leque alargado de pessoas, as quais poderão ser cooptadas para o apoio, vigilância ou prestação de cuidados ao utente: foi referido o recurso aos vizinhos no sentido de revezarem a presença junto da pessoa dependente, quando esta não dispunha de rede familiar de apoio (reconhecida ou disponível).

Estas pessoas são objecto do mesmo estímulo, valorização e cuidados como se de um familiar próximo se tratasse. Desta forma, as enfermeiras procuram colmatar o insulamento do espaço domiciliário abrangendo uma rede de pessoas significativas em torno da pessoa cuidada.

3.1.2 FAMÍLIA COMO UM SISTEMA TENDENTE À ENTROPIA

As enfermeiras referem-se à família como um sistema de relação, com a particularidade de tender à entropia (pela presença de um familiar dependente), pelo que procuram intervenções adequadas para a preservação da energia familiar. A família é considerada como todo e qualquer sistema, auto-regulado que se comporta como um todo coeso. Uma mudança numa parte do sistema provoca mudança em todas as outras partes e no sistema como um todo. Contudo, tendencialmente, o sistema procura formas de equilíbrio, quer pela informação proveniente do mundo exterior (nomeadamente veiculada pelo enfermeiro) quer pela informação interna à própria família.

Percepcionar a família como um sistema em interacção permite ter a noção de que cada um dos seus membros tem responsabilidades e funções a desempenhar, criando um jogo de interdependência e inter-relação. Igualmente, nesta óptica, torna-se contraditório pensar que

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somente um membro está “doente”, o que faz com que o cuidado seja assumido como direccionado a toda a família. A enfermeira planeia o cuidado para a totalidade da pessoa e do seu ambiente, considerando as consequências reais ou potenciais da doença na vida da família que identifica ou o que a família partilha sob a forma de preocupação.

Dependente deste conceito, a enfermeira intervém no sentido de encontrar medidas que visem dar segurança à família, na perspectiva de que, mesmo que a pessoa se encontre fragilizada, a manutenção das forças familiares poderão ser mobilizadas para a aquisição do equilíbrio. A família “perde” energia sem propósito, isto é, desequilibra, em função da existência de um membro doente. Esta tendência para a entropia é percepcionada pela enfermeira, por conseguinte, procura medidas que conduzam à poupança da energia familiar: sendo mediadora, procurando recursos na comunidade e sendo, ainda, o suporte emocional da pessoa/família. Estas intervenções incluem a procura dos recursos necessários, a intervenção de um profissional ou a manutenção da normalidade da vida familiar, respeitando as rotinas e os hábitos, por exemplo.

Se conseguirmos manter os dois dentro de um equilíbrio, a coisa mantém-se: se a família estiver estabilizada, o doente também está! Mesmo que o doente descompense, se a família estiver calma acaba por contrabalançar e até se a família tiver momentos, se o doente sentir que é amado então também age com calma até que o equilíbrio se restabeleça… e com o nosso apoio, a família acaba por compensar. [TMV]

Esta noção de família acarreta o respeito pela sua dinâmica e seus recursos, numa atitude de estímulo à aquisição e manutenção de equilíbrio, tão necessário ao bem-estar da pessoa e família. A perspectiva unitária da família significa trabalhar com a unidade familiar como grupo e não apenas como a soma das suas partes.

Em variadas situações, a enfermeira constata que o cuidador familiar necessita de apoio, ou que a dinâmica familiar beneficiaria de intervenções para a adopção de estratégias facilitadoras do cuidado. O princípio respeitado pela equipa é a manutenção da estabilidade familiar, com base na mobilização dos recursos próprios, e a opção é permanecer na expectativa: a família reconhece o apoio da enfermeira, mas dispõe do espaço necessário para decidir o percurso a seguir e os apoios a solicitar. Esta atitude da enfermeira é reconhecida pela pessoa/família e verbalizada por esta como uma mais-valia do programa (sei que posso contar com elas quando for preciso).

A manutenção da dinâmica familiar é reconhecida como importante para o equilíbrio do todo e recuperação da independência. É um trajecto que a enfermeira percebe que a família deve fazer: encontrar as tácticas adequadas à situação, o que reverterá no fortalecimento da estrutura familiar. Ao permanecer em segundo plano, a enfermeira permite que a família identifique as suas

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potencialidades como cuidador, o que se traduz na aquisição (ou recuperação) da dignidade e do sentimento de utilidade do cuidador familiar.

São vários os sentimentos despertados pela condição de cuidador: resignação, sentir-se inexperiente, cansaço físico e emocional, sensação de perda da liberdade e solidão. A consciência destes é considerada no planeamento dos cuidados e na gestão das visitas. Assisti a visitas de promoção da saúde com o objectivo de inquirir sobre a qualidade de vida e as necessidades dos cuidadores familiares, sendo notória a preocupação manifesta pelos elementos da equipa sobre a qualidade de vida dos cuidadores, principalmente a situação de idosos a cuidarem de idosos.

Esta constatação encontra-se expressa no desabafo da enfermeira EM, depois de ter insistido com uma cuidadora a necessitar de cuidados de saúde, para que marcasse uma consulta no Centro de Saúde, e que, caso não o fizesse, a enfermeira tomaria a iniciativa de a marcar:

… Não devemos intrometer-nos na vida das pessoas, nem obrigá-las. Posso brincar com as situações: se não marcar a consulta eu marco! Mas há sempre um passo que eu não dou, temos que ver se a pessoa está realmente acessível, porque eu posso meter-me onde não sou chamada… vou-me meter no meio da vontade das pessoas?!

Para o cuidador, a sensação de possuir conhecimento especial sobre os cuidados ao familiar é gratificante e permite reorganizar potencialidades. Podem não se sentir peritos na prestação de cuidados de saúde mas são-no na identificação das necessidades, valores e expectativas do familiar. A enfermeira enfatiza o facto de o cuidador conhecer o contexto, a história da pessoa e o que esta necessita em matéria de cuidados. Ao estimular e reconhecer este conhecimento, a enfermeira providencia formas de o cuidador se sentir competente no desempenho da sua função, repisa ainda a importância da decisão familiar e cimenta o respeito mútuo.

E eles acabam por perceber. Se nós nos diminuirmos um bocadinho, eu venho aqui ensinar aquilo que sei, mas vocês acabam por fazer, eu acho que eles percebem e acho que aceitam muita coisa e é uma sobrecarga muito grande tanto dos sentimentos como fisicamente porque ter um idoso em casa quase que … pedimos-lhes imenso e com uma actividade e com uma família e acho que esquecemos isso se estivéssemos na mesma situação como é que nós faríamos isso? (EM)